Manifesto por uma Formação Humana Integral – Não ao retrocesso no Ensino Médio
Para: Presidência da República, Ministério da Educação, Câmara dos Deputados e Conselho Nacional de Educação
As propostas de reformulação do ensino médio em tramitação na Câmara dos Deputados apresentam sérios equívocos e inconsistências. Parte da orientação dessas propostas deriva de uma visão catastrófica dessa modalidade de ensino, infelizmente compartilhada por muitos educadores e gestores da educação, para os quais expressões como “crise”, “fracasso”, “falta de identidade” têm sido as mais utilizadas para caracterizar o ensino médio brasileiro. Esse tipo de afirmação, que sempre recebe boa acolhida na mídia, ajuda a construir uma imagem de inutilidade do ensino médio, que em nada contribui para um debate construtivo. É lamentável que a Câmara dos Deputados vá pelo mesmo caminho.
De fato, o ensino médio é atualmente a etapa mais problemática da escolarização, a que tem mostrado maiores dificuldades em cumprir suas atribuições e garantir o direito à educação para todos os brasileiros, como previsto na Constituição Federal. As explicações para isso dependem do ideário, concepções e interesses de quem as formula. Vão desde a deficiência na infraestrutura até atributos negativos nos estudantes, passando pela escassez de recursos, a falta de professores capacitados, as propostas pedagógicas inadequadas etc, etc. Independente da pertinência, ou não, destas justificativas (e algumas realmente são procedentes), poucas vezes se considera a história de desigualdades sociais do Brasil e o projeto de sociedade excludente que está na raiz da nossa formação como país. E esses fatores são, de fato, determinantes na educação, em particular no ensino médio, como etapa decisiva da trajetória individual e da reprodução social.
Não obstante, a educação brasileira tem registrado alguns poucos avanços (fruto de lutas que vem sendo travadas desde os anos 70) e que agora estão sob ameaça de retrocesso. A Comissão Especial da Câmara Federal sobre reformulação do ensino médio não considera esses avanços, não parte das experiências adquiridas, não preserva conquistas, preferindo adotar uma visão negativa e desqualificadora dessa etapa do ensino, como se fosse necessário começar tudo do zero.
O relatório final da Comissão confunde propositalmente educação integral com educação em tempo integral. Enquanto a primeira significa formação humana, ou seja, dotar os estudantes de uma base sólida de conhecimentos que lhes permita desenvolver-se plenamente, a segunda preocupa-se em estender o tempo que os estudantes passam na escola. E até mesmo para isso desconsidera pré-requisitos fundamentais, como infraestrutura adequada; professores com jornada completa, com salários e carreira compatíveis; novas metodologias e um currículo que integre ciência, tecnologia, cultura e trabalho, sem o reducionismo geralmente proposto. Ou seja, vai-se apenas submeter os alunos a uma cesta de atividades e conteúdos dispersos. Além disso, e igualmente importante, a proposta de oferta do Ensino Médio diurno em tempo integral promove a exclusão dessa etapa da educação básica de um amplo contingente de jovens que estudam e trabalham.
Outras sugestões indicam que apesar do uso do termo “integral” as propostas em tramitação tornam o ensino médio ainda mais parcial, incompleto, fragmentado, incapaz de realizar a formação integral. É o caso de organizar o currículo da terceira série diversificando as trajetórias de formação segundo áreas de conhecimento (ciências humanas, ciências naturais, formação profissional), que antecipa os processos de especialização para educação básica. Isso fere de morte a proposta de integração com base na qual estão estruturadas as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais de Ensino Médio (DCNEM), cuja formulação foi resultado de lutas por uma educação democrática, travadas pela sociedade e suas entidades de educadores.
Esses anseios da sociedade estão expressos tanto na Constituição Federal como na LDB, respectivamente, em seus artigos 205 e 22, que asseguram o desenvolvimento pleno do educando e a formação comum como direito. A proposta desconsidera esses anseios, mesmo havendo base nacional comum, pois o fato de ser obrigatório realizar opções na terceira série estabelece uma diferenciação formativa no ensino médio e, portanto, na educação básica, ferindo o princípio constitucional de igualdade de acesso aos bens culturais.
Ao mesmo tempo, a proposta de formação profissional, como uma das opções formativas, nega a existência da modalidade de Ensino Médio Integrado à Educação Técnico Profissional, legalmente instituído e que ainda pelo seu incipiente processo de implantação não pode ser considerado suficientemente testado.
A proposta de inclusão de temas transversais para produzir uma “maior interação e articulação entre os diferentes componentes e conteúdos curriculares” não se sustenta na medida em que as atuais DCNEM entendem o currículo como elemento organizador das experiências significativas que a escola deve propiciar. Estas diretrizes preconizam que haja uma estreita relação entre conhecimento tratado na escola e sua relação com a sociedade que o produz. Deste modo, não cabe falar em “temas transversais” já que todo conhecimento, ao estar vinculado ao contexto social que o produziu, adquire sentido e expressão na construção da autonomia intelectual e moral dos educandos.
A proposta de eliminação do ensino noturno para menores de 18 anos desconhece que 78% da população economicamente ativa começa a trabalhar antes dos 18 anos de idade. (PNAD- DIEESE, 2008). Dados do IBGE de 2011 informam que 31,5% dos jovens de 15 a 17 anos trabalham e estudam, estudam e procuram emprego ou só trabalham. Isso significa que acabar com o ensino noturno para essa faixa de idade é, de fato, exclui-la do sistema de ensino. Destinar o ensino médio noturno apenas à faixa etária dos 18 anos em diante significa duplicar uma política já existente, que é a EJA, ou em outros termos, a superposição de modalidades que cumprem a mesma atribuição.
A proposta de expansão de Educação Profissional Técnica através da ampliação dos acordos de gratuidade com o Sistema S e de crescimento do Pronatec, representa, como já sabido, uma manifestação aberta da subordinação da Educação Profissional aos interesses do mercado. Além disso, expressa claramente a atual tendência dominante nas políticas da área de favorecer o repasse governamental de vultuosos recursos à iniciativa privada, em particular ao sistema S, que já é sustentado com recursos públicos, apesar de ter gestão privada.
Com base no exposto, os signatários exortam os senhores congressistas a rejeitar o PL, em defesa do pouco que até agora se conquistou em termos de uma educação integral
Não ao PL proposto pela Comissão Especial de Reformulação do Ensino Médio!
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Sonia Maria Rummert.