Índio Educa: Depoimento de Nilson Saboia (Tuwe Huni Kuin)

Então… Estou falando não como um menino buchudo perdido no mundo. Falo com muito talento, positividade, pureza e com base na realidade sem inventar nada. Falo com muito amor e carinho sobre tudo e com muito respeito. Coisas que aprendi com os mais velhos.

Sou simplesmente um Txaizinho da floresta, procuro falar com firmeza e me posicionar, quando necessário, de maneira critica e em defesa de meu povo, de sua luta e de seus conhecimentos tradicionais que não vamos deixar virar mercadoria para se descaracterizarem totalmente.

Sabemos, evidentemente, que nós temos muito que aprender, mas estou certo que pessoas do meu povo também têm muito que ensinar. Vejo e sinto isso por ter vivido em diferentes sociedades. Procuro, assim, agir com responsabilidade e compromisso, pois sou um mensageiro do meu Povo e continuo acompanhando as informações das coisas que estão acontecendo no lugar de onde venho, em especial, relacionado ao Povo Huni Kuin.

Estou agora do outro lado do mundo, mas não vim parar aqui de paraquedas. Venho de uma terra indígena, de um Povo que tem toda uma bela história na sua trajetória. Atualmente estamos vivendo em 05 momentos diferentes e combinados: tempo da maloca, tempo da correria, tempo do cativeiro, tempo dos direitos concedidos, mas não garantidos, e hoje igualmente estamos vivendo o desafio de garantir uma política para melhorar a qualidade de vida do nosso povo e garantir sua tradição.

Queremos resistir e mostrar que não tem base a visão do índio coitadinho, que precisa ser arrancado de sua terra e vir para a “civilização” ou que não possuem grandes potenciais. Essa é a ideologia que justifica a morte de meu povo, seja pela violência física ou a violência do mercado capitalista.

Graças à natureza somos um povo muito rico em biodiversidade, cultura, espiritualidade e acima de tudo podemos ter uma vida de qualidade na Floresta. Moramos em uma terra indígena que é dividida por aldeias, composta por várias categorias sociais e possuímos uma organização própria para responder a complexidade de nosso viver.

Possuímos, inclusive, uma política bem concreta e determinada. Temos um Plano de Gestão Ambiental e Territorial para Nossa Terra que não é uma lei imposta, mas sim um acordo firmado entre as famílias, crianças, adultos, homens e mulheres, sobre como vamos fazer a gestão do Nosso Território melhor incluindo a fauna, a flora e as atividades para nosso viver. Sempre de uma forma sustentável e com sabedoria.

São muitos os charlatões que tentam falar falsamente em nome de meu povo. Chega-se, inclusive, a criar um grande misticismo, falsas filosofias, biopirataria, rituais e vários outros artifícios para enganar pessoas que sentem um vazio nas suas vidas e tem um respeito pelos povos indígenas. O resultado é muito longe do esperado, tanto para as pessoas que procuram esse tipo de resposta que não resolvem seus problemas, quanto para os índios que são aliciados por gente mal intencionada.

Isso é parte de um enquadramento via mercado de meu povo. Onde isso deu certo com os Povos da Natureza? Na Ásia, na África, nas Américas, na Oceania? Existe um só lugar nesse vasto mundo que isso não resultou em escravidão (ou assalariamento precário), enganação, roubo de terras, mortes e perda de identidade dos povos originários?

Por trás disso tudo várias motivações: a intolerância, a ambição pelo lucro, a ignorância, a desfaçatez e etc. Sentimentos que meu povo originariamente não está acostumado a viver e sentir, frutos de uma sociedade baseada na exploração do homem pelo homem que nos impedem de alcançar a felicidade e a harmonia com nosso meio.

Nossa cultura não cabe num lugar que não seja nosso próprio mundo. Precisamos simplesmente ser nós mesmos em nossa própria Aldeia. Quando saímos desse universo é para mostrar que precisamos ser respeitados e não virar mercadoria ou peça de exposição. Nossa cultura fora de nosso próprio mundo só pode ser apresentado como uma resistência ao seu extermínio.

Nilson Saboia
Tuwe Huni Kuin

Assessor da Associação do Povo Indígena do Rio Humaita (ASPIRH), Agente Agroflorestal e Realizador Indígena.

Compartilhada por Mari Má.

http://www.indioeduca.org/?p=1853

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