Vamos cantar Gil

por Maíra Irigaray*

Em 1978, um dos grandes ídolos do rock brasileiro, Renato Russo compôs a música “Que país é esse?”, quando ainda fazia parte do grupo Aborto Elétrico. O Brasil cantou com ele:

“(…) Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão
Que país é esse? (…)”

Dois anos depois, os estudos da Usina Kararaô, hoje conhecida como Belo Monte, começariam. 35 anos se passaram; Renato tinha razão. 2012 marcou a história de milhares de índios que vêm, através do tempo, sendo sufocados e massacrados de maneira cruel. Quem acompanhou os Guarani-Kaiowá e sua luta pela terra; o assassinato do parente Munduruku; ou a luta por um Xingu livre sabe do que falo.

2012 se foi e com ele deixando marcas inesquecíveis; muitas vezes tristes; outras tantas boa. Para mim foi um ano de resistência e de luta; um ano de ocupações; um ano onde o povo disse junto: BASTA! Foi o ano em que lutei ao lado dos Mundurukus, dos Xikrin, dos Arara, dos Xipaia, Curuaia, Kayapó. O ano em que vi o Xingu correr novamente livre em Santo Antônio, pelas mãos surradas dos inúmeros guerreiros que juntos abriram, na marra, a vala que traria nova fé ao povo que tanto sofre. O ano em que meti meu dedo enxerido na cara da Ministra do Meio Ambiente; o ano em que saí pelas ruas para pedir por Justiça; o ano em que dormi no relento, na floresta, na ensecadeira, no chão, nas inúmeras embarcações que me levaram de um lado a outro; e muitas vezes, que simplesmente não dormi…

2012 foi o ano em que eu chorei, aos testemunhar cada relato, cada história, cada abraço, que fica marcado e cravado no peito como um lembrete diário de que por essas pessoas eu não posso desistir. E quantas pessoas desistem e desistiram. Me dizem que já não vale mais a pena lutar; que a barragem vai sair; que o empréstimo foi aprovado; que não há mais nada que possa ser feito. Para essas pessoas eu digo BASTA! A luta pelo justo não acaba porque o ano acabou; ou porque perdemos uma batalha… O justo é o justo e sempre será o justo. Não importa o dia, a hora, o mês ou ano porque todo dia é dia de fazer correto; de fazer melhor.

Sim; estão fechando o Xingu e em breve a Norte Energia terá vendido todas as almas indígenas em um leilão. Para o governo Dilma; fica marcado um ano de massacres; mentiras e retrocesso ambiental. Um ano de desrespeito e injustiça social.

2013 começa com outra perspectiva. Estamos escrevendo a triste história onde os índios do Brasil estarão vivos apenas nos livros e nas canções da velha guarda. São milhares de projetos desenvolvimentistas desenhados para o Brasil que são baseados na exploração da Mãe Terra; no assassinato dos rios amazônicos que são as veias do nosso país. Projetos que desconsideram nossa história, cultura e nossos povos tradicionais, que através dos milênios, cuidaram e cuidam do meio ambiente que serve para todos nós. E apesar disso, eu não vou deixar de lutar; não vou deixar de resistir; não deixarei de amar aquele que me banhou e lavou tantas vezes minhas mágoas; me trouxe alegria, paz, confiança e fé. Quem nadou no Xingu livre sabe a que me refiro. O meu suor não foi nada perto da oportunidade e do presente que recebi, de poder conhecer o Xingu e seus povos; de poder fazer parte da sua história; de poder testemunhar o poder do amor, da amizade, da fé e da união de um povo. Minha gratidão a este povo é indescritível. Em meu coração e em minha memória o Rio Xingu e seu povo permanecerá sempre intacto. É meu dever lembrá-lo assim e contar suas histórias e falar de suas belezas. E que belezas…

O Brasil ainda pode cantar Gil “e viva o índio do Xingu”! O Brasil ainda pode despertar para um futuro sustentável. Nunca é tarde para mudar a história; corrigir os erros e fazer diferente. Acorda Brasil! Vamos cantar Gil!

*Maíra Irigaray é advogada Internacional de Direitos Humanos e Meio Ambiente. Mestre em Direito Comparado pela Universidade da Florida. Atualmente Coordenadora de Campanha de reforma das Instituições Financeiras Internacionais para a Amazon Watch e Coordenadora da Frente “Bancos” para o Movimento Xingu Vivo para Sempre.

Compartilhada por Andrei Danilo Guarani Kayowá.

http://www.ecoreserva.com.br/eco-news/colunistas/688-vamos-cantar-gil

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