Povos Indígenas e a volta do famigerado arrendamento, por Egon Heck

A Lei 6001, de dezembro de 1973, pôs fim a um dos mais perversos e enganosos mecanismos de invasão e espoliação das terras indígenas: O sistema de arrendamento instituído pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), continuado pela Funai. Esse foi o instrumento  que patrocinou oficialmente a invasão de quase todas as terras indígenas até então demarcadas em todo o país, com mais intensidade na região Sul, nos territórios Kaingang, Guarani e Xokleng.

“Art. 18. As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ou pelos silvícolas” Lei nº 6.001 de 19 de Dezembro de 1973

Lembro-me de ter sido portador, em 1974, de notificações aos arrendatários, no qual se extinguia a vigência dos contratos de arrendamento, por determinação da Lei Estatuto do Índio que extinguiu tal prática. A maioria recebia a notificação até com certa ironia e satisfação, pois já não pagavam o arrendamento há bastante tempo, tornando-se exploradores ilegais daquelas terras, invasores estimulados por mecanismo legal.

Além disso, alimentavam a certeza de que mais dia, menos dia aquelas terras deixariam de ser dos índios para passar definitivamente a dar propriedade de ocupantes ilegais, invasores e intrusos. Ledo engano.  Quatro anos depois os povos indígenas do Sul do Brasil desencadearam uma luta de retirada de todos os invasores de seus territórios.

A volta das invasões?

No início de 2013, percebemos inúmeros projetos que visam escancarar o saque dos recursos naturais em terras indígenas e dificultar, para não dizer impedir, a demarcação das terras indígenas. Está em tramitação mais um projeto anti-indígena, o Projeto de Lei-PL 4047/12 do deputado Nelson Padovani (PSC-PR). O projeto, que tramita em caráter conclusivo, será analisado pelas Comissões de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural; de Direitos Humanos e Minorias; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Segundo o deputado Nelson Padovani (PSC-PR), a medida tem por objetivo “oferecer alternativa econômica aos povos indígenas.

Pela proposta, as parcerias de arrendamento das terras indígenas terão prazo mínimo de vigência de cinco anos e máximo de 30 anos. Caberá à Funai assessorar juridicamente a comunidade indígena na celebração do contrato. Padovani alegou ao Jornal Mídia Max que o projeto vai ajudar  a “encontrar um ponto de equilíbrio, para que agricultores e índios consigam explorar a terra, de forma que sejam beneficiados e respeitados ambos os lados”.

O projeto também prevê uma possibilidade dos índios terem uma participação na produção de até 20%. Ou seja, 80% será destinado para o agronegócio? Uma fatia ficará para a Funai? Quem sabe para ressuscitar o maldito Departamento Geral de Patrimônio Indígena (Dgpi), o braço empresarial da Funai? A presidente da Funai, Marta Azevedo, conhece muito bem o esquema. É impossível que ela seja conivente com algo semelhante, mesmo sendo a pílula dourada com novos termos como parceria, respeito e benefícios.

O prazo de vigência que poderá ser de até 30 anos. A ganância do agronegócio está explicitada nesta possibilidade, de longos tempos e grandes lucros com segurança jurídica.

A dura realidade

Infelizmente estamos diante de um quadro de total ausência e irresponsável omissão do governo no tocante a políticas de produção e sobrevivência com autonomia e dignidade dos mais de trezentos povos indígenas no Brasil. A situação de desassistência no planejamento da produção, especialmente de alimentos é crônica e cruel. Grande parte das comunidades indígenas acabam sendo jogadas nos braços do assistencialismo, das cestas básicas, e outras migalhas compensatórias.

A questão gritante é porque o governo nunca estruturou de fato políticas eficazes e coerentes na área de produção indígena, conforme os padrões, costumes e organização de cada povo indígena? Será que de fato se quer, não apenas permitir, mas até forçar a implantação do sistema de produção capitalista nas comunidades indígenas?

Seja qual forem às respostas dos burocratas e do agronegócio é escandalosa a pressão nessa direção, como é o exemplo do Projeto de Lei do “arrendamento das terras indígenas”, da mineração em terras indígena, dentre outros.

Egon Heck

Povo Guarani Grande Povo, final de janeiro de 2013.

http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6700&action=read

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