Comissão foi rapidamente instalada pelos deputados ruralistas em dezembro do ano passado, mesmo sob protestos indígenas
Por Any Cometti, em Século Diário
Em 2014, a Comissão Especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 deve emitir seu parecer sobre aquela que é encarada como uma das maiores afrontas atuais aos direitos indígenas no País. A comissão, instalada em dezembro de 2013 em meio aos protestos dos indígenas, tem um prazo regimental de 40 sessões ordinárias para a conclusão dos trabalhos, podendo ser prorrogado por mais 20 sessões, e é o último passo antes que a proposta seja encaminhada ao plenário da Câmara dos Deputados.
Entretanto, manifestações de lideranças indígenas de todo o país reunidos em Brasília, onde expressaram com maior afinco a contrariedade à PEC, fizeram com que o presidente da Câmara decidisse não instalar a comissão na época. Atos contra a proposta também foram firmados em outros estados, como parte da Mobilização Nacional Indígena. No Espírito Santo, na última sexta-feira (4), índios das aldeias Tupinikim e Guarani de Aracruz (norte do Estado) fizeram uma manifestação pacífica em trechos das rodovias ES 010, ES 257 e ES 456.
A comissão especial para análise da PEC 215/2000 foi instalada no dia 10 de dezembro, em menos de dez minutos, com a presença de lideranças indígenas e novamente em clima de tensão, sob os gritos de “Demarcação Já!” e “Assassinos!”, em referência aos ruralistas. A comissão, evitada por quase dois anos pelas mobilizações indígenas e manifestações populares, foi criada em abril deste ano e constituída em setembro.
Na época da criação da comissão, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apontou que sua instalação atende única e exclusivamente aos interesses da bancada ruralista no Congresso Nacional e “reforça a declaração de guerra do latifúndio contra os povos indígenas, contra os quilombolas, contra o meio ambiente e os respectivos direitos constitucionalmente estabelecidos”. A entidade denunciou ainda que o ato presidencial se deu “no calar da noite”.
Ainda em setembro, foi negado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, mandado de Segurança (MS 32262) impetrado pelas frentes de Defesa dos Direitos Humanos e de Apoio aos Povos Indígenas da Câmara dos Deputados, com pedido de liminar, para sustar a tramitação da PEC 215. Os parlamentares defendiam que o projeto é inconstitucional, por violar a cláusula pétrea constitucional que rege sobre os direitos e garantias individuais dos povos indígenas e os interesses econômicos por trás da revisão das demarcações.
Em reunião realizada no dia da instalação da comissão, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reforçou posição do governo contrária à PEC 215, já anunciada em outubro de 2013. À época, o ministro disse que o governo entende a proposta como inconstitucional, já que fere cláusulas pétreas da Constituição, assim como apontam especialistas da área. A garantia do ministro, entretanto, é contraditória à posição que governo federal tem tomado em relação às questões envolvendo as terras indígenas no país, em favor dos interesses ruralistas. Os índios já denunciaram reiteradas vezes os “ataques orquestrados” pelo governo Dilma e parlamentares ruralistas do Congresso Nacional, que trabalham “a serviço de interesses privados” contra os seus direitos sagrados à terra, territórios e bens naturais garantidos pela Constituição.
No dia 17 de dezembro, a comissão definiu, em sua primeira reunião, o cronograma de trabalhos. O deputado Afonso Florence (PT-BA), que já foi ministro do Desenvolvimento Agrário, preside o colegiado. A relatoria foi do deputado Osmar Serraglio (PMDB-SC), que já havia relatado e recomendado a aprovação da admissibilidade da proposta na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Como já afirmado pelo Cimi, pelo menos 72% dos deputados da comissão especial são membros ou aliados da Frente Parlamentar Agropecuária. São ao menos 15 ruralistas, com direito a voto, de um total de 21 deputados federais, nenhum deles do Espírito Santo. Para o Cimi, a Mesa da Câmara, o Ministério da Justiça,a AGU e a PGR não conseguiram convencer os ruralistas do contrário, e lavaram suas mãos.
O Cimi também alertou que o número de membros ruralistas pode aumentar , caso as posições regionais de alguns deles, que são contrários a demarcações e outros direitos indígenas em seus estados de origem, prevaleçam. Entre os demais deputados, a entidade acredita que apenas cinco certamente farão frente ao pleito ruralista de transferir do Executivo para o Legislativo a aprovação das demarcações e homologações de terras indígenas, quilombolas e áreas de conservação ambiental.
No dia 18, a bancada do PT na Câmara divulgou nota na qual reiterava sua posição contrária à proposta, na qual considera “um equívoco” as atribuições dadas pela matéria ao Congresso Nacional, bem como a reversão de processos já finalizados. Os deputados petistas também afirmaram que a PEC 215 é inconstitucional porque fere cláusulas pétreas da Constituição, precariza os direitos indígenas e dá margem para o aumento dos conflitos territoriais.