ONG chinesa All Girls Allowed denuncia ocorrência de abortos seletivos

"No geral, a comunidade internacional tem se silenciado a respeito dessa política ultrajante por razões econômicas e geopolíticas" Harry Wu, diretor executivo da Fundação de Pesquisa Laogai, em Washington

Paloma Oliveto

A política do filho único também é rechaçada por ativistas de direitos humanos porque casais que ousam desafiá-la são expostos a altas multas e, em muitos casos, a abortos forçados. Segundo a ONG All Girls Allowed, fundada pela dissidente chinesa Chai Ling, em 2008 foram abortados 13 milhões de fetos, um número que pode estar subestimado. Além disso, em uma sociedade que ainda desvaloriza o gênero feminino, a proibição de ter mais de dois filhos leva mulheres a abortar quando descobrem que estão grávidas de meninas. Não à toa, há 37 milhões mais homens do que mulheres no país. “Esse desbalanço de gênero tem levado à escravidão sexual através das fronteiras internacionais”, denuncia Reggie Littlejohn, presidente da organização Direitos das Mulheres Sem Fronteiras.

Para ela, os planos de permitir um segundo filho em 2015 não vão alterar uma situação que considera brutal e totalitária. “Primeiro, mesmo com um limite de duas crianças, mulheres que engravidarem sem permissão podem correr o risco do aborto forçado. Segundo, instituir uma política de dois filhos não acaba com o genocídio de gênero”, diz. Littlejohn afirma que, na verdade, os locais onde duas crianças são atualmente permitidas (normalmente, áreas rurais), são os mais vulneráveis à seleção de sexo.

Silêncio

A ativista cita um estudo publicado em 2009 no British Medical Journal, com dados do censo de 2005. A pesquisa mostrou que em nove províncias onde é possível ter dois filhos, os casais continuam fazendo abortos seletivos quando a criança primogênita é do sexo feminino. Nesses locais, o gênero do segundo filho costuma ser masculino: para cada 160 meninos, nascem 100 meninas. Em duas províncias, Jiangsu e Anhui, o número de meninos era o praticamente o dobro.

“No geral, a comunidade internacional tem se silenciado a respeito dessa política ultrajante por razões econômicas e geopolíticas”, acredita o dissidente Harry Wu, que ficou detido por 19 anos em campos de trabalhos forçados da China, os chamados laogai. “À medida que a participação econômica da China continua a aumentar no mundo, países estrangeiros também estão cada vez mais relutantes em lançar essa questão em seus encontros com os ditadores chineses, ainda que milhares de milhões de crianças morram por ano como resultado do aborto forçado”, diz. “Nenhum outro país no mundo tentou impulsionar o crescimento econômico a um preço humano tão alto. Nenhuma porção de crescimento pode compensar a perda de vidas preciosas. O argumento de que a política obrigatória de um filho é benéfica para o crescimento econômico não é só ridículo, mas desumano”, completa.

Entrevista // Reggie Littlejohn, presidente e fundadora da ONG Direitos das Mulheres sem Fronteiras

Presidente e fundadora da ONG Direitos das Mulheres sem Fronteiras, Reggie Littlejohn é conhecida por liderar os esforços internacionais para a libertação do ativista cego Chen Cuangcheng, que chegou aos Estados Unidos em maio do ano passado. Especialista na política chinesa do filho único, ela já discursou sobre o assunto diversas vezes no Congresso dos Estados Unidos e nos parlamentos Europeu, Britânico e Irlandês. Graduada pela Faculdade de Direito de Yale, Littlejohn representa refugiados políticos nos pedidos de asilo. 

Qual o impacto da política do filho único nas novas gerações? 
Em alguns casos, o filho único é o foco do amor e da esperança de dois pais e quatro avós. Isso levou à “Síndrome do Pequeno Imperador”, na qual algumas crianças esperam ser sempre o centro das atenções e dos mimos. Em outros casos, essas crianças passaram por pressões tremendas para vencer na vida, já que são as únicas sobreviventes de duas linhagens familiares.

A China é a segunda maior economia mundia. A senhora acredita que, por isso, líderes internacionais fechem os olhos para a questão das violações dos direitos humanos, ou isso deveria ser uma questão tratada apenas internamente?
Eu acredito que os direitos humanos devem ser sempre a principal preocupação da política internacional e não deveriam perder lugar para a economia. As pessoas da China estão sofrendo sob um regime brutal e totalitário que força abortos em mulheres com até nove meses de gravidez. Nós, que desfrutamos da liberdade, não podemos nos silenciar. Eu discordo com a alegação do Partido Comunista Chinês de que a implementação da política do filho único é um assunto interno. O generocídio (o abordo seletivo de meninas) cometido sob a política do filho único criou uma situação na qual há 37 milhões mais homens do que mulheres vivendo na China de hoje. Esse desbalanço de gênero está levando à escravidão sexual através das fronteiras internacionais. Essa é uma questão internacional.

O que geralmente acontece com casais que se recusam a abortar seus filhos?
A política do filho único não é executada uniformemente, então pais que engravidam sem uma “permissão de nascimento” e que se recusam a abortar podem ter de pagar uma multa alta em alguma parte do país; mas em outras áreas, podem ser sujeitos ao aborto forçado. Algumas mulheres se escondem, mas quando dão à luz bebês não autorizados, elas se veem diante da escolha de tanto pagar uma multa catastrófica quanto esconder o bebê. Se escondida, a criança não existirá oficialmente e, portanto, não terá acesso à educação e à saúde.

Como as organizações não-governamentais como a Direitos das Mulheres sem Fronteiras ajudam as mulheres chinesas? 
A Direitos das Mulheres sem Fronteiras está diretamente salvando vidas na China, por meio da campanha “Save a Girl” (“Salve uma menina”). Nós temos uma rede de contato na China que identifica mães que estão grávidas de meninas e planejam abortá-las, ou acabaram de dar à luz meninas e estão sendo pressionadas para abandoná-las no campo, para morrerem. Contatamos as mães e oferecemos a elas um suporte mensal para ajudá-las a manter os bebês. Os leitores podem salvar vidas na China, ao doar para a campanha (http://womensrightswithoutfrontiers.org/index.php?nav=end-gendercide-and-forced-abortion).

Algumas pessoas alegam que a política do filho único tem algumas vantagens e ajudou o país a alcançar o crescimento econômico. O que a senhora acha disso?
O Partido Comunista Chinês instituiu a política do filho único originalmente para impulsionar o crescimento econômico, mas causou outro problema intratável: a China tem uma grande e crescentemente população em envelhecimento, sem ter uma população jovem para suportá-la. A China vai envelhecer antes de ficar rica — uma sentença de morte a longo tempo.

No ano passado, a imprensa chinesa afirmou que o governo planeja encerrar a política do filho único em 2015. A senhora acredita que isso vá acontecer?
Um think tank ligado ao governo recomendou o “fim” da política do filho único ao instituir uma política de duas crianças em 2015. Mas instituir uma política de dois filhos não vai corrigir os problemas. Primeiro, mesmo com um limite de dois filhos, mulheres que ficarem grávidas sem permissão podem sofrer risco de aborto forçado. Segundo, instituir essa política não vai acabar com o gênerocídio. De fato, áreas nas quais é permitido atualmente duas crianças são especialmente vulneráveis ao generocído. De acordo com um estudo publicado em 2009 no British Medical Journal, com dados no censo nacional de 2005, em nove províncias chinesas, para cada segundo nascimento em famílias onde a primeira criança é uma menina, nascem 160 meninos para cada 100 meninas. Em duas províncias, Jiangsu e Anhui, há 190 meninos para cada 100 meninas nascidas.

http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e-saude/2013/01/11/interna_ciencia_saude,343545/ong-chinesa-all-girls-allowed-denuncia-ocorrencia-de-abortos-seletivos.shtml#.UO_3cp5uJHI.gmail

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

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