Bernardo Joffily
A Insurreição dos malês de 1835 coroou todo um ciclo de revolta de escravos na Bahia, desde 1807. Naquele tempo, Salvador e o Recôncavo concentravam os escravos da África Ocidental: hassuás, nagôs, jejes, tapas, mandingas. Eram muçulmanos cultos, alfabetizados. “Malê”, em hassuá, quer dizer “professor”. A luta dos malês estava ligada aos quilombos da região ( Cabula, Urubu, Rio Vermelho), mas tinha um objetivo mais avançado. Em vez de apenas fugir da escravidão, tentou tomar o poder politico e vencer o sistema escravista. Muitos levantes fracassaram devido a divisões. Os escravizados de uma etnia africana se revoltavam, mas, sem apoio das outras, eram esmagados.
Em 1835, os malês aprenderam a lição. Uniram os cativos de diferentes origens éticas, das cidades, do eito nos engenhos, das armações da caça às baleias e das tripulações dos saveiros. Através dessas embarcações, criaram contatos em Santo Amaro, Cachoeira e possivelmente até Pernambuco. Tinham uma rede clandestina em Salvador e inclusive um caixa para financiar o movimento. Malês como o mestre Tomás alfabetizavam outros escravos, em árabe.
O plano era aproveitar a festa de Nossa Senhora da Ajuda, na igreja do Bonfim, para reunir uma coluna rebelde na Vitória. A coluna seguiria para Água de Meninos e Cabrito, buscando fazer ligação com as senzalas dos engenhos e rebelar toda a escravaria. Como tantos movimentos, o plano foi vítima de uma delação. O chefe de polícia, Francisco Gonçalves Martins, pôs seus soldados na rua. Na noite de 24 de janeiro, atacou a casa do líder malês Manuel Calafate.
O movimento se precipitou. Os rebeldes rechaçaram o ataque com espadas, lanças, espingardas e pistolas. Abriram caminho até Água de Meninos, mas ali foram massacrados, na madrugada do dia 25, pela cavalaria e infantaria do governador.
No total, as mortes subiram a 100. Os presos, escravos e libertos, somaram 281. O castigo usual foi o açoite. Os escravistas temiam, sobretudo, a consciência dos cativos: trazer um papel escrito em árabe, mesmo um amuleto ou reza, passou a ser punido com pena de morte. Temerosos de novas revoltas, os senhores da Bahia passaram a vender seus cativos, muitas vezes para fazendeiros do Rio de Janeiro ou de São Paulo, famintos de carne humana para o eito do café.
O espírito rebelde dos malês se difundiu, Luiz Gama, filho de uma insurreta de 1835, a nagô Luísa Mahin, foi vendido na infância e fugiu aos 17 anos para se tornar o precursor do abolicionismo.
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