Esta semana lembrei-me da favela de minha infância

Mônica Francisco
Mônica Francisco

Mônica Francisco*, no Jornal do Brasil

Hoje eu quero falar de tudo um pouco. A minha ansiedade não me deixa debruçar sobre um assunto só. É interessante ver circulando a notícia de que haverá mais rigor e esquemas ainda mais “especiais” para conter as manifestações durante a copa. O discurso sempre é para endurecer a repressão, com leis e decretos sendo assinados com uma rapidez surpreendente.

Entretanto, não se fala em reformas ou em mudanças na estrutura, que dão cada vez mais motivação às manifestações em todo o Brasil, país estranho o nosso. Vendo um documentário sobre Abdias do Nascimento, na TV Senado, me deu uma vontade de lutar!

Esta semana lembrei-me da favela de minha infância. Do “seu” Valentim que vendia cuscuz doce com refresco de maracujá e o inigualável quebra queixo. Lembrei do “Maré”, que vendia frutas, também da “Biloca”, que achei ter visto na laje da minha vizinha quando ela morreu. Diziam que pegava crianças.

Foi um turbilhão. Lembrei do “seu” Caroço, do Tiquinho, da Eliane, do Ivanildo “bicha”, que “causava” por seu jeito extravagante. Tinha o “Profeta”, o Jorge arroz branco, a dona Mariazinha dos gatos – ela tinha um nome para cada um dos mais de 30 bichanos que possuía –. Lembro do Preto e do Cigano, que eram os que mais fugiam e ela gritava a noite toda na busca por eles.

“Dona” Maria preta, “dona” Maria Senhora, “dona” Adélia e “seu” Benedito. Impossível esquecer do homem gigante que andava no beco ao lado da minha casa. Lembro de como nadei no rio Maracanã. Lavei roupa, tomei banho lá. Tá achando que tá meio “Chiclete com banana” isso aqui? Tá não.

Favela é isso! É afeto, é perrengue, é diálogo permanente com a luta, com a cidade da qual é parte indiscutível e indissociável. Cada favela é exatamente assim. A mistura disso tudo que nos faz favelados e nos faz favela. E isso não podemos perder.

A memória do que nos conforma no mundo e nos dá noção do ponto de partida e do ponto de chegada. Tudo isso pra dizer que as remoções são um dos  maiores crimes dessa humanidade. Está acontecendo neste país e neste Estado.

Duas semanas depois do ocorrido na favela do Metrô, estamos todos aqui, envolvidos com novas lutas. Elas não param. A cidade está cada vez mais escassa para os trabalhadores. Sei não, tá difícil.

“A nossa luta  é todo dia e toda hora. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO ao RACISMO e à REMOÇÃO!!”

*Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Licencianda em Ciências Sociais pela UERJ.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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