O Pôr-do-sol parecia não fazer diferença naquele dia. Todos os pensamentos na aldeia estavam voltados para o medo e a incerteza. No olhar das crianças, nos movimentos do ancião indígena que estava assando a farinha de mandioca um pouco mais longe dali, e nas palavras do Ivanildo.
“Cley, é seu nome, né? Eu não entendo. Eu não entendo por quê estão fazendo isso contra o meu povo.” Ivanildo Tenharim, Liderannça indígena ameaçado de morte por madeireiros, tinha os olhos marejados quando disse. E eu percebi naquele momento que para eles, as ações praticadas na última semana por fazendeiros e madeireiros, era algo que não podia ser entendido.
Vários indígenas começaram a chegar perto de mim e começaram a ouvir o que o Ivanildo me contava. Notei que alguns tinham a cabeça cabisbaixa e como em luto outros olhavam o horizonte. O mesmo horizonte que dois dias atrás havia sido palco de uma das mais violentas ações contra os indígenas, Tenharim e Jiahui no Sul do Amazonas, nos últimos 20 anos.
Parte 2
“Não deixe que eles batam nas cabeças das crianças, nas cabeças dos velhinhos. Não deixe que o homem branco bata.” Canta, como se fosse uma brincadeira para aliviar o medo, o pequeno Mateus Tenharim, de 8 anos, que viu o momento exato quando um homem alto pegou um galão com gasolina e começou a jogar na pequena construção na sua aldeia. De lá, foi arrastado pela mãe, Luzianeide Tenharim, pra longe daquela ação protagonizada por fazendeiros e madeireiros. Mateus tentou chamar o irmão mais velho, que é deficiente físico, mas ele não conseguia andar.
Esperando acontecer o pior, seu Pedro, que já tinha visto o mesmo cenário há 40 anos durante a construção da Rodovia Transamazônica, grita: “Corram.”
Seu Antônio então, pai de Mateus, coloca os quatro filhos nas costas e corre até a floresta atrás da aldeia, mas durante o caminho continua preocupado com a segurança dos outros cinco filhos que ele não conseguiu levar até o local seguro.
“Luzianeide, fica com as crianças, vou pegar as outras”, declara Antônio no caminho de volta até sua casa. Nesse instante, vê que a construção da aldeia começa a ser consumida pelo fogo enquanto buzinas de Hilux e gritos de alegria são entoados pelos fazendeiros e madeireiros. Ele não acredita no que vê, mas mesmo assim tem que buscar o restante dos filhos pequenos.
Quando chega perto da casa, ele se depara com uma cena que nunca imaginou que veria. “Vi meu filho, que é deficiente físico, rastejar pelo chão, tentando fugir daquela confusão.” Ele então pega as crianças pequenas a as coloca nas costas, enquanto leva pelo braço o filho com dificuldades de andar. Com quase 150 kg sob a espinha dorsal, Antônio corre até a floresta e encontra outros índios se escondendo da invasão. Foram duas horas de terror que servirão de canções para todo o futuro.
E o grito: “Corram”, do Seu Pedro, é o mesmo de 514 anos atrás e parece que vai continuar ecoando. Talvez um dos gritos mais longos que se tem registro. Uma mãe a um filho. Um avô a um neto. Uma história em estado incompleto.
Na foto clicada pelo grande Gabriel Ivan, crianças Tenharim brincando ao tentar segurar as folhas que caem das árvores antes da chuva.