Histórico do Distrito Sanitário Indígena do Leste de Roraima

Os primórdios da implantação de um modelo de atenção diferenciada à saúde indígena em Roraima aconteceram por ocasião das primeiras Assembleias Gerais de Tuxauas realizadas na década de setenta na Missão do Surumu, reunindo lideranças indígenas de todas as regiões do estado. Neste tempo a assistência à saúde das comunidades era feita de forma fragmentada pela FUNAI, Governo do Estado, além do trabalho voluntário desenvolvido pela Diocese de Roraima e Missão Evangélica da Amazônia (MEVA). Desde o início da organização indígena, a saúde ocupou um lugar de destaque nas discussões das assembleias, encontros e reuniões, juntamente com a questão da terra, educação, cultura e auto-sustentação das comunidades.

Na década de oitenta foram formados os conselhos regionais nas regiões das Serras, Serra da Lua, Raposa, Surumu, Baixo Cotingo, Amajari, Taiano e São Marcos, e foram criadas as primeiras organizações indígenas: o Conselho Indígena do Território de Roraima (CINTER), que mais tarde passou a ser denominado Conselho Indígena de Roraima (CIR), e a Associação dos Povos Indígenas de Roraima (APIR). A saúde passou a ser uma das maiores preocupações das comunidades, devido a uma grande epidemia de Malária provocada pela invasão dos garimpeiros na Terra Indígena Yanomami e nas terras indígenas do leste de Roraima. O problema da saúde sempre foi discutido junto com a questão da terra, com o lema “sem terra não há saúde”.

No início da década de noventa ocorreu a criação do Distrito Sanitário Yanomami, em resposta às denúncias feitas pelo movimento indígena sobre a situação de calamidade pública que atingiu o povo Yanomami em decorrência da invasão de garimpeiros. Em 1993 foi realizada a primeira Conferência Estadual de Saúde Indígena, que propôs a criação do Distrito Sanitário Indígena do Leste de Roraima abrangendo todas as demais terras indígenas do estado. Na etapa nacional da conferência (segunda Conferência Nacional de Saúde Indígena) foi aprovado o Subsistema de Saúde Indígena, baseado no modelo dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, a serem implantados pelos Núcleos Interinstitucionais de Saúde indígena, com a participação da FUNASA, FUNAI, e dos demais órgãos governamentais e não governamentais envolvidos na assistência à saúde das populações indígenas.

Em Roraima foi constituído o Núcleo Interinstitucional de Saúde Indígena (NISI-RR) que aprovou a criação do Distrito Sanitário Indígena do Leste de Roraima no ano de 1994, e deu início ao Programa de Formação dos Agentes Indígenas de Roraima, com o apoio da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF-Holanda), e de outras instituições como FUNASA, FUNAI, Diocese de Roraima, MEVA e Secretaria Estadual de Saúde. Teve início também o Programa de Formação de Microscopistas Indígenas, que alcançou importantes resultados no controle da epidemia e da mortalidade por Malária nas comunidades indígenas do leste de Roraima. Foram realizados cursos envolvendo agentes indígenas de saúde e microscopistas indígenas indicados por todas as regiões do estado.

Em 1996, por solicitação do NISI-RR e iniciativa do então Ministro da Saúde Dr. Adib Jatene, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) firmou o primeiro convênio da Fundação Nacional de Saúde com uma organização indígena no país, com o objetivo de apoiar o desenvolvimento do Programa de Agentes de Saúde e Microscopistas Indígenas no DSEI Leste de Roraima. Entre os diversos problemas levantados na época estavam a incapacidade do sistema oficial de saúde em promover uma assistência adequada e diferenciada às populações indígenas, as dificuldades para se obter uma participação comunitária efetiva e a conseqüente adesão aos programas propostos, e a ausência de uma maior integração e apoio institucional aos diversos projetos incipientes de atenção primária à saúde indígena desenvolvidos no país.

As atividades desenvolvidas no DSEI Leste de Roraima, tendo como base o Convênio CIR-FUNASA e sob a coordenação do Núcleo Interinstitucional de Saúde Indígena (NISI-RR), serviram como base para a proposta encaminhada pelo Ministério da Saúde de formalização e reconhecimento legal dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas em todo o país, aprovada pelo Congresso Nacional no ano de 1999. No dia 05 de fevereiro de 1999 o presidente da Fundação Nacional de Saúde emitiu a Portaria nº 110 criando oficialmente e em caráter pioneiro o DSEI Leste de Roraima, abrangendo as etnias Macuxi, Wapichana, Taurepang, Ingaricó, Patamona e Wai-Wai, e dando início às gestões para a sua plena e efetiva implantação.

A partir do ano de 2000, atendendo ao convite formulado pela Fundação Nacional de Saúde, o CIR tornou-se responsável pela execução da maior parte das ações básicas de saúde ao nível do DSEI Leste de Roraima. Desde o início do projeto, a preocupação central da coordenação e das lideranças do CIR e das demais organizações indígenas envolvidas foi o desenvolvimento de um trabalho de saúde integrado entre todas as comunidades, independente de posicionamentos políticos ou divergências existentes em outras áreas de atuação. A partir do ano de 2004, com a edição da Portaria 70 pela FUNASA, o convênio foi impedido de comprar veículos, equipamentos, materiais de construção, horas de voo, combustível e medicamentos, o que provocou graves transtornos para a manutenção da assistência nas comunidades.

O Conselho Distrital do DSEI Leste de Roraima foi criado em 17/02/2000 através da Portaria nº 98 da Presidência da FUNASA, contando com representantes indígenas indicados pelos conselhos locais de saúde e organizações indígenas, e representantes de instituições e trabalhadores de saúde, como FUNASA, FUNAI, Secretaria Estadual de Saúde, Prefeituras Municipais, Diocese, Sindicatos e outras, realizando reuniões a cada dois meses. No início do ano 2000 foram estruturados nove Conselhos Locais de Saúde, realizando três reuniões ordinárias por ano, com a participação de um grande número de lideranças, como tuxauas, professores, agentes de saúde e outros, além dos membros efetivos dos conselhos. Foram realizados cursos de capacitação de conselheiros indígenas de saúde com o apoio da Fundação Osvaldo Cruz, os quais foram reproduzidos nos conselhos locais pelos próprios participantes dos cursos.

O Convênio CIR-FUNASA teve continuidade até o mês de maio de 2009, quando por decisão das lideranças indígenas o CIR decidiu encerrar o convênio passando a responsabilidade integral da assistência para a FUNASA. O balanço destes quatorze anos de parceria com o governo federal foi muito positivo, com a melhora progressiva dos indicadores de saúde e de assistência, e o crescente envolvimento e qualificação dos representantes indígenas para a execução e fiscalização das principais atividades de saúde nas comunidades do distrito. Foram realizados também encontros entre lideranças e especialistas indígenas, como pajés, rezadores e parteiras de todas as regiões do distrito, com o objetivo de criar espaços para a discussão e a avaliação sobre as atuais condições da Medicina Tradicional Indígena, buscando valorizar e incentivar o “resgate” dos saberes e das práticas de saúde que vem sendo sistematicamente esquecidas pelas gerações mais jovens.

A capacitação dos profissionais indígenas de saúde sempre foi uma das prioridades do DSEI Leste de Roraima, tendo começado com 120 agentes indígenas de saúde (AIS) indicados pelas comunidades a partir do ano de 1994, e chegando a um total de 460 AIS participantes nos cursos de formação, com mais de 90% das comunidades contempladas. Foram capacitados também 140 agentes indígenas de microscopia (AIM) para diagnóstico da Malária e Tuberculose, 28 agentes indígenas de endemias (AIEN) para trabalhar no controle da Malária, Leishmaniose e Zoonoses, além de agentes indígenas de consultório dentário (AICD), agentes indígenas de saneamento (AISAN) e Parteiras Tradicionais Indígenas.

Em 2007 foi certificada a primeira turma de 374 Agentes Indígenas de Saúde provenientes de todas as regiões e etnias do distrito, após a conclusão dos seis módulos do Programa de Educação Profissional Básica do Departamento de Saúde Indígena (DESAI/FUNASA), com uma carga horária de mais de mil horas de formação, em uma parceria pioneira no país que envolveu o Convênio CIR-FUNASA e a Escola Técnica de Saúde do SUS (ETSUS/RR). Como conseqüência, no final de 2007 após uma grande mobilização das lideranças indígenas junto às autoridades de saúde em Brasília, foi promovida a regularização da situação trabalhista dos profissionais indígenas, com a contratação via CLT pelo convênio CIR-FUNASA de 380 agentes indígenas de saúde, 28 agentes indígenas de endemias e 06 agentes indígenas de consultório dentário.

As equipes dos Programas de Saúde da Família (PSF-Indígena) ligadas às Prefeituras Municipais de Boa Vista, Alto Alegre, Amajari, Cantá, Bonfim, Pacaraima, Normandia, Uiramutã, São Luís e Caroebe que vinham atuando nas comunidades indígenas desde o ano de 2000 através do Incentivo de Atenção Básica (IAB-PI), passaram a receber a partir do ano de 2008 um montante de recursos equivalente ao que era repassado anteriormente ao convênio do CIR, podendo fazer a aquisição de veículos, equipamentos e medicamentos conforme as pactuações aprovadas pelo Conselho Distrital. Os hospitais da rede do SUS ligados ao Governo do Estado e Prefeitura de Boa Vista também receberam neste período os valores do Incentivo de Assistência Hospitalar à População Indígena (IAH-PI). Estes repasses foram suspensos no ano de 2012 após a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).

No ano de 2009, com o encerramento do convênio com o CIR, a FUNASA assumiu a execução direta da maior parte das ações de atenção à saúde indígena no DSEI Leste de Roraima. A partir de 2010 a Missão Caiuá assinou convênio com a FUNASA com o objetivo de fazer a contratação dos recursos humanos destinados à realização da atenção básica no DSEI Leste de Roraima. Foram contratados pelo convênio com a Missão Caiuá 420 agentes indígenas de saúde (AIS), 196 agentes indígenas de saneamento (AISAN), além dos profissionais de saúde de nível técnico e superior. As atividades de custeio, como aquisição de horas de vôo e insumos ficaram sob a responsabilidade direta do distrito, mas boa parte das compras de equipamentos e materiais essenciais continuou centralizada nas coordenações da FUNASA em Brasília.

Em agosto de 2010, após uma intensa mobilização em todo o país de lideranças indígenas insatisfeitas com a atuação da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), o Congresso Nacional aprovou a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), diretamente ligada ao Ministério da Saúde, para assumir a gestão da saúde indígena em nível nacional e promover a autonomia administrativa e financeira dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas. A partir do ano de 2012, o DSEI Leste de Roraima passou para a responsabilidade da SESAI, fazendo uma reestruturação administrativa de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo órgão. Foram revisados os regimentos internos do Conselho Distrital e dos Conselhos Locais de Saúde, e aprovada a criação de duas novas regiões administrativas no Murupu e Serra do Sol.

Colaboração:  Paulo Daniel, Pastoral Indigenista da Diocese de Roraima.

Boa Vista-RR, 28 de novembro de 2012.

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