Conjuntura da Semana Especial. 2012: Um ano de retrocessos e permanências na agenda ambiental, social, econômica e política

O Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos –IHU e Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, colaborador do IHU, ao longo de 2010 produziram análises da conjuntura semanais a partir da (re)leitura das “Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU e da revista IHU On-Line publicada semanalmente. Como fecho do trabalho desse ano, apresentamos uma Conjuntura Especial que retoma os grandes conteúdos abordados pelas conjunturas semanais no ano de 2012. Eis a análise.

O ano de 2012 foi regressivo quando olhado sob a perspectiva dos movimentos sociais. Na área socioambiental, econômica e política a agenda se fez mais de permanências e retrocessos do que avanços.

Balanço socioambiental

Agendas ambiental e indígena sofrem retrocessos em 2012

O descaso com que o governo tratou, em 2012, a agenda socioambiental, é prova contundente de que o país se coloca de costas para a problemática e caminha na contramão do debate mundial. Aos poucos vai se sedimentando a percepção de que o governo brasileiro, apesar da retórica quando fala de temas relacionados ao meio ambiente, não percebe – ou não quer perceber – que é um dos poucos países que poderia oferecer uma alternativa à crise civilizacional, que tem na mudança climática um dos seus fatores preponderantes.

No debate ambiental o governo não pecou por omissão. Foi ainda mais grave. Foi conivente, negligente e leniente com o retalhamento dos temas que envolvem a agenda ambiental e indígena. O governo tratou o tema como um aborrecimento que lhe cria problemas e divide a sua base de apoio político. Há sinais evidentes de que se experimentou nesta área retrocessos injustificáveis para um país com as potencialidades do Brasil.

Na agenda do governo, os temas prioritários foram os econômicos e sociais. Os problemas ambientais e indígenas foram laterais, secundários. Estorvos que vira e mexe voltam à tona e que precisavam ser administrados para se evitar maiores danos à base política. Eventuais recuos do governo em relação ao atropelamento da agenda ambiental e indígena apenas se deram quando houve forte pressão do movimento social e ambientalista ou devido ao mal-estar junto à comunidade internacional.

As agendas ambiental e indígena não foram estratégicas no governo Dilma Rousseff e não se inserem no seu projeto de Nação. Não se viu, por parte do governo, iniciativas ousadas nessas áreas. Pelo contrário, a agenda governamental é reativa e subordinada aos setores conservadores, como se viu em questões como o Código Florestal, a matriz energética e mineral, a transposição do Rio São Francisco e a agenda indígena, entre outros.

Entretanto, esse modus operandi do governo – mas também em muitos casos do Estado – não está dissociado das tendências atuais do capitalismo no mundo, sedento de recursos naturais e de commodities, razão pela qual, aliás, toda a América Latina volta a figurar no cenário mundial como grande – e último? – “reservatório e fornecedor de recursos naturais” sobre o qual empresas multinacionais se lançam qual abutres sobre a carniça.

O Brasil participa desta expansão capitalista através do modelo neodesenvolvimentista. As bases do modelo neodesenvolvimentista se fazem a partir da recuperação do papel do Estado como indutor do crescimento econômico. Um Estado que alavanca a infraestrutura para assentar as cadeias produtivas do capital privado.

Uma das pontas de lança do modelo em curso é a hiperexploração de uma das últimas fronteiras do país: aAmazônia legal. A região já foi palco de um primeiro ciclo de exploração, nos anos 70, a partir da tese da geopolítica de segurança dos militares que decidiram ocupá-la com o projeto de transferência de populações para a região. O ciclo desenvolvimentista em curso na região nesse momento, entretanto, é incomparavelmente maior e o aumento da violência e dos impactos ambientais e sociais na região está relacionado a essa nova dinâmica.

Ainda mais grave, e na raiz da tensão dos acontecimentos sociais e ambientais, está o fato de que o modelo de exploração é exógeno à região e implantado a custa das riquezas e populações locais. Os grandes projetos que chegam à região estão voltados para interesses externos. Por um lado, tem-se a exportação de madeira, da soja, da carne, de ferro-gusa e alumínio, sobretudo para países que não querem arcar com os custos socioambientais dessas atividades, que são pesados; por outro, e para viabilizar essa lógica econômica, tem-se os grandes investimentos em projetos de infraestrutura energética – hidrelétricas – e de apoio logístico – rodovias e hidrovias. A região presta-se ainda à expansão dos interesses do agronegócio – soja, etanol e pecuária.

Plataforma de exportação. É nisso que vem se transformando a Amazônia legal, uma região que produz commodities – primarização da economia – para outros países e para o consumo do Brasil desenvolvido, a região sudeste. É nesse contexto que se insere a construção de mega-hidrelétricas – Belo Monte, Complexo Madeira, Complexo Tapajós, abertura de rodovias e hidrovias, ampliação da exploração de madeira e minérios, expansão da pecuária e das monoculturas da soja e da cana-de-açúcar.

Na contramão, mas como constitutivo desse modelo, deu-se nos últimos anos um recrudescimento da violência na região amazônica brasileira sofrida por posseiros, mas também por indígenas. Esses fatos, aparentemente isolados, relacionam-se a partir da dinâmica expansionista do capitalismo brasileiro na região Norte do país e que tem a Amazônia legal como novo cenário.

Por essas razões, em março passado, diversas organizações da sociedade civil lançaram em São Paulo, em uma coletiva de imprensa, um documento para alertar a sociedade brasileira sobre os retrocessos que vêm sendo constatados na área socioambiental e estimular a reflexão para incentivar ações que revertam esse quadro.

A timidez e o retrocesso na agenda socioambiental tornam-se especialmente visível em alguns temas: Código Florestal, transposição do Rio São Francisco, matriz e política energética e no tratamento dado à questão indígena. Vejamos, embora sucintamente, cada um em particular.

Código Florestal: feito sob medida do agronegócio

A Reforma do Código Florestal mobilizou a agenda política e social brasileira ao longo dos últimos anos. As discussões em torno da reforma dividiram-se em dois grandes setores, com seus protagonistas e interesses: de um lado, setores ligados ao agronegócio e com presença retumbante no Congresso; de outro, o movimento ambientalista, parcelas do movimento social. Os primeiros defendiam uma maior liberdade sobre os recursos naturais, ao passo que os outros defendiam maior defesa da natureza. No meio, balançando ora mais para um lado ou para o outro, o governo. Entretanto, a balança pesou mais para o lado dos interesses dos ruralistas, bem articulados, mas também favorecidos por um governo titubeante e fraco na condução da reforma do Código Florestal. É verdade que a presidente Dilma fez vários vetos, mas não foi ao essencial. Os movimentos ambientalistas e sociais alimentaram, por alguns instantes, a esperança de que Dilma vetasse a íntegra do Código Florestal. Não o fez e assim aprovou uma legislação que promove a anistia de desmatadores e reduz a proteção ambiental.

Transposição do São Francisco: obra boa apenas para a indústria da seca

A transposição do São Francisco foi uma obra sonhada e defendida com teimosia por Lula e jogada no colo da Dilma, que não sabe exatamente o que fazer com essa “herança maldita”. Vários anos depois, ela é uma obra inacabada, mas que já entra para a história do Brasil como uma das mais caras do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). Já se coloca em dúvida se um dia a obra terminará e, ainda mais grave, vai se confirmando a denúncia da ineficácia da transposição para levar água aos que mais dela precisam.

Empreiteiras ávidas por mais recursos, obras paradas, cronograma adiado, problemas com licitações, aumento bilionário nos custos, canais rachados, túneis desabando, deslizamento de solo, empregos frustrados e caatinga devastada envolvem a transposição do Rio São Francisco.

A transposição voltou aos noticiários em 2012 pelo seu lado mais triste, isto é, pelo viés do escândalo em que se transformou. E assim vai se confirmando tudo o que os movimentos sociais, cientistas e especialistas diziam da obra: “A transposição do São Francisco é um erro”. Em se falando nisso, é impossível não se trazer presente toda a luta contra a transposição do São Francisco de dom Luiz Cappio, bispo de Barras (BA). Cappio, em seus dois jejuns, em 2005 e 2007, chamou a atenção para os equívocos da obra e profetizou que a mesma era um grande erro e que não seria concluída.

Em uma das entrevistas que concedeu à IHU, em 2008, dom Luiz Cappio afirmou que “a transposição não irá acontecer porque é mentirosa, antiética, antissocial, injusta e economicamente inaceitável”. Cappio dizia na oportunidade: “O projeto é socialmente injusto porque vai beneficiar um pequeno grupo, enquanto que projetos alternativos podem beneficiar quase toda a população do Nordeste do semi-árido. Ela é ecologicamente insustentável porque, enquanto o projeto de transposição agride a realidade do Rio São Francisco, os projetos alternativos são altamente sustentáveis. E a transposição é eticamente inaceitável porque é mentirosa, enquanto os projetos alternativos estão aí para poder atender as necessidades do povo”.

Em outra entrevista à IHU, em 2010, Cappio reafirmou: “O tempo mostra a verdade de todas as coisas e vai mostrar o significado da nossa luta”. E o tempo está dando “razão ao bispo”. Na época, sua atitude foi considerada uma loucura, pois se opunha ao “desenvolvimento” do país. Mas o bispo entrevia o que o governo não queria enxergar: que a obra era boa apenas para a indústria da seca e que, portanto, as promessas dos benefícios não chegariam aos mais necessitados, em nome dos quais a obra era defendida e empurrada goela abaixo a toda a sociedade. Além disso, o andamento das obras confirma as críticas do movimento social contrário ao projeto.

Matriz energética: de costas para o futuro

O mundo é cada vez mais voraz, sedento e insaciável por energia. Os países em todo o planeta perseguem obsessivamente o aumento da geração de energia para dar conta da crescente demanda da produção e do consumo. O Brasil não foge à regra e o tema da energia postou-se como um dos mais importantes na agenda brasileira nos últimos anos. Sem energia é o caos, o “apagão”, aliás, cuja sombra paira constantemente sobre o país.

A política desenvolvimentista brasileira caracteriza-se, em termos de matriz e política energética, pelo seguinte: a) subordinação da questão ecológica ao mito do crescimento econômico ilimitado; b) produção de energia para a produção de commodities de exportação; c) por uma matriz energética oligopólica, concentradora, com enormes impactos sociais e ambientais, num momento em que o mundo já dispõe de alternativas mais limpas e eficientes.

A “necessidade” de energia faz o Brasil avançar rumo à nova – e última? – fronteira energética, que é a Amazônia. Ela é o palco dos últimos e mais vultosos investimentos em hidroelétricas: Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira, Teles Pires, no Mato Grosso, Santa Isabel, no Araguaia, Belo Monte, no rio Xingu, e o Complexo Tapajós, este último ainda mais devastador ambientalmente que Belo Monte. Mas a lista continua.

Não se deve menosprezar o impacto ambiental e social destas obras, assim como as condições de trabalho existentes nestes canteiros de obras, que já resultaram em diversas revoltas e greves dos trabalhadores, especialmente em Jirau e Belo Monte.

No contexto desta expansão energética, uma pergunta feita com frequência é a seguinte: energia para quê e para quem? Ou ainda, com outras palavras, a quem se destina tanta energia? Há aqui uma parceria entre o setor energético e de extração mineral, uma vez que os processos de beneficiamento mineral são intensivos no consumo de energia. Primeiro chegam os consórcios de energia para em seguida se instalarem as mineradoras, que contam inclusive com tarifas subsidiadas de energia. Para ter uma noção do que isso representa, basta ver o seguinte: “Para produzir 432 mil toneladas de alumínio a Albrás, instalada em Barcarena, consumiu a mesma quantidade de energia elétrica das duas maiores cidades da Amazônia, Belém e Manaus. A empresa responde por 1,5% do consumo de eletricidade do Brasil com seus quase 200 milhões de habitantes. A energia de Tucuruí, que entrou em operação na década de 1980, ainda hoje é consumida prioritariamente pela Albrás e pela Alumar, em São Luiz, no Maranhão. E ambas pagam tarifas subsidiadas, diga-se de passagem”, escreve Juliana Malerba, da FASE do Rio.

Celio Bermann, professor da USP, traz outra informação: “se pegarmos a matriz de consumo setorial de energia elétrica no Brasil, praticamente 30% da energia é consumida pelos seis setores chamados de intensivos em energia. São eles: o cimento, a produção de aço, a produção de ferro-ligas (ligas a base de ferro), a produção dos metais não-ferrosos (principalmente, o alumínio primário), a produção de química e, finalmente, o setor de papel e celulose. Esses seis setores consomem 30% da energia produzida no Brasil”. Commodities que, em sua grande maioria, abastecem o mercado mundial.

Na análise da questão energética não se pode esquecer o Plano de Expansão Decenal de Energia 2021. O Plano é atualizado anualmente e prevê os rumos energéticos do Brasil para os próximos dez anos. O Plano Decenal anuncia forte continuidade em investimentos na área de energia fóssil – petróleo e gás – e em hidrelétricas. As novidades ficam por conta da revisão, na esteira do desastre de Fukushima, na área da energia nuclear – por ora segue apenas a conclusão de Angra 3 – e num incremento maior na energia eólica. Da energia solar sequer se fala.

O Plano, como se pode ver, é uma radiografia do modelo neodesenvolvimentista, mas de costas para o futuro energético. É tímido em energias limpas. A presidente Dilma, em abril passado, criticou as pessoas contrárias à construção das hidrelétricas na Amazônia dizendo que elas vivem num estado de “fantasia”. Segundo a presidenta, “ninguém numa conferência dessas [Rio+20] aceita, me desculpem, discutir a fantasia. Ela não tem espaço para a fantasia. Não estou falando da utopia, essa pode ter, estou falando da fantasia”, afirmou Dilma. Essa afirmação foi criticada por ser conservadora e pouco aberta às matrizes alternativas de energia já existentes no Brasil, como a eólica e a solar, principalmente.

Dentro de um padrão conservador, as exigências da economia por mais petróleo, carvão, gás, eletricidade, energia nuclear e biocombustível continuarão em expansão. Contudo, diante de recursos naturais que se mostram finitos, os países precisam ousar em novas alternativas de organização e produção de energia, mudando completamente de concepção e racionalidade sobre o que significa, hoje, consumir energia.

Pensando as novas possibilidades oferecidas pelos desdobramentos da revolução informacional e comunicacional (Internet), o economista estadunidense Jeremy Rifkin destaca as dimensões distributiva e colaborativa, forjadas por uma “tecnologia de comunicação revolucionária”, como eixos norteadores da relação entre as demandas do ser humano e as novas fontes de energia.  Diferente do modelo concentrador e centralizador dos grandes empreendimentos energéticos do século XX, caracterizados pelo autoritarismo e poder hierárquico, para Rifkin o “direito de acesso ao conhecimento, a relação paritária, a troca de informações e de música”, comuns na Internet, podem ser valores basilares para se pensar a produção e o consumo de energia na atualidade. Será na superação dos grandes oligopólios energéticos, por meio de fontes descentralizadas, que haverá uma democratização da energia, superando o sistema vertical, estabelecido até aqui, por um sistema horizontal na distribuição de energia.

Ao contrário das velhas e depredadoras matrizes energéticas, segundo Rifkin, “a energia renovável distributiva é encontrada em qualquer metro quadrado do mundo. Vem do sol, do vento, do calor debaixo do solo, do lixo, dos compostos orgânicos gerados pelos processos agrícolas, das marés e das ondas do mar”. Tudo isto acarreta uma verdadeira revolução na forma de concebê-la e utilizá-la, provocando uma quebra de paradigmas.

Nesta linha, chamamos a atenção para a Campanha Nacional pela Produção e Uso da Energia Solar Descentralizada lançada pelo Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Ambiental (www.fmclimaticas.org.br), que reivindica que haja subsídios e financiamento para os consumidores adquirirem seus geradores fotovoltaicos, e que em certos casos os equipamentos sejam fornecidos a custo zero.

“A geração distribuída (também conhecida como ‘descentralizada’) caracteriza-se como a produção de eletricidade próxima ao consumo, dispensando a linha de transmissão e os complexos sistemas de distribuição para atender ao consumidor final. Trata-se de uma forma de geração que já foi bastante utilizada até o final da década de 40 do século passado. Mas que depois foi substituída pela geração centralizada, com a construção de usinas de grande porte distantes do consumidor final. A geração descentralizada representa uma possibilidade concreta para colaborar com a redução da curva de carga, reduzindo o consumo em horários de pico; e diminuindo a necessidade de investimentos na geração, transmissão e distribuição do sistema elétrico integrado brasileiro”, escreve Heitor Scalambrini Costa, professor associado da Univ. Fed. de Pernambuco, graduado em Física pela UNICAMP e doutor em Energética na Univ. de Marselha/Comissariado de Energia Atômica-França.

É preciso, portanto, romper com as concepções conservadoras, o que não deixa de ser também um desafio para a esquerda e os movimentos sociais.

Brasil vive nova “corrida do ouro”

“O Brasil vive uma nova ‘corrida do ouro’, silenciosa e oculta da opinião pública, mas intensa ao ponto de fazer a atividade mineradora saltar de modestos 1,6 % para expressivos 4,1% do PIB em só dez anos”. A espantosa constatação é da Marina Silva, do Meio Ambiente no Governo Lula.

O cenário desta nova corrida por minérios não é mais o Brasil “velho”, litorâneo, mas a Amazônia, o novo El Dorado, a última fronteira do capitalismo. É para essa região, distante dos olhos e do coração da maioria dos brasileiros, que se voltam as atenções das grandes corporações extrativistas. Por quê? Porque, de novo segundo a Marina Silva, “tudo indica que o conhecimento do potencial mineral só é segredo para a população; os ‘investidores’ têm o mapa da mina há tempos”.

Há diversos movimentos (quase sempre subterrâneos para quem está do lado de cá) indicando que há algo de novo no front. Entretanto, não se trata de movimentos isolados, mas muito bem orquestrados, envolvendo os interesses das grandes mineradoras de capital transnacional e do Estado, contra os interesses dos povos indígenas e ribeirinhos e à custa da degradação ambiental. O “interesse nacional” está acima dos interesses particulares, o que neste caso significa corroborar o modelo neodesenvolvimentista que vem sendo implantado em nosso país nos últimos anos.

A produção mineral só do Estado do Pará passou em apenas uma década de quase 4 bilhões de reais para 25 bilhões de reais, em 2011. Inúmeras frentes de extrativismo mineral surgiram na Amazônia apenas na última década. Na esteira desse movimento, assombra, pelo gigantesco do projeto, a chegada de uma das maiores minerados do mundo, a Belo Sun Mineração, subsidiária brasileira da Belo Sun Mining Corporation, que pertence ao grupo canadense Forbes & Manhattan Inc., cujos meandros e impactos foram analisados na Conjuntura da Semana de 24 de setembro passado. O projeto será instalado na Volta Grande do Rio Xingu, próximo à hidroelétrica de Belo Monte, cujo investimento é de US$ 1,076 bilhão para a extração e o beneficiamento de ouro.

Indígenas: estorvo ou nova concepção de mundo?

A problemática indígena faz interface com o modelo de desenvolvimento implantado no Brasil, com a expansão sobre a Amazônia Legal, com o tema da energia e mineração, entre outros. Os interesses expansionistas e extrativistas, assim como aqueles do agronegócio, entraram em choque com o estilo de vida e as necessidades dos povos indígenas em diversas partes do Brasil. Em decorrência, os conflitos envolvendo terras indígenas recrudesceram. Particularmente preocupante é a situação dos índios Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul.

Também na questão indígena houve retrocessos significativos em 2012. Apontamos alguns:

– PEC 215: Projeto de emenda constitucional que propõe transferir do Poder Executivo para o Congresso Nacional a demarcação e homologação de terras indígenas e quilombolas, além de rever os territórios com processo fundiário e antropológico encerrado e publicado. Caso aprovado significa o fim da demarcação das terras indígenas e quilombolas que se arrastam há mais de uma década. Segundo a Constituição de 1988, o processo de demarcação das terras indígenas no país deveria ter sido terminado em 1993. Até agora nada foi feito.

– Portaria 303 da AGU: A Portaria é publicada três anos depois do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que homologou a demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol em área contínua, para regulamentar a atuação de advogados e procuradores em processos judiciais que envolvem áreas indígenas em todo o país. Na prática, a portaria coloca em vigor as 19 condicionantes pelo STF definidas para demarcação e direito de uso de terras indígenas na época do julgamento. Entre os pontos polêmicos da portaria, estão a proibição da ampliação de terras indígenas já demarcadas e a garantia de participação de estados e municípios em todas as etapas do processo de demarcação.

A Portaria 303 proíbe a comercialização ou arrendamento de qualquer parte de terra indígena que possa restringir o pleno exercício do usufruto e da posse direta pelas comunidades indígenas, veda o garimpo, a mineração e o aproveitamento hídrico pelos índios e impede a cobrança, pelos índios, de qualquer taxa ou exigência para utilização de estradas, linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que estejam dentro das áreas demarcadas.

Entretanto, há uma condicionante, a de número 17, muito preocupante. A portaria também confirma o entendimento doSTF de que os direitos dos índios sobre as terras não se sobrepõem aos interesses da política de defesa nacional, ficando garantida a entrada e instalação de bases, unidades e postos militares no interior das reservas. A expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas e de “riquezas de cunho estratégico para o país” também não dependerão de consentimento das comunidades que vivem nas TIs afetadas, de acordo com as regras. Ou seja, se colocada em prática, significa porteira aberta para os interesses do agronegócio.

– Medida Provisória nº 558: Diminui áreas protegidas da Amazônia. Exclui ilegalmente vastas áreas de Unidades de Conservação (UCs) na Amazônia para abrigar canteiros e reservatórios de grandes hidrelétricas, sem estudos técnicos e qualquer consulta às populações afetadas, entre elas indígenas, e à sociedade brasileira em geral. Concretamente, a lei redefine os limites dos Parques Nacionais da Amazônia, dos Campos Amazônicos e Mapinguari; das Florestas Nacionais de Itaituba I, Itaituba II, do Crepori e do Tapajós; e da Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós.

– Mineração em terras indígenas: O governo está propondo um novo código de mineração que permitirá a exploração de terras indígenas por empresas mineradoras. O argumento do governo é que a regulamentação é necessária para que se estabeleçam regras e controle sobre a exploração das terras indígenas, que hoje ocorre de forma desordenada por garimpeiros, causando grande impacto ambiental e social – e, muitas vezes, provocando conflitos. Além disso, o Estado deixa de arrecadar tributos sobre a exploração dos recursos nacionais. Especialistas, entretanto, alertam que empreendimentos para exploração mineral instalados em terras indígenas podem causar impactos tão grandes nos povos que podem mesmo levá-los à extinção.

Os indígenas não são contra o progresso. Apenas que sonham com uma sociedade em que todos tenham as condições básicas fundamentais para o Bem Viver.

Reforma agrária agoniza

A Reforma Agrária, histórica reivindicação do movimento social brasileiro, encontra-se paralisada. O governo de Dilma Rousseff vem tendo um desempenho pífio na área. O primeiro ano do mandato de Dilma inscreveu em sua biografia uma marca: o pior desempenho desde a Era FHC na execução da Reforma Agrária. Dados oficiais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, revelam que a presidenta em 2011 registrou a pior marca dos últimos dezessete anos no assentamento de famílias sem terra. Os números de 2011 são vergonhosos. Apenas 21,9 mil famílias de sem-terra foram assentadas no 1º ano do governo Dilma.

Em 2012, os dados disponíveis até o momento não são melhores.  Até o início de outubro, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) assentou pouco mais de 4 mil famílias, número cerca de 24% inferior ao registrado no mesmo período do ano passado, segundo dados do órgão. A greve de servidores públicos federais e a troca de presidente do Incra podem explicar – não necessariamente justificar – o resultado.

Parte da paralisia da Reforma Agrária pode ser tributada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA e ao seu braço executivo da Reforma Agrária, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra. O Incra está travado. Disputas internas, greves, cortes no orçamento e burocratização tornaram o órgão inoperante. Desde o começo do governo Dilma, as coisas começaram mal. A nomeação do superintendente se deu tardiamente, três meses após o início da gestão de Dilma Rousseff e num contexto de disputas que se prorrogaram até recentemente.

A paralisia, entretanto, na Reforma Agrária não deve ser tributada apenas ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), ao seu braço executivo, o Incra, e a falta de uma pressão maior do MST. Deve-se também e, sobretudo, a concepção de Reforma Agrária de Dilma Rousseff.

O foco de Dilma é economia, emprego e desenvolvimento e o campo nessa equação entra como uma base exportadora. Guilherme Costa Delgado,  pesquisador do Ipea diz que o governo fez a “opção estratégica” pelo modelo de agronegócio, que envolve grandes propriedades e monocultura: “O agronegócio seria um jeito de inserir a economia brasileira na economia mundial, por meio da provisão de commodities, como a salvação das contas externas.” Nesse contexto, a presidente não acredita na Reforma Agrária como um mecanismo efetivo de desenvolvimento nacional, o quanto muito vincula a Reforma Agrária ao programa de erradicação da miséria.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/516623-conjuntura-da-semana-02-01-2013

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.