Carta ao Fórum Permanente da ONU: Manifesto contra as ações de violações à Juventude Indígena no Brasil

Tsitsina Xavante

Carta Manifestação da Comissão Nacional de Juventude Indígena – encaminhada a: Fórum Permanente de Assuntos Indígenas da ONU, Relator da Conferência, Chairman da Sociedade Civil Dra. Esmeralda Brown, Embaixada do Brasil junto a ONU e Comissão de Assuntos Indígenas – sobre violações aos povos indígenas do Brasil, principalmente, a juventude indígena. Para esta carta ser entregue na ONU tivemos o apoio do IIDAC/UNICEF através do Gilbert Scharnik

Carta nº 16/CNJI/2013
Ao: Fórum Permanente de Assuntos Indígenas da ONU.
Assunto: Manifesto contra as ações de violações a Juventude Indígena no Brasil.

Brasília-DF, 10 de maio de 2013.

Nesta carta, nós, da Comissão Nacional de Juventude Indígena (CNJI) no Brasil, viemos manifestar contra as ações que estão sendo desenvolvidas pelo Governo Brasileiro e pelo Congresso Nacional aos Povos Indígenas, consequentemente comprometendo a qualidade do bem viver das futuras gerações deste país.

No Brasil, existe uma diversidade de 235 Povos Indígenas, com uma população de 814 mil, falantes de 180 línguas diferentes, 140 mil de juventude indígena. A maioria desse número vive em terras originárias, outra parte vive em acampamentos nas beiras de estradas por não terem terras indígenas demarcadas, e uma parcela vive nos centros urbanos por não terem sustentabilidade em seu território.

No Brasil, também temos a realidade de povos isolados, que, segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), são 75 povos espalhados no país em isolamento voluntário.

Esta é a diversidade sociocultural de Povos Indígenas que o Governo e Congresso Nacional tem tido ações que agridem os marcos legais nacionais e internacionais, tais como artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, e da Convenção 169 da OIT, Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas.

Violações estas são expressamente visíveis nas Propostas de Emenda Constitucional/PEC nº 215 e 237, na Portaria 303 da Advocacia Geral da União/AGU, demonstram as intenções de parlamentares e governantes movidos pela ambição, pelo desenvolvimento capitalista a todo custo. Essas PECs e Portaria proíbem o usufruto dos territórios tradicionais, como a sobreposição do interesse político para a edificação de bases, unidades e postos militares em terras indígenas; e retira a competência da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), único órgão que tem como missão a promoção, proteção e vigilância de terras indígenas, bem como a responsabilidade dos estudos e encaminhamentos das demarcações de terras para o Congresso Nacional.

Tais impactos violam a Convenção 169/OIT, e mais uma vez o governo brasileiro tenta impor a nós indígenas “modelos de consultas”, criando um grupo de trabalho para realizar reuniões com alguns representantes indígenas – nós não aceitamos esta maneira de ação. O Estado brasileiro deve compreender o que consta nos Artigos 231 e 232 da Constituição Federal/1988, que reconhece nossas formas de sociedade cultural.

Portanto, deve-se respeitar a diversidade dos mais de 230 povos indígenas, e não aceitamos dialogar com um governo que tenta nos enganar através de ações que não tem a intenção de regulamentar de fato nossos direitos, pois este governo é o mesmo governo que cria as PECs e Portarias.

Passando por cima de nós, indígenas, para ter plantações de soja que utilizam agrotóxicos que atingem os lençóis freáticos, para as grandes criações de fazendas de gado – onde o agronegócio visa a lucratividade de exportação, e no Brasil as populações que passam por vulnerabilidades vivem numa miserabilidade de fome e quando são assistidos passam pelo assistencialismo –, não promovendo o indivíduo, tão pouco as comunidades e povos indígenas – enfrentamos também os grandes empreendimentos como as construções de usinas hidrelétricas e estradas que passam por terras indígenas.

Essas Propostas de Emendas à Constituição se resumem simplesmente ao extermínio das Populações Indígenas no Brasil, atacando as vidas, as culturas, as línguas, os modos de produção tradicional e diversos outros fatores importantes para o bem viver de nós Povos Indígenas.

Nós, da Comissão Nacional de Juventude Indígena, temos como missão a articulação e mobilização política das juventudes indígenas deste país, tendo como um de nossos objetivos o fortalecimento do movimento da juventude indígena; o empoderamento e o protagonismo da juventude indígena nos espaços de construção e implementação dos marcos legais. Contribuindo com as organizações indígenas e com movimentos indígenas de âmbito nacional e internacional em prol da garantia dos direitos dos povos indígenas.

Contudo, nós, Jovens Indígenas, estamos passando por um cenário de políticas nacionais desfavoráveis, onde diversos setores do governo se levantaram contra nossos direitos, sejam eles nacionais ou internacionais.

Configurando um verdadeiro ataque aos direitos constitucionais e infraconstitucionais, demonstrando um posicionamento que incentiva à sociedade brasileira tal repulsa a nós indígenas.

Diante das violações brevemente citadas por nós, vamos destacar 03 atos que aconteceram recentemente à crianças e à juventude indígena, e ações que são consequências da impunidade do Estado brasileiro, que colabora com o racismo e o preconceito aos povos indígenas.

• No mês de fevereiro, foi assassinato um jovem de 15 anos de idade, na região centro-oeste do país, no estado do Mato Grosso do Sul, próximo ao município de Caarapó, na aldeia Tey’ikue. O jovem Denilson Barbosa Guarani Kaiowá saiu para pescar nas margens do córrego Mbope’i – que faz fronteira com uma fazenda vigiada constantemente por jagunços. Ao avistarem o jovem Guarani Kaiowá pescando neste córrego, os jagunços iniciaram uma perseguição que levou ao assassinato do jovem indígena.

• No mês de abril, a criança de 04 anos de idade, o Guarani Gabriel Tupã Cabral estava brincando com o irmão de cinco anos e com outras crianças, à beira da estrada da Aldeia de Palmeirinha do Iguaçu, em Chopinzinho, no estado do Paraná, quando um carro se aproximaou da criança. Gabriel foi puxado para dentro do veículo, que partiu de imediato. Alguns dias depois de seu desaparecimento, partes do corpo da criança Guarani foram encontradas no mato, com o crânio repartido e com as roupas que Gabriel usava no dia que foi raptado.

• Neste mês de maio, dia 08, na Câmara dos Deputados, na capital do país, em Brasília. Durante a audiência pública com a bancada ruralista e com agricultores ligados ao agronegócio, eles solicitaram ao Congresso o posicionamento favorável às PECs 215, 237 e Portaria 303/AGU.

Nesta ocasião, percebemos o quanto o Estado Brasileiro tem sido conivente com atos de racismo e preconceito aos povos indígenas, bem como tem incentivado a sociedade brasileira a ter o mesmo posicionamento. Afinal de contas, os assassinatos que ocorrem à crianças e à juventude indígena são consequência da colonização deste país, que ocorre há 513 anos.

Muitos foram os assassinatos por conta do território: homens, mulheres, crianças, jovens, e diversas lideranças indígenas que lutam pela terra pensando nas futuras gerações que estão por vir. Para isso, precisamos ter nossos direitos garantidos, bem como políticas públicas que promovam nosso protagonismo, sustentabilidade e permanência em nossos territórios, podendo, assim, fazer nossa manutenção cultural através das transmissões dos conhecimentos.

Reafirmamos aqui nosso compromisso com o movimento indígena, no sentido de contribuir enquanto segmento de juventude, visando o fortalecimento e a valorização das culturas indígenas, lutando pela garantia de nossos direitos, visando a qualidade do bem viver.

Atenciosamente,

Comissão Nacional de Juventude Indígena

“O documento do branco não é nosso documento, nosso documento é a tradição, o nosso documento é a terra. Sem viver a terra, sem viver a tradição o índio acaba o valor”. [Mário Juruna – povo Xavante. In memorian]

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