Quilombolas conquistam editorial no Estadão que mostra o nível do desespero do capital e dos ruralistas, em particular

José Rosalvo de Souza, 48 anos, mostra as inúmeras cápsulas encontradas diariamente pelos quilombolas, residentes na comunidade Rio dos Macacos, ao lado da base naval de Aratu (BA). Segundo eles, os disparos são realizados constantemente, como forma de intimidação

A excrescência abaixo é o editorial do jornal O Estado de São Paulo de ontem, 20 de janeiro de 2013, com o título “Quilombos imaginários”.  Ficamos algum tempo na dúvida quanto a publicá-lo, uma vez que ele efetivamente faz mal ao estômago, ao coração e à cabeça, para ficarmos por aí. Por outro lado, há coisas tão abusivas que chegam a um ridículo que ele próprio as desconstrói. E, tratando-se de um texto que explicita a “linha editorial” de um dos maiores jornais do País (em termos de tamanho, pelo menos), publicado não por acaso na “capital financeira” do Brasil, consideramos que devíamos, sim, postá-lo. Quanto aos eventuais efeitos físicos da leitura, por favor, considerem-se avisad@s desde a segunda frase deste parágrafo. Tania Pacheco.

“A Base Naval de Aratu, na Bahia, é famosa por recepcionar presidentes da República que precisam descansar.  Mas é também uma das muitas áreas que há algum tempo estão no centro de disputas fundiárias entre os detentores legais das terras e pretensos quilombolas, incentivados por ONGs anticapitalistas financiadas por grupos estrangeiros e que são craques da propaganda. Graças a um decreto de 2003, da lavra do então presidente Lula, “quilombos”, com as necessárias aspas, multiplicam-se pelo País, debilitando o direito à propriedade da terra, que é um dos alicerces do regime capitalista.  No caso de Aratu, some-se ainda a questão da importância estratégica da base e tem-se um quadro completo de irresponsabilidade, que nada tem de acidental: o objetivo é transformar pessoas pobres, que se apresentam como remanescentes de quilombos, em “novos sujeitos políticos”, eufemismo acadêmico para massa de manobra.

No começo do ano, quando a presidente Dilma Rousseff estava hospedada em Aratu, moradores de uma comunidade que se diz “quilombola”, localizada a 500 metros da base naval, fizeram um protesto no local para denunciar ações de violência por parte da Marinha.  Segundo os líderes dos moradores, a intimidação tinha o objetivo de forçá-los a deixar o local.  A Marinha pretende expandir a base e entrou na Justiça para exigir a desocupação da área em que se encontra a comunidade, de cerca de 500 habitantes.  Em agosto do ano passado, a Justiça Federal ordenou o despejo desses moradores, mas houve recurso por parte da Defensoria Pública.  O Incra reconheceu o local como pertencente aos “quilombolas”, atribuindo-lhes 300 hectares.  A Marinha, porém, alega que a área foi desapropriada na década de 50, “mediante justa e prévia indenização”, e que “documentos levantados evidenciam que as pessoas que ocupam o local não seriam remanescentes de quilombos”.

Essa absurda situação só é possível porque o decreto de Lula diz que “a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade”.  Ou seja: basta dizer-se quilombola para se tornar um, com direito a um pedaço de terra, onde quer que seja.  A arbitrariedade se concretiza no parágrafo 3.º do decreto, que estabelece que a medição e a demarcação dessas terras levarão em conta “critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos”.

O decreto tem o objetivo de regulamentar o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.  Nem é o caso, aqui, de lembrar que as disposições transitórias têm de ser tratadas por lei complementar, e não por decreto.  O problema maior é que o tal decreto ignora o que diz o artigo 68: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva”.  O texto, portanto, diz respeito a quilombos que existiram de fato, e não aos que só existem como pretensão a conferir.  É este o caso de Aratu.  A tal comunidade “quilombola” reúne pessoas que não são dali, mas do interior da Bahia e de outros Estados, e que se definiram como “quilombolas” somente em 2011, quando o processo aberto pela Marinha encaminhava-se para um desfecho desfavorável aos moradores.

Situações semelhantes de confronto com comunidades que se dizem quilombolas ocorrem na Ilha de Marambaia (RJ), onde fica uma base de fuzileiros navais; e em Alcântara (MA), onde a Aeronáutica mantém seu centro de lançamento de foguetes.  Houve ainda um caso em que a Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência perdeu a propriedade sobre uma área na zona portuária do Rio de Janeiro porque famílias que moram no local se disseram remanescentes de um quilombo.  A Ordem tem documentos provando que é dona do local desde o século 17, mas isso parece não ter importância.  Assim, se nem as Forças Armadas e a Igreja são obstáculo real para essa “reforma fundiária” com base em elásticos critérios raciais e históricos, é improvável que os cidadãos comuns consigam defender sua propriedade caso se decida que ela pertence a algum “quilombola””.

Enviada por Mayron Borges.

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,quilombos-imaginarios-,986495,0.htm.

Comments (7)

  1. Estou estarrecida diante de tanta ignorãncia a respeito do que é comunidade remanescente de quilombo e tanta ganância em relação a terra. É sempre a mesma história, agora querem em caracter duvidoso o decreto de 2003 onde define território quilombola. Pelo amor de Deus né, pra que serve essa marinha do Brasil? para repetir a história que fizeram com o João Cândido, e assim como ele não se calou, a comunidade quilombo dos macacos tenho certeza q nao se calará nem os quilombos que estão em áreas que geram interesse a especulação imobiliária, o quilombo de onde eu sou e faço parte, temos esse problema também e aki temos nossa luta sem muito apoio, mas nao deixamos de lutar. Respeito ao povo q ajudou a construir esse país.

  2. Isso mostra o preconceito das elites através dos grandes meios de comunicação, expressando o seu racismo dissimulado. E por isso é mais fundamental do que nunca a luta pelo reconhecimento da diferença para que possamos viver numa sociedade mais justa.

  3. Como a Luciana definiu o artigo do Estadao assino em baixo, reconheço firma e dou publicidade.
    Parabens Luciana

  4. É mesmo um absurdo como se manipulam os fatos para servir aos interesses dessa estrutura capitalista que insiste em se manter dominante. Mas, acreditar em horizontes possíveis nos fortalece na luta e os quilombolas, enquanto for preciso, significarão resistência. E essa luta é cada vez mais abrangente, não só dos quilombolas, mas também daqueles que, como eu, acreditam na construção de uma realidade mais justa e igualitária, ainda que hajam mais “nãos” do que “sins” em nosso caminhar.

  5. A argumentação é cínica e se articula unicamente sobre a questão da propriedade ilimitada, da posse total da terra. A mesma visão com viseiras, que não quer respeitar beiras de rios, encostas, terras indígenas, nem mesmo cemitérios desses povos…
    Em uma compreensão mais ampla da realidade e vida humanas, a terra não é em si um bem totalmente comerciável, comprável ou possuível, pois é em essência e indiscutivelmente o habitat de todos. O que se comercia é mais ou menos um “acordo de posse” construído dentro dessa civilização e cultura capitalistas que também não tem a propriedade da verdade alem de ter valores extremamente questionáveis.
    A civilização e a cultura não constituem dado da natureza nem inspiração divina. São uma construção nossa, nossa, com acertos e erros, com a estabilidade num equilíbrio em movimento e necessariamente sujeita a correções.
    Tudo o que temos visto por parte dos que reivindicam a “posse” da terra é o descuido quanto ao essencial na sua atividade, a sua responsabilidade quanto à alimentação dos cidadãos brasileiros e/ou do mundo. Monoculturas que desgastam o solo assim como o uso indevido de produtos químicos que poluem tanto a terra quanto os alimentos que serão ingeridos pelas pessoas e que são sua principal responsabilidade e isso precisa ser claro e deveria ser respeitado. Às vezes esses produtos são usados ilegalmente contra legislação já existente. Além do desrespeito ao meio ambiente, o desmatamento, a extinção de especies da flora e da fauna etc.
    Também a pecuária que estimula o uso excessivo da carne, coisa em si já não saudável, e ainda acrescida de hormônios e que tais…
    Tudo isso sem ainda ter tocado no essencial, humano: condições indignas de trabalho que muitas vezes beiram à escravidão quando não a praticam de fato.

  6. O horror. So faltou falar, “cuidado, os comunistas vão roubar sua TV!”. Tadinha da minha úlcera… rs

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