A excrescência abaixo é o editorial do jornal O Estado de São Paulo de ontem, 20 de janeiro de 2013, com o título “Quilombos imaginários”. Ficamos algum tempo na dúvida quanto a publicá-lo, uma vez que ele efetivamente faz mal ao estômago, ao coração e à cabeça, para ficarmos por aí. Por outro lado, há coisas tão abusivas que chegam a um ridículo que ele próprio as desconstrói. E, tratando-se de um texto que explicita a “linha editorial” de um dos maiores jornais do País (em termos de tamanho, pelo menos), publicado não por acaso na “capital financeira” do Brasil, consideramos que devíamos, sim, postá-lo. Quanto aos eventuais efeitos físicos da leitura, por favor, considerem-se avisad@s desde a segunda frase deste parágrafo. Tania Pacheco.
“A Base Naval de Aratu, na Bahia, é famosa por recepcionar presidentes da República que precisam descansar. Mas é também uma das muitas áreas que há algum tempo estão no centro de disputas fundiárias entre os detentores legais das terras e pretensos quilombolas, incentivados por ONGs anticapitalistas financiadas por grupos estrangeiros e que são craques da propaganda. Graças a um decreto de 2003, da lavra do então presidente Lula, “quilombos”, com as necessárias aspas, multiplicam-se pelo País, debilitando o direito à propriedade da terra, que é um dos alicerces do regime capitalista. No caso de Aratu, some-se ainda a questão da importância estratégica da base e tem-se um quadro completo de irresponsabilidade, que nada tem de acidental: o objetivo é transformar pessoas pobres, que se apresentam como remanescentes de quilombos, em “novos sujeitos políticos”, eufemismo acadêmico para massa de manobra.
No começo do ano, quando a presidente Dilma Rousseff estava hospedada em Aratu, moradores de uma comunidade que se diz “quilombola”, localizada a 500 metros da base naval, fizeram um protesto no local para denunciar ações de violência por parte da Marinha. Segundo os líderes dos moradores, a intimidação tinha o objetivo de forçá-los a deixar o local. A Marinha pretende expandir a base e entrou na Justiça para exigir a desocupação da área em que se encontra a comunidade, de cerca de 500 habitantes. Em agosto do ano passado, a Justiça Federal ordenou o despejo desses moradores, mas houve recurso por parte da Defensoria Pública. O Incra reconheceu o local como pertencente aos “quilombolas”, atribuindo-lhes 300 hectares. A Marinha, porém, alega que a área foi desapropriada na década de 50, “mediante justa e prévia indenização”, e que “documentos levantados evidenciam que as pessoas que ocupam o local não seriam remanescentes de quilombos”.
Essa absurda situação só é possível porque o decreto de Lula diz que “a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade”. Ou seja: basta dizer-se quilombola para se tornar um, com direito a um pedaço de terra, onde quer que seja. A arbitrariedade se concretiza no parágrafo 3.º do decreto, que estabelece que a medição e a demarcação dessas terras levarão em conta “critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos”.
O decreto tem o objetivo de regulamentar o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Nem é o caso, aqui, de lembrar que as disposições transitórias têm de ser tratadas por lei complementar, e não por decreto. O problema maior é que o tal decreto ignora o que diz o artigo 68: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva”. O texto, portanto, diz respeito a quilombos que existiram de fato, e não aos que só existem como pretensão a conferir. É este o caso de Aratu. A tal comunidade “quilombola” reúne pessoas que não são dali, mas do interior da Bahia e de outros Estados, e que se definiram como “quilombolas” somente em 2011, quando o processo aberto pela Marinha encaminhava-se para um desfecho desfavorável aos moradores.
Situações semelhantes de confronto com comunidades que se dizem quilombolas ocorrem na Ilha de Marambaia (RJ), onde fica uma base de fuzileiros navais; e em Alcântara (MA), onde a Aeronáutica mantém seu centro de lançamento de foguetes. Houve ainda um caso em que a Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência perdeu a propriedade sobre uma área na zona portuária do Rio de Janeiro porque famílias que moram no local se disseram remanescentes de um quilombo. A Ordem tem documentos provando que é dona do local desde o século 17, mas isso parece não ter importância. Assim, se nem as Forças Armadas e a Igreja são obstáculo real para essa “reforma fundiária” com base em elásticos critérios raciais e históricos, é improvável que os cidadãos comuns consigam defender sua propriedade caso se decida que ela pertence a algum “quilombola””.
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Enviada por Mayron Borges.
http://www.estadao.com.br/
Estou estarrecida diante de tanta ignorãncia a respeito do que é comunidade remanescente de quilombo e tanta ganância em relação a terra. É sempre a mesma história, agora querem em caracter duvidoso o decreto de 2003 onde define território quilombola. Pelo amor de Deus né, pra que serve essa marinha do Brasil? para repetir a história que fizeram com o João Cândido, e assim como ele não se calou, a comunidade quilombo dos macacos tenho certeza q nao se calará nem os quilombos que estão em áreas que geram interesse a especulação imobiliária, o quilombo de onde eu sou e faço parte, temos esse problema também e aki temos nossa luta sem muito apoio, mas nao deixamos de lutar. Respeito ao povo q ajudou a construir esse país.
Isso mostra o preconceito das elites através dos grandes meios de comunicação, expressando o seu racismo dissimulado. E por isso é mais fundamental do que nunca a luta pelo reconhecimento da diferença para que possamos viver numa sociedade mais justa.
Como a Luciana definiu o artigo do Estadao assino em baixo, reconheço firma e dou publicidade.
Parabens Luciana
É mesmo um absurdo como se manipulam os fatos para servir aos interesses dessa estrutura capitalista que insiste em se manter dominante. Mas, acreditar em horizontes possíveis nos fortalece na luta e os quilombolas, enquanto for preciso, significarão resistência. E essa luta é cada vez mais abrangente, não só dos quilombolas, mas também daqueles que, como eu, acreditam na construção de uma realidade mais justa e igualitária, ainda que hajam mais “nãos” do que “sins” em nosso caminhar.
A argumentação é cínica e se articula unicamente sobre a questão da propriedade ilimitada, da posse total da terra. A mesma visão com viseiras, que não quer respeitar beiras de rios, encostas, terras indígenas, nem mesmo cemitérios desses povos…
Em uma compreensão mais ampla da realidade e vida humanas, a terra não é em si um bem totalmente comerciável, comprável ou possuível, pois é em essência e indiscutivelmente o habitat de todos. O que se comercia é mais ou menos um “acordo de posse” construído dentro dessa civilização e cultura capitalistas que também não tem a propriedade da verdade alem de ter valores extremamente questionáveis.
A civilização e a cultura não constituem dado da natureza nem inspiração divina. São uma construção nossa, nossa, com acertos e erros, com a estabilidade num equilíbrio em movimento e necessariamente sujeita a correções.
Tudo o que temos visto por parte dos que reivindicam a “posse” da terra é o descuido quanto ao essencial na sua atividade, a sua responsabilidade quanto à alimentação dos cidadãos brasileiros e/ou do mundo. Monoculturas que desgastam o solo assim como o uso indevido de produtos químicos que poluem tanto a terra quanto os alimentos que serão ingeridos pelas pessoas e que são sua principal responsabilidade e isso precisa ser claro e deveria ser respeitado. Às vezes esses produtos são usados ilegalmente contra legislação já existente. Além do desrespeito ao meio ambiente, o desmatamento, a extinção de especies da flora e da fauna etc.
Também a pecuária que estimula o uso excessivo da carne, coisa em si já não saudável, e ainda acrescida de hormônios e que tais…
Tudo isso sem ainda ter tocado no essencial, humano: condições indignas de trabalho que muitas vezes beiram à escravidão quando não a praticam de fato.
e essa quantidade irritante de palavras e expressões entre aspas?!
O horror. So faltou falar, “cuidado, os comunistas vão roubar sua TV!”. Tadinha da minha úlcera… rs