Blog Especial – Associação Estadual dos Direitos das Comunidades Indígenas do MS: caminhando de mãos dadas com a Famasul e o agronegócio

Danilo Oliveira, o índio terena presidente da Associação Estadual dos Direitos das Comunidades Indígenas do Mato Grosso do Sul

O terena Danilo de Oliveira acusa parentes de comprarem armas no Paraguai, considera a agricultura familiar ultrapassada e defende o agronegócio como solução para os povos indígenas, que devem caminhar lado a lado com os ruralistas

Tania Pacheco – Combate ao Racismo Ambiental

No dia 12 de janeiro, a revista virtual Semana Online,de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, publicava reportagem com título  “Mais lenha na fogueira”, de autoria de Victor Barone. No dia seguinte, 13, a matéria seria divulgada com destaque por outro saite do estado – eamambai, da cidade de Amambaí. Na reportagem original, belas fotos (inclusive do cacique Ládio Verón) e declarações diversas sobre a questão indígena no MS, tendo como gancho o Relatório da antropóloga Alexandra Barbosa da Silva, publicado no Diário Oficial da União do dia 8 último: a nova lenha na fogueira.

Meu objetivo aqui não é discutir a reportagem, entretanto. Acontece que, sob o subtítulo “Indenização Integral”, são apresentados três depoimentos. Os dois primeiros são do presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de MS (Famasul), Eduardo Riedel, e do Procurador da República em Dourados, Marco Antonio Delfino. Como seria de se esperar em termos de Famasul, mas não no que toca à Procuradoria, ambos defendem a indenização integral aos atuais ocupantes para a demarcação das terras indígenas.

Como sabemos, isso contraria o artigo 184 da Constituição Federal, que prevê indenização exclusivamente pelas benfeitorias, mas jamais pela terra em si, da qual se apropriaram de diferentes formas. Para tornar possível esse  pagamento, a única solução seria uma mudança na Constituição de 1988, coisa que já foi proposta pela bancada ruralista e está sendo discutida no senado como a PEC 71/2011, em nenhum momento mencionada na reportagem e falsamente defendida como a solução para os conflitos indígenas País afora. 

O Presidente da Famasul na verdade vai ainda mais longe, ao defender a necessidade da definição de “critérios para permitir a expansão de áreas indígenas que, muitas vezes, já são enormes”. Aí ele já está nada sutilmente preparando o terreno para outra PEC, a 215/2000, também ruralista e tramitando na Câmara dos Deputados, que atribuiria ao Congresso a decisão final quanto à demarcação e ampliação dos territórios indígenas…

Mas vamos para a nossa questão central: a visão dos Povos Indígenas. Para isso, a reportagem (que neste trecho baseia-se, é justo dizer, em dados contidos em matéria publicada pela Agência Brasil em 30 de novembro de 2012) cita “o índio terena Danilo de Oliveira”, presidente de uma Associação Estadual dos Direitos das Comunidades Indígenas de Mato Grosso do Sul. E, para nossa surpresa, o teoricamente representante dos diversos povos indígenas do estado defende claramente: “É preciso uma emenda constitucional que permita o pagamento pela terra”. Se os dois primeiros mencionaram vagamente a questão da legislação, na fala do Presidente da Associação Estadual dos Direitos das Comunidades Indígenas de Mato Grosso do Sul a emenda constitucional é citada claramente, só faltando o número, que aqui repetimos: PEC 71/2011.

Quando vi essa declaração pela primeira vez, na versão não tão bem arrumada da Agência Brasil que inclusive postei neste Blog, coloquei na minha agenda mental saber mais sobre a Associação e seu Presidente. Mas a roda viva foi me levando rio abaixo, rio acima, até que seu uso pela matéria da Semana Online me trouxe de novo a questão. E, na falta de outros processos investigativos mais complexos, recorri mesmo ao já quase velho Google.

Meu primeiro critério de busca foi o que normalmente uso nesses casos: o nome da Associação Estadual dos Direitos das Comunidades Indígenas do MS. Apareceu uma página de links, incluindo os da matéria acima citada, o da Agência Brasil e o deste Blog, juntamente com uma maioria absoluta de revistas online, saites, jornais e, até, da Assembleia Legislativa, todos do Mato Grosso do Sul.  Sobre a Associação mesmo, sequer uma palavra, exceto por uma expressão que a seguia quase como um pré-nome: “o índio terena Danilo de Oliveira, Presidente da”. Inverti a busca, colocando como palavra chave “o índio terena Danilo de Oliveira”. Apareceram as mesmíssimas matérias! Mais curioso, entretanto, é que todas têm datas a partir do final de novembro de 2012 e envolvem precisamente quatro notícias, repetidas em geral com a mesmíssima redação. Deixemos de lado a original da Agência Brasil e as suas repostagens, assim como a reportagem da Semana Online, e fiquemos com as outras duas, que curiosamente tiveram uma larga disseminação, em geral com o mesmo texto ou, no máximo, com alguma variação ou corte.

A primeira é um  texto de Cristina Viduani – Denúncia de armamento pesado em aldeia indígena pode levar à abertura de CPI em MS -, publicado no dia 29 de novembro de 2012 pela RBVNews com bastante destaque. A matéria tem ainda a  chamada “Segundo denúncia, haveria armamento pesado escondido em aldeia de Dois Irmãos do Buriti”. E diz que o deputado Marcio Monteiro (PSDB) teria dado entrada na véspera, 28/11, num requerimento para abertura de uma CPI para investigar denúncia feita da tribuna da Assembleia Legislativa pelo “índio terena Danilo de Oliveira”. Qual a denúncia? Cito:

Entrada da Aldeia Buriti, onde armamento pesado estaria supostamente escondido – Legenda e Foto da RBVNews

“O presidente da Associação Estadual dos Direitos Indígenas de Mato Grosso do Sul, o índio terena Danilo de Oliveira denunciou aos parlamentares, no dia 12 de novembro passado, sobre a possibilidade de um conflito armado entre produtores e índios na região de Dois Irmãos do Buriti. Segundo ele, alguns índios estariam comprando armamento pesado no Paraguai para se preparar para o embate”.

Danilo Oliveira teria ainda acrescentado: “Isso nos preocupa porque estamos em uma campanha imensa, para que a gente possa estar conciliando de uma forma pacífica os interesses indígenas e dos produtores e, entendemos, que uma atitude  dessa forma pode colocar em risco tudo aquilo que as autoridades vêm buscando”.  Seguem fotos e declarações de deputados, até que, mais adiante, nosso protagonista volta à cena: “Danilo disse ainda existir a necessidade de alterar a Constituição Federal para permitir a compra de terras pela União para a questão fundiária indígena” (voltamos à PEC 71/2011!).

Na parte final, a repórter informa que “os líderes Alberto França Dias e Percedino Rodrigues, da reserva indígena Buriti, também estiveram na Assembleia Legislativa, na semana seguinte, para se defender das acusações de que os indígenas estariam se armando para enfrentar produtores rurais”. Não convenceram os deputados, pelo visto, já que o pedido de CPI foi encaminhado.

Uma menção que optei por considerar em separado seria feita no dia seguinte, 30 de novembro. Curiosamente, “o índio terena Danilo de Oliveira” aparece no blog da AJI, Ação de Jovens Indígenas, na matéria Lideranças indígenas acreditam em avanços nas negociações para fim de conflitos. Agora, entretanto, ele tem um outro título. Cito: “Para o presidente estadual de Direito das Comunidades Indígenas, Danilo de Oliveira, a negociação é válida, mas os índios devem ter autonomia. ‘Temos os órgãos de proteção, mas eles não podem falar por nós. Não precisamos de interlocutores’, afirmou”. [Grifo deste blog].

Mas passemos finalmente para a segunda das notícias amplamente divulgadas pelos meios de comunicação de Mato Grosso do Sul, agora no dia 6 de dezembro de 2012. Estranhamente (será?), a reportagem foi distribuída pela Federação da Agricultura e Pecuária de MS, a Famasul, conhecida adversária das reivindicações indígenas. O título não poderia ser mais interessante: “O índio quer participar do agronegócio, afirma terena“.

Nela, o mesmo Presidente da Associação Estadual dos Direitos das Comunidades Indígenas do MS afirma, entre outras coisas, que “Agricultura familiar é um retrocesso para o indígena” . (…) “Vivemos em uma época diferente dos nossos avós, e para isso é preciso poder econômico”. (…) “Não conseguiremos universidade para os nossos filhos, casas e carros, se continuarmos apenas com agricultura familiar. É preciso ampliar”.

Com total apoio do Presidente da Famasul, igualmente presente na matéria, “o índio terena Danilo de Oliveira” vai além: “Os grupos de trabalho formados pela Funai (para demarcação de novas áreas indígenas) só servem para movimentar milhões de reais por meio da máfia da diária. Digo isso porque desconheço ações da Fundação que tenham beneficiado os nossos indígenas”.

E as declarações do Presidente da Associação Estadual dos Direitos das Comunidades Indígenas do MS culminam com uma pérola, na qual menciona novamente a denúncia feita quase um mês antes: “Na história, sempre que o governo deu as costas para o índio, foi o produtor rural quem o apoiou. Não acho inteligente o que vejo, já ouvi falar em índio com armamentos pesados. É necessária a paz no campo, com o índio e produtor caminhando juntos”.

Só me resta encerrar este texto. Não tenho mais nada a dizer.

Comments (2)

  1. Representa a todos? Quando todos não se sentem representados!

    Quando uma pessoa representa uma comunidade ou um povo, uma decisão que envolve a todos deverá ser tomada em consenso, através da consulta aos demais. Mas se este representante toma todas as decisões sozinho, aí representará um sério perigo, inclusive quando envolve fatos que não são verdadeiros. Neste caso, muitos serão prejudicados, e este terá que ser afastado, pois os prejuízos poderão ser para todos os que neles confiaram.
    Todos nós sabemos que a senadora Kátia Abreu participou assiduamente em desenvolver estratégias para minar as leis do pais em relação ao meio ambiente utilizando o agronegócio como plataforma de ataque, agora está tentando de todas as formas mudar as leis que protegem as terras indígenas.
    A escolha da cidade de palmas não foi uma coincidência, existe a intenção de aproximação dos representantes do Agronegócio, Ministro dos Esportes Aldo Rebelo, que também participou como relatou das mudanças do código florestal, aparecem juntos novamente para ganhar a confiança nativa e tentar uma nova aproximação, neste caso voltamos ao passado, Brasil Colônia, quando os portugueses chegaram as terras indígenas e trouxeram presentes.
    No Brasil de hoje, após muitas tentativas de implantar PECs para fragilizar os direitos indígenas já garantidos pela Constituição Federal diante do Congresso Nacional. Utilizar o esporte para uma nova tentativa de aproximação com tais protagonista é antagônico, muitas etnias estarão presentes no evento, e a história poderá se repetir com o que ainda resta de terras indígenas no Brasil.
    De antemão já esta sendo preparado um terreno propício para uma futura proposta de negociação no Congresso Nacional com a PEC 71/211, “para permitir a compra de terras pela União para a questão fundiária indígena “. Paralelamente, desenrola astuciosamente o que podemos chamar de negociação estratégica.
    Danilo Terena diz que a agricultura familiar está ultrapassada, e denuncia seus próprios parentes, acusando-os de estarem comprando armas no Paraguai e se armando para defender as terras contra supostos invasores, segundo a reportagem de Tânia Pacheco, foi aberta uma CPI para apurar os fatos “os líderes Alberto França Dias e Percedino Rodrigues, da reserva indígena de Buriti, também estiveram na Assembléia Legislativa, na semana seguinte, para se defender das acusações de que os indígenas estariam se armando para enfrentar produtores rurais”, mas não “convenceram” os deputados, pelo visto, já que o pedido de CPI foi encaminhado, a declaração não para por aí, e se entrelaça em outra proposta que se desenrola nos bastidores do agronegócio sob o sob o titulo de “indenização Integral.
    O que os lideres do agronegócio estariam propondo e gostaria que acontecesse, é a fragmentação das aldeias, este pensamento se entrelaça também com o que Danilo Terena estar propondo, mudando o pensamento filosófico indígena, de viver em grupos tribais como seus antepassados, agregando costumes, tradições e modo de vida em famílias, como na agricultura familiar. e se transformarem em empresários do agronegócio, fragmentando-os contradizendo este pensamento, tornando-se uma séria ameaça ao modo de vida indígena, seria o fim dos grupos que ainda restam, pois seriam forçados a se tornarem em meros produtores rurais. Na visão que se tem da filosofia indígena, esta mudança dento de pouco tempo influenciaria uma nova perspectiva em relação à preservação cultural deste povo.

    Antonio Lourenço de Andrade Filho
    Presidente da ACI-KASSAR

  2. A solucao para o conflito indigena e simples:

    Indenizar os proprietarios de boa fe pela terra e benfeitorias e fiscalizar os aldeamentos para que os aproveitadores, os estrangeiros e as falsas ONGS nao so apropriem das areas do nosso territorio.

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