Você alisaria o cabelo de sua filha pequena?

Margarida Telles – Época

“Minha filha tem o cabelo muito crespo. A partir de qual idade posso alisá-lo?” A pergunta é o título de um post publicado no dia 16 de janeiro no blog de uma famosa maternidade paulistana, em que mães tiram dúvidas sobre os cuidados com seus bebês e filhos pequenos. No post, a equipe responsável pelo blog diz que “muitas crianças nascem com os cabelos crespos ou rebeldes demais” e que algumas mães recorrem ao alisamento “para deixarem as crianças mais bonitas”. Sim, mais BONITAS. Em seguida sugerem que não usem técnicas de alisamento com formol na fórmula, e que uma boa opção seria a escova de colágeno.

Mais alguém achou isso, assim, perturbador? Eu fiquei tão chocada que nem sei por onde começar. A primeira coisa que me irrita totalmente é essa ideia de que cabelo bonito é cabelo liso (de preferência claro e longo), e cabelo “ruim” ou “rebelde” é aquele cacheado. Não tem como negar, há racismo na história. Não do jeito totalmente explícito, como em Django livre ou A cor púrpura. Mas o repúdio pelo cabelo cacheado vem da concepção de que a herança africana, presente no sangue de tantos brasileiros, é inferior à europeia. E que para ser bonita é preciso ter o cabelo liso –  ou no máximo com um ondulado Gisele Bündchen.

Como dona de um cabelo ”rebelde”, sei que cuidar de cachos na vida adulta é muito trabalhoso. Para ter o cabelo da Taís Araújo é preciso de toneladas de cremes, hidratação, algum baby liss e nenhum ventinho ou umidade. E você nunca sabe como o cabelo vai acordar ou se comportar na praia. A própria Taís parece ter cansado, e tá com o cabelo curtinho. Eu em algumas fases da vida adulta também decidi mudar o cabelo, e deixá-lo liso. Mas gostaria de ressaltar: na vida adulta.

Alguém aí olha pra uma criança e pensa “quanto frizz”? Na minha cabeça cabelo de criança é aquele cabelo de quem brincou na grama, descabelado e cheio de folhas. Ou o cabelo de quem pede pra mãe fazer trancinhas, com pompons e presilhas. Quando a gente cresce passa a ter preocupações (bem idiotas, assumo) como o frizz, os poros da pele dilatados, a oleosidade ou aquela gordurinha que não sai da cintura por nada no mundo. Mas para mim, essas preocupações são tipicamente adultas – e nós mulheres seríamos mais felizes sem elas.

Cabelo de criança também exige cuidados. Deve ser lavado com zelo, penteado sem puxões, cortado de tempos em tempos. Mas transferir para uma criança inseguranças sobre frizz ou ondas “indisciplinadas” me parece tão absurdo quanto dizer que “essa roupa não alonga a sua silhueta”, ou “brigadeiro faz mal pra pele”.

Acho que eu tive a sorte de nascer em uma família onde a individualidade é respeitada e admirada. Uma de minhas irmãs é loira e tem o cabelo liso. A outra tem cachos, como eu, e tudo bem! A minha mãe, adepta fervorosa da escova,  nunca me passou qualquer tipo de insegurança quanto ao meu cabelo. Ao contrário. Ela fazia cafuné sem se preocupar em desmontar o meu penteado ou deixar as mechas volumosas.

Na foto acima, tenho dois anos e cachos. Será que hoje a minha mãe seria considerada negligente por nunca ter feito uma escova de colágeno ou cauterização no meu cabelo rebelde?

http://colunas.revistaepoca.globo.com/mulher7por7/2013/01/24/voce-alisaria-o-cabelo-de-sua-filha-pequena/

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

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