Por Igor Paes Lellis do Lago e Rebeca Gehren, Revista Novo Mundo
“De Cabral a Cabral: 512 anos de descaso” foi a frase que percorreu as redes sociais no Brasil nas últimas semanas. A declaração faz uma comparação da situação vivida pelos indígenas na época do “descobrimento” do país por Pedro Álvares Cabral e hoje, no governo do estado do Rio de Janeiro de Sérgio Cabral. O problema em questão é a intenção de destruição do antigo Museu do Índio, situado ao lado do Maracanã, Rio de Janeiro, e expulsão de seus habitantes, os índios da Aldeia Maracanã, por causa de obras relacionadas à Copa de 2014. Porém, o descaso com o povo indígena está presente não só na Cidade, dita, Maravilhosa, mas no país inteiro.
A questão indígena voltou à tona por causa da decisão da justiça brasileira, no dia 29 de setembro deste ano, de obrigar um grupo de centenas de indígenas do povo Guarani-Kaiowá a deixar uma área de fazendas em Iguatemi, Mato Grosso do Sul. Na verdade, veio à tona não por causa da decisão da justiça, mas por causa da reação dos índios: enviaram no dia 8 de outubro uma carta ao conselho Aty Guasu (Assembleia dos Guarani-Kaiowás) em que manifestavam seu desejo de morte frente ao veredito do governo; não sairiam daquela terra nem vivos, nem mortos. A carta percorreu viralmente as redes sociais e muitos a interpretaram como o anúncio de um suicídio coletivo. Coincidentemente, logo depois desse episódio, surgiu a situação da Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, e o assunto “índios” continuou preenchendo o noticiário da grande mídia (embora, diga-se de passagem, a cobertura não receba o destaque merecido) e das redes sociais. Os últimos episódios, no entanto, são apenas a ponta do iceberg. O descaso com as populações indígenas, como ressalta a frase de efeito, não é de agora, nem da época do descobrimento. Persiste ininterruptamente durante todos esses anos.
Nas praias de Pindorama
Antes da chegada dos europeus em solo onde hoje a denominada República Federativa do Brasil estende seus braços, haveria cerca de 2 a 4 milhões de pessoas habitando este território. Estas mesmas pessoas, estavam divididas em uma miríade de grupos étnicos, com idiomas, mitos, formas de organização social e cosmologias próprias que se intercruzariam em densas redes de significado dando origem às mais diversas formas de se relacionar com o mundo, ou seja, as mais variadas formas de “ser” humano. Uma boa parte destes grupos culturais eram zelosos quanto à ideia de manter a autonomia de seus respectivos grupos, promovendo assim, constantes guerras entre si; também desconheciam certas noções de limites territoriais típicas do mundo moderno ocidental, bem como a ideia de Estado (além de desconhecerem o “Estado”, suas formas de organização social se opunham a própria ideia dessa instituição), e se relacionavam com a terra de maneira, muitas das vezes, oposta a dos colonizadores europeus.
Não demorou muito tempo para que, com a chegada dos europeus, uma grande onda genocida chegasse com toda a força nas praias de Pindorama e se estendesse pelo interior. Segundo o conhecido antropólogo Darcy Ribeiro, só na primeira metade do século XX teriam desaparecido cerca de 80 povos, e a população total caído de 1.000.000 para 200.000 pessoas. Entretanto, apesar do aumento da população indígena no Brasil – atualmente estima-se de acordo com o censo do IBGE de 2010 um total de cerca de 900.000 pessoas – esta onda genocida que desde o século XVI vem trazendo escravidão, conflitos armados, fome, expropriação, epidemias e etc, se estende até hoje. No entanto, são bem variáveis as formas como este genocídio, com a característica de ser constante, se processa no interior da história.
No período colonial são marcantes os processos de catequese instituídos pela Igreja, além das denominadas Entradas e Bandeiras, expedições coloniais pelo Sertão que tinham na maioria das vezes, como um dos principais intuitos, a escravização ou o literal extermínio de determinadas populações indígenas. Em contraposição a estas formas, já em um contexto de Ditadura Militar, como se pode esperar, é especialmente notável a mão do Estado permeando as políticas indigenistas, subordinando-as aos planos de defesa nacional, criação de estradas, mineração e etc., desta forma, havia a política de atração e pacificação – com toda nebulosidade que esta palavra acarreta – dos índios. A criação da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1967, acontece nesse período conturbado da história brasileira. Neste ínterim, caso a aproximação com aquelas pessoas não fosse bem sucedida, meios menos convencionais eram utilizados pelo próprio Estado para “pacificá-las” e seguir dando continuidade à implementação do “progresso” na região. Estes meios menos convencionais podem ser descritos como o possível massacre de aproximadamente 2.000 índios da etnia Waimiri-Atroari que estão sendo investigados pela Comissão da Verdade, o que quintuplicaria as vítimas da Ditadura.
Logicamente, processo ao qual estamos chamando de genocídio constante das populações indígenas ao longo do tempo por parte de quem detém o monopólio do poder local, permanece em sua extensão nos dias de hoje no país. A carta dos Guarani-Kaiowás após uma ordem de despejo por parte do Governo Federal viabilizada por pressões de latifundiários e ruralistas, é um exemplo disso. O trecho crucial da carta dizia:
“Comemos comida uma vez por dia. Passamos isso dia-a-dia para recuperar o nosso território antigo Pyelito Kue/Mbarakay. De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários os nossos avôs e avós, bisavôs e bisavós, ali estão os cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos o decreto da nossa morte coletiva e para nos enterrar aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais.
Já aguardamos esta decisão. Assim, se é para decretar a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay pedimos que nos enterrem todos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos desse local com vida e nem mortos. Sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo de modo acelerado.”
Este clamor, independente de qualquer tipo de controvérsia quanto à ameaça de um suicídio coletivo (o suicídio é uma prática constante entre estes índios, principalmente entre os jovens) ou de uma resistência até a morte, é o resultado de uma tentativa de se transcrever de forma inteligível o sentimento de um grupo em relação à situação caótica em que vivem e a completa descrença em relação ao poder público que os deveria representar. Após vários anos de promoção, por parte dos donos de terra na região, de constantes assassinatos, espancamentos, estupros, expropriação de terras, a total evaporação do direito de ir e vir na região devido a ameaças de fazendeiros e os rotineiros suicídios – de acordo com a UNICEF (The United Nations Children’s Fund) uma das maiores taxas do mundo em proporção ao número de pessoas – devido a não visualização por parte dos indígenas de um futuro que trouxesse esperança, os Guarani-Kaiowá tomam esta decisão desesperada, demonstrando a total desesperança em relação ao governo. Após o grande alarde que a situação causou tanto a nível nacional quanto internacional, graças a algumas agências missionárias na região – como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) – e a organizações científicas – como a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) -, a Justiça brasileira se colocou em favor da demarcação das terras dos Guarani-Kaiowá naquela região e a Funai iniciou o levantamento no dia 5 de novembro.
Entretanto, a problemática em que temos a pretensão de nos ater neste mundo da questão indígena no Brasil é sobre a Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro. O conflito se inaugura com a decisão do atual governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), de bater o martelo para a concessão do Maracanã à iniciativa privada em meio aos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 – apesar de terem sido gastos cerca de R$ 1,4 bilhão dos cofres públicos com o estádio desde 1999, segundo Gustavo Mehl, componente do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro. De brinde, veio um projeto do governo estadual de demolir as adjacências do estádio, que inclui o parque de atletismo Célio Barros, a Escola Municipal Friedenreich, o Complexo Júlio Delamare do Complexo do Maracanã e o prédio do antigo Museu do Índio – em torno do qual localiza-se a Aldeia Maracanã – para dar lugar a lojas, restaurantes e estacionamentos. O terreno, que pertencia à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), já foi comprado pelo governo do Estado por R$ 60 milhões.
Tal projeto causa no mínimo estranhamento. A começar porque até hoje o site oficial do Comitê Organizador do Rio 2016 coloca os dois complexos esportivos como locais oficiais de treinamento – além de prever uma reforma, entre setembro de 2014 a fevereiro de 2015, no Célio Barros. Em entrevista à Novo Mundo, o arquiteto e urbanista Roberto Anderson Magalhães apontou a incoerência do projeto de construção de um estacionamento: “Em todo lugar do mundo há o incentivo de uso de meios de transporte público nesses grandes eventos. Aqui estão incentivando o povo a usar carros?”.
O prédio do antigo Museu do índio foi doado à União pelo Duque de Saxe em 1865 para a criação de um centro de investigação cultural indígena. Em 1953, passa a sediar o Museu do índio, criado por Darcy Ribeiro, e foi abandonado pelo poder público a partir de 1977 com a transferência do museu para o bairro de Botafogo. O atual Museu do Índio diz que a situação da Aldeia Maracanã não tem a ver com eles, já que atuam somente na esfera de “projetos culturais” e não podem fazer nada relacionado à questão da terra.
Segundo o cacique da Aldeia Maracanã, Carlos Tukano, natural da terra indígena de Pari Cachoeira-AM, que chegou a trabalhar no atual Museu do Índio durante 10 anos (de 1997 à 2007), o terreno do prédio passou a lhes pertencer por direito de usucapião. Ele contou que a intenção do grupo em ter ocupado o local, em outubro de 2006, não foi só de morar, mas de fazer do local um ponto de hospitalidade para receber temporária ou permanentemente índios provenientes de outras etnias que estivessem passando pelo Rio. “Todas as instituições relacionadas aos índios na cidade são para estudos e pesquisas. Não há nenhum lugar para ficar.” Atualmente, a aldeia contém cerca de 20 pessoas, que por sua vez, se dividem em cerca de 8 povos diferentes (oriundos de regiões variadas do país e falantes de 6 famílias linguísticas diversas). São eles: Apurinã, Fulni-ô, Guajajara, Guarani, Pankararu, Pataxó, Puri e Tukano.
É interessante ressaltar que a característica multiétnica da aldeia, torna possível a construção de um recente imaginário social entre os índios, que se revela na ideia de uma comunidade una e indivisível, que se origina a partir de uma situação crítica vivida em comum, que por sua vez dá origem a determinados objetivos em comum, perpassando qualquer diferenciação étnica. Desta forma, rituais, mitos, práticas e cosmologias, muitas das vezes diferenciados, se unem tendo como intuito a afirmação desta união em meio a povos diversos entre si. Esta espécie de “microconfederação” de etnias que corresponde a Aldeia Maracanã é o símbolo de uma reconfiguração da ideia em que os grupos indígenas brasileiros em geral têm uma tendência a ser zelosos quanto à preservação da autonomia do grupo ao qual pertencem, daí a explicação da belicosidade entre as etnias em um passado não muito distante, geralmente com o intuito de manter o processo de centrifugação das mesmas, ou seja, distanciarem-se tendo em vista esta autonomia. Pois, a partir de uma situação real de conflito e angústias compartilhadas, cria-se um modus vivendicompatível com o objetivo comum de todas aquelas etnias, que é a luta pela causa indígena de forma geral. Outro objetivo da permanência no local, segundo Tukano, era criar um Centro Cultural Indígena, que tivesse o papel de museu vivo, aberto à sociedade para visitação e conhecimento dos seus costumes e tradições. Hoje em dia, na aldeia são realizados eventos com danças, produção de comidas típicas, contação de histórias, pinturas corporais, além de serem ministradas aulas de tupi-guarani.
O índio amazonense Michael Oliveira, descendente dos clãs Baré e Manaú, do povo Aruaque, reforça essa ideia. Ele disse que o índio só vai conseguir sua emancipação através da educação. “Se nós mesmos não falarmos, não ensinarmos nossa cultura, ninguém vai fazer.” Estudante do 8° período do curso de História na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), com especialização em Arqueologia, ele contou à Novo Mundo que resolveu estudar para resgatar a ancestralidade perdida, pois sua cultura não deixou nada escrito, só há vestígios arqueológicos. Nascido na periferia de Manaus, Baré (como Michael costuma ser chamado por causa do seu clã), achava muito irônico quando lhe diziam que ele não era mais índio porque morava na cidade: “Mas a cidade foi construída em cima da nossa aldeia! Eu nasci no lugar da minha aldeia, só que já não era mais aldeia”, era Manaus. Hoje ele estagia no Colégio de Aplicação da UERJ (CAP-UERJ), no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ) e em uma escola particular de freiras, o Colégio Nossa Senhora da Misericórdia , dando aulas de História e Educação Indígena. “Antigamente você tinha que abrir mão da sua etnia para entrar na cidade. Por causa de discriminação, muitos índios têm medo e vergonha de se assumir índios. É a chamada autofobia”, explicou. “Hoje sabemos que podemos assimilar essa cultura, mas preservando a nossa”.
Segundo Tukano, ainda não houve diálogo direto com o governo. “A Secretária de Esporte e Lazer disse que se manifestaria na hora certa, mas eu até agora não sei que hora é essa”. O projeto de reforma dos arredores do Maracanã não traz nenhum destino para a aldeia. Em declarações no mês passado, o governador Sérgio Cabral falou que os índios não eram problema dele (com relação a um destino alternativo para a aldeia, caso o prédio seja de fato demolido), mas da Funai. E declarou: “O Museu do Índio, perto do Maracanã, será demolido. Vai virar uma área de mobilidade e de circulação de pessoas. É uma exigência da Fifa e do Comitê Organizador Local. Viva a democracia, mas o prédio não tem qualquer valor histórico, não é tombado por ninguém. Vamos derrubar”. Porém, em resposta à Agência Brasil, o departamento de imprensa da entidade informou que “a Fifa sempre apoiou todos os esforços do governo brasileiro no sentido de facilitar o acesso das populações indígenas à Copa do Mundo da FIFA 2014” e que “nunca fez tal pedido para demolir o Museu do Índio no Rio de Janeiro.” A Fifa também reforçou a importância de se construir ou reformar os estádios e instalações “de acordo com o interesse local a longo prazo, onde os direitos humanos e o Estado de Direito precisam ser respeitados, inclusive os conceitos de justiça social e equidade”.
Apesar das declarações da Fifa uma das justificativas que Cabral continua dando para o projeto é a necessidade de escoamento das pessoas do estádio. O antropólogo Mércio Gomes, ex-presidente da Funai (período de 2003 a 2007, a convite do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) conviveu e trabalhou com Darcy Ribeiro, quando este ainda trabalhava no antigo Museu do Índio. Ele afirmou que o escoamento dos torcedores nunca foi um problema e relembrou que Darcy ouvia as milhares de pessoas saindo do estádio, passando ao lado do prédio, quando nem havia muros ainda. Segundo o defensor público federal, Daniel Macedo, isso já foi, inclusive, comprovado por engenheiros: “O que está por trás disso, objetivamente, é o capitalismo voraz, sintetizado na construção de um shopping e de um estacionamento. Já foi comprovado que não atrapalha a mobilidade em nada. E além disso a lotação vai encolher”. De fato, o Maracanã que já comportou 173 mil pessoas (fontes não oficiais contabilizaram mais de 200 mil pessoas na Copa de 1950), terá sua capacidade reduzida para 76 mil com a reforma.
O presidente do Conselho Nacional dos Direitos Indígenas (CNDI), Arão da Providência Guajajara, afirmou, assim como Tukano, que até agora ninguém do governo veio até eles falar nada sobre o processo de venda do terreno, nem propor nada. “Que articulação é essa que está acontecendo que a gente não está sabendo?” Ele é patrocinador de ACP em nome da CDH-OAB-RJ, em tramitação na 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que reivindica a manutenção do imóvel do antigo Museu do Índio do Maracanã como Patrimônio Indígena. Uma das maiores críticas de Guajajara é a falta de transparência no processo de venda do terreno. “Essa discussão não está acontecendo nas instituições que nos representam, nem no judiciário, nem no legislativo, nem no executivo, está acontecendo em outro lugar. Onde é? Sugiro que procurem na Loja Maçônica então”, ironizou o advogado frente à ausência de clareza nas negociações que dizem respeito ao Maracanã. Ausência também na questão indígena envolvida: “as autoridades deviam estar aqui, não somente nós e a imprensa”.
Os índios temem uma ação truculenta do Estado. Sua ocupação no prédio, abandonado desde 1978, nunca incomodou ninguém. Agora, com a onda de grandeza que acompanha os eventos mundiais da Copa e das Olimpíadas no país, “tudo quanto é projeto está saindo da gaveta”, disse Roberto Anderson Magalhães. A ideia de “arrasa quarteirão”, que vigorou em outras épocas, como na década de 50, quando demoliram todo o entorno dos Arcos da Lapa, havia acabado, mas segundo o urbanista agora está voltando por causa da Copa. “É essa ideia de Brasil grande”, criticou. O defensor público federal, Daniel Macedo, assegurou: “Invadir aqui, tirando as famílias à noite, seria de uma inconstitucionalidade cristalina”. Mesmo com a venda do terreno e a cassação da liminar que proibia a demolição do prédio (apesar de haver um decreto do município que proíbe a demolição de qualquer edificação construída antes de 1937), Arão Guajajara afirmou que é necessário que haja pelo menos um aviso prévio de despejo. O advogado demonstrou preocupação em relação à Aldeia Maracanã e de uma possível violação da Constituição brasileira: “Quem quis se candidatar para prefeito e governador sabia que a nossa Constituição era assim, com princípios éticos, morais e sociais. Ninguém aqui elegeu prefeito, governador ou vereador para violar a Constituição”, enfatizou o advogado.
(Re)conhecendo a existência dos índios.
Como foi demonstrado, é real a nitidez de dois motores que impulsionam esta ação literalmente genocida, sem vestígios de trégua, na história nacional. São eles: a lógica do interesse, que atualmente segue a conhecida cartilha do Capital; e a falta de consciência de boa parte da sociedade – o que dá margem para uma incompreensão – do fato da existência do índio como sujeito atual participante de uma mesma sociedade ao qual também estamos inseridos. Por sua vez, o Estado, logicamente, reflete estas duas lógicas na forma de implementação das políticas públicas e nas reações em relação à própria questão indígena como um todo.
O primeiro motor, a lógica dos interesses, independentemente do período histórico no qual estas ações – em que classificamos ao longo do texto como constantes e de caráter genocida em relação aos indígenas – foram empreendidas, se revela no fato de que estes empreendimentos são em boa parte regidos pela lógica de interesses de Estado em relação à soberania do país, como fica claro no período ditatorial. Em segundo lugar, há o mais importante aspecto da questão, que é a égide dos interesses puramente econômicos. Eles são representados principalmente pela expansão do agronegócio sobre as terras indígenas, ou ainda os interesses de empresas privadas sobre determinados locais, como é o caso do estádio do Maracanã e, logicamente, da aldeia em sua adjacência, na tentativa de transformar seu entorno em espaços que se revertam, de alguma forma, em lucro para concessionários em meio ao boom da Copa. Todas estas formas de conflito social em que os índios são atores cruciais tem em comum a participação direta (Governo Militar, por exemplo) ou indireta do estado brasileiro ou das outras unidades da federação. Nestes termos, geralmente a máquina estatal se omite (sendo que a omissão neste caso é uma forma indireta de se colocar a favor dos grupos dominantes) ou se coloca a favor dos grupos detentores do poder local, sejam eles os grandes latifundiários do Mato Grosso do Sul, como é o caso situação dos Guarani-Kaiowás, ou ainda os empresários ávidos por uma participação na fatia do grande bolo que são os investimentos para a Copa do Mundo, como é o caso da situação das etnias representadas na Aldeia Maracanã. Para dar vazão a esta dinâmica dos interesses, é comum a violação dos direitos humanos mais básicos e demonstrações de truculência por parte dos envolvidos e, inclusive pelos governantes, como foi demonstrado em partes anteriores do texto.
Por fim, o segundo impulsionador das formas de ação ou para com os índios se revela na própria imagem ideal que temos deles, como sendo silvícolas congelados ainda no período do “descobrimento” (questionamos quando vemos um deles com roupas de “homem branco” ou usando um notebook) e à margem das movimentações que regem a sociedade moderna. Não vemos a questão indígena como uma luta que se liga a dimensões muito mais amplas da nossa turbulenta sociedade capitalista, mas sim a relegamos quase que a um mundo paralelo independente do nosso, e quando fazemos isso, o índio se torna simplesmente índio, em quanto nós somos a humanidade. Quando superarmos este tipo de consciência e compreensão do indígena e tudo que se refere a ele, integrando-o a nossa dimensão sobre o que é humanidade, é possível que comecemos a viver em um mundo menos injusto, e o fato de ser indígena no Brasil significará uma esperança de futuro e não a ausência deste.
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Compartilhado por Rafael Santos.
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Excelente artigo. Vamos divulgar.