AM – “Na aldeia dos Jiahui há vários indígenas doentes, diz liderança”

Índios jiahui participam de atividade cultural em sua aldeia. Foto: Nilcélio Jiahui - Arquivo pessoal
Índios jiahui participam de atividade cultural em sua aldeia. Foto: Nilcélio Jiahui (Arquivo pessoal)

Por Elaíze Farias, em Amazônia Real

Além da falta de comida e do isolamento devido a insegurança no entorno das terras indígenas do sul do Amazonas, a ausência de assistência à saúde provocou o aumento de doenças nos índios. Um dos líderes da etnia jiahui, Nilcélio Jiahui, que está na aldeia Marmelos, a 123 quilômetros de Humaitá, afirmou ao Amazônia Real que entre a população de 100 índios da etnia, mais de 30 estão doentes, com sintomas de diarreia e malária.

“Estamos há dois dias sem alimentação. Há crianças com diarreia, vômito, malária, pessoas com pressão alta já desmaiando, entre outras doenças. Não tem medicamento, nem analgésico para conter a dor. Precisamos de equipes de saúde na aldeia com urgência”, disse Nilcélio, que também afirmou temer que os indígenas mais doentes “não resistam” e possam vir a óbito.

Nilcélio Jiahu, que é uma das principais lideranças de sua etnia, contou que está desde o dia 24 de dezembro sem poder sair da aldeia devido às ameaças de não indígenas. “As ameaças começaram com os tenharim, mas chegou a nós também. Desde então, muitas mulheres, velhos e crianças estão no mato, escondidos”, disse ele.

No último dia 31, lideranças tenharim e jiahui enviaram um documento à Fundação Nacional do Índio (Funai) relatando a situação precária em que estão em suas aldeias. No documento, eles falam da ausência de comida e de remédios.

Em entrevista anterior à reportagem do Amazônia Real, Ivanildo Tenharim disse que já havia adiantado que a alimentação dos indígenas estava escasseando. Com receio de se afastar de suas casas e de sua família, os homens optaram por não sair para caçar. Por outro lado, a comida armazenada estava acabando. Ele disse que uma carga que havia sido comprada pelo índios em Humaitá foi destruída durante os atos da semana passada no município, quando o prédio da Funai foi incendiado, além de veículos e barcos.

O líder indígena Aurélio Tenharim relatou neste sábado (04) ao portal que a comida armazenada dos indígenas acabou. A alimentação disponível está restrita aos produtos de caça e pesca, além de milho e macaxeira. Mas estes também podem não durar muito, já que os indígenas estão evitando se afastar das aldeias para caçar ou pescar.

A saúde de pacientes submetidos a tratamentos de alta complexidade também está se agravando. “Têm pessoas hipertensas. Há a situação de uma senhora com hérnia que estava fazendo tratamento e teve que voltar. As mulheres ficaram muito cansadas pois ficaram muito tempo escondidas no mato. Isso agravou a saúde de muitas pessoas, principalmente as mais velhas”, disse Aurélio.

Outra preocupação é com a atividade extrativista, que está suspensa. Neste período os tenharim fazem extração da castanha nas áreas do rio e na beira da estrada, mas estão impedidos de realizar a atividade. “Esta situação está nos prejudicando em tudo, inclusive na nossa organização social”, disse.

Quem são os jiahui

Os jiahui vivem em um território de 47 hectares em uma reserva que faz limite com as terras dos índios tenharim. O povo de pouco mais de 100 pessoas vive na aldeia Ju´i, a apenas 100 metros da margem da BR-230 (Transamazônica), nas proximidades do rio Marmelos.

Nos anos 70, os índios jiahui quase foram dizimados durante a construção da Transamazônica. Naquela década, sua população de mil pessoas foi drasticamente reduzida devido às doenças levadas por trabalhadores da rodovia e migrantes vindos do sul do país.

Em 2013, ao tomar conhecimento da criação de um grupo dentro da Comissão da Verdade formado para apurar violações de direitos humanos contra indígenas durante o regime militar, uma comissão de índios jiahui, entre eles Nilcélio, entrou com uma representação no Ministério Público Federal do Amazonas pedindo reparação dos impactos causados em suas vidas pela Transamazônica. Logo depois, o MPF instaurou um inquérito para apurar a responsabilidade do Estado brasileiro neste caso.

Segundo Nilcélio, durante a construção da Transamazônica, “pessoas brancas pegavam os indígenas” e os faziam trabalhar na abertura da BR por troca de alimentos, roupas e bebidas. Havia casos de violência sexual contra as mulheres indígenas.

“As doenças chegaram com a abertura da estrada e ficou forte por conta do contato com o branco que era constante, porque eles entravam no mato e chegavam até os nossos parentes”, disse.

Nilcélio conta que os “mais velhos” da aldeia lembram que os conflitos eram frequentes na época porque “os posseiros” queriam tomar os territórios dos indígenas e tirar madeira de lei. “Até hoje ainda existe conflito nos territórios jiahui e tenharim”, contou.

Segundo ele, os maiores impactos da rodovia foram a devastação de seu território, a redução de alimentação para sua sobrevivência e o prejuízo à sua organização social e cultural.

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