Carta aberta sobre os crescentes ataques aos direitos indígenas no Brasil

Nós, professores, pesquisadores e estudantes de 15 Instituições Públicas de Ensino Superior reunidos no VI Seminário do Laboratório de Estudos em Movimentos Étnicos – LEME/CNPq vimos a público nos manifestar sobre a dramática situação envolvendo os direitos dos povos indígenas no Brasil. Expressamos indignação frente aos recorrentes ataques realizados por setores ruralistas e do agronegócio a esses direitos. Também repudiamos a ação ostensiva de certos veículos da grande mídia, que distorcem insidiosamente informações e procuram produzir percepções e sentimentos contrários aos povos indígenas. Manifestamos grande preocupação com as ações e omissões do Estado Brasileiro, que estão, neste momento, fortemente relacionadas às pressões desses grupos. Tais pressões ameaçam desestruturar os processos administrativos de regularização fundiária, consolidados e amparados pela Constituição Federal.

Lembramos que é dever constitucional do Governo Federal reconhecer, e assegurar, os direitos territoriais dos povos indígenas, regularizando as terras que ocupam tradicionalmente. Estes territórios têm sido alvo de diversos interesses conflitantes, o que provoca situações de tensão e violência continuadas, que têm vitimado indivíduos e grupos indígenas. À medida que as terras indígenas não são regularizadas, o Poder Executivo reforça, por omissão, as situações de agressão.

Por seu turno, a lentidão com que o Poder Judiciário conduz os processos relativos aos conflitos fundiários tem contribuído com a exacerbação de um clima de tensão, cujos efeitos e desfechos revelam-se cada vez mais dramáticos. A título de exemplo, citamos aqui as violências ocorridas durante os conflitos fundiários em Mato Grosso do Sul, redundando no assassinato de indígenas Guarani e Terena; assassinatos estes que, na maioria dos casos, permanecem até hoje impunes.

Observamos, ainda, que existem claras políticas voltadas a esvaziar e deslegitimar o atual órgão indigenista (FUNAI) em suas atribuições de regularizar as terras indígenas. Procede-se de forma tecnicamente impertinente, sugerindo-se que outros órgãos governamentais, que não têm nenhum conhecimento nem preparo técnico para entender as dinâmicas culturais e modos de vida dessas populações, possam assumir essa tarefa. Este esvaziamento das atribuições da FUNAI produz a retirada das responsabilidades do Estado, e um descompromisso com a efetivação dos direitos indígenas, presentes em dispositivos legais como a Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

A postura governamental acaba por reforçar as ações da bancada ruralista no Congresso Nacional, que tem se empenhado em medidas legislativas para retirar do texto constitucional os direitos indígenas que foram conquistados pela primeira vez em cinco séculos de expropriação territorial e extermínio daqueles povos. Entre essas medidas está a proposição de projeto de emenda constitucional (PEC 215) que transfere a competência do Executivo ao Legislativo pela regularização das terras indígenas e dos territórios quilombolas.

Neste cenário de infração aos direitos constitucionalmente assegurados aos povos indígenas, efetivados a partir de uma sistemática administrativa em que a FUNAI é o órgão fundamental, os antropólogos, enquanto peritos profissionais responsáveis por realizarem parte do processo de identificação de terras indígenas, vêm sendo sistematicamente atacados por determinados veículos de comunicação, em um claro processo de desmoralização. Tais ataques são, em parte, determinados pela ignorância do que seja o trabalho pericial de nossa disciplina, mas também se explicam pela aliança desses veículos com os grandes grupos empresariais atuantes no Brasil, em diferentes setores econômicos.

A produção sistemática de boatos e temores infundados colaboram para criar um clima de animosidade contra a execução desses trabalhos, contribuindo para disseminar a idéia de que a presença e os direitos territoriais indígenas são uma fabricação mentirosa que atende a interesses escusos e atenta contra a soberania nacional. Dessa maneira flagrantemente parcial, a grande mídia brasileira acaba por criminalizar a regularização fundiária de terras habitadas por populações indígenas no país, produzindo uma opinião pública desfavorável aos direitos dos indígenas.

Contrariamente ao conteúdo desses boatos, salientamos aqui que o lugar que a Antropologia ocupa nesses estudos é o do exercício público do conhecimento científico, voltado para a consecução de direitos civis e políticos, que são uma meta que a sociedade brasileira colocou para o Estado quando da elaboração da Constituição Federal de 1988. Trata-se, antes de tudo, de um compromisso científico radical com a verdade, construído na prática, à luz dos princípios epistemológicos próprios às ciências sociais, por procedimentos objetivos de investigação, demandados em processos administrativos de regularização territorial devidamente regulamentados por diplomas legais.

Denunciamos, portanto, esta situação, e chamamos a atenção da Sociedade Brasileira e dos Poderes Públicos para a defesa dos Povos Indígenas, que constituem parte fundamental da população do país e cujos direitos devem ser por todos observados.

Natal, 07 de Junho de 2013.

SIGNATÁRIOS:

Professores:

  • Alexandra Barbosa da Silva (Universidade Federal da Paraíba)
  • Amanda Marques (Instituto Federal de Alagoas)
  • Ana Flávia Moreira Santos (Universidade Federal de Minas Gerais)
  • Antônio Carlos de Souza Lima (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
  • Carlos Guilherme do Valle (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Edmundo Pereira (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Edson Silva (Universidade Federal de Pernambuco)
  • Edviges Ioris (Universidade Federal de Santa Catarina)
  • Estêvão Palitot (Universidade Federal da Paraíba)
  • Fábio Mura (Universidade Federal da Paraíba)
  • Fátima Martins Lopes (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Glauco Fernandes Machado (CESREI; Leder – Universidade Federal de Campina Grande)
  • Hosana Santos (Universidade Federal de Pernambuco)
  • José Augusto Laranjeiras Sampaio (Universidade do Estado da Bahia)
  • Juliana Barreto (Universidade Federal de Alagoas)
  • Kelly Emanuelly de Oliveira (Universidade Federal da Paraíba)
  • Lígio de Oliveira Maia (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • João Pacheco de Oliveira (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
  • José Gabriel Correa (Universidade Federal de Campina Grande)
  • Juciene Ricarte Apolinário (Universidade Federal de Campina Grande)
  • Marcos Alexandre dos S. Albuquerque (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
  • Maria Regina Celestino de Almeida (Universidade Federal Fluminense)
  • Maria Rosário Carvalho (Universidade Federal da Bahia)
  • Mariana Balen Fernandes (Universidade Federal da Bahia)
  • Nivaldo Aureliano Leo Neto (Universidade Federal da Paraíba)
  • Orlando Sampaio Silva (Universidade Federal do Pará)
  • Rita de Cássia Neves (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Rodrigo Grünewald (Universidade Federal de Campina Grande)
  • Rozeane Albuquerque Lima (Universidade Federal de Campina Grande)
  • Ruth Henrique da Silva (Universidade Federal da Paraíba)
  • Sidney Clemente Peres (Universidade Federal Fluminense)
  • Siloé Amorim (Universidade Federal de Alagoas)
  • Silvia Martins (Universidade Federal de Alagoas)
  • Vânia Fialho (Universidade de Pernambuco)

Estudantes:

  • Alexandre Dantas dos Santos (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Allyne Dayse Macedo de Moura (Universidade Estadual do Rio Grande do Norte)
  • Ana Flávia Bezerra Rocha (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • André Felipe dos Santos (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Carolina Barbosa de Albuquerque (Universidade Federal de Campina Grande)
  • Caroline Leal Dantas do Nascimento (Universidade Federal da Paraiba)
  • Clarissa Machado Pais (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Cláudio Rogério dos Santos (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Cristiane Mirelle Araújo Santos (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Cyro Holando de Almeida Lins (Université de Tours/UFRN)
  • Darllan Neves da Rocha (Universidade Federal da Paraíba)
  • Darllin de Araújo Caetano (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Diego Bruno Oliveira de Andrade (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Edleuza Cris Silva Tomaz (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Erika Catarina de Melo Alves (Universidade Federal da Paraíba)
  • Fabiano Lucena de Araújo (Universidade Federal da Paraíba)
  • Fernanda da Costa Côrtes (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Flávia Maria Silva Vieira (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Gilvan Veiga Barbosa Neto (Universidade Federal de Campina Grande)
  • Heloisa Eneida Cavalcante (Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco)
  • Herison Pedro Mateus de Souza (Faculdade Estácio do Rio Grande do Norte)
  • Jairo de Souza Moura (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Jamilly Rodrigues da Cunha (Universidade Federal de Pernambuco)
  • Jéssica Emanuelli Pereira da Cunha (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Jhéssika Angell Alves e Silva (Universidade Federal de Campina Grande)
  • Juliana Ribeiro Alexandre (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Karol Wojtyla Lima dos Santos (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Keila Silva de Sousa (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Lara Erendira Almeida de Andrade (Universidade Federal da Paraíba)
  • Larissa de Azevedo Freitas (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Ligia de França Carvalho Fonseca (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Lívia Freire da Silva (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Luana Karla Fernandes Félix (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Luciere Cavalcante da Silva (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Maria Angela Bonifacio (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Maria da Penha da Silva (Universidade Federal de Pernambuco)
  • Maria do Carmo da Silva Medeiros (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Maria Gorete Nunes Pereira (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Maribel Alves (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Marielly Oliveira Paiva (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Marina de Lourdes Soares Araújo (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Marlla Suéllen de Melo Dantas (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Patricia Wanessa de Morais (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Paulo Gomes de Almeida Filho (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Poliana Brito de Paula (Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte)
  • Rafael Leal Matos (Universidade Federal de Campina Grande)
  • Raquel Ferreira Barbalho (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Ristephany Kelly da Silva Leite (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Ronaldo Santiago Lopes (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Virginia Katia de Araujo Souza (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
  • Williane da Silva Vilar (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

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