Neste dia podre, quero notícias do Paraná!

PROTESTO-GUAIRA47

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

Desde que acordei hoje, bem cedo, busco alternativas para ter notícias do Paraná. Na realidade, mais precisamente de um de seus municípios, Guaíra. O saite da Prefeitura está comportado, depois do puxão de orelhas que o Prefeito levou do Ministério Público para anular seu decreto de anteontem, que decretava ponto facultativo hoje, para que seus funcionários pudessem comparecer à “grande festa ruralista”. Em compensação, o Portal Guaíra está repleto de fotos que vão sendo acrescidas de outras como esta acima, desde cedo. O fotógrafo assina todas, e o repórter que cuida de postar alguns comentários recebe elogios, orgulhoso.

Como, então, estou dizendo que quero notícias do Paraná? E de Guaíra, principalmente?

Quero notícias de um menino de 16 anos que deve estar sendo enterrado hoje, talvez, na Tekoha Jevy. Um adolescente chamado Emerson Galeano, nascido em 14 de agosto de 1996, que a mesma sociedade que é fotografada com suas faixas e caminhões fazendo festa nas ruas “suicidou”…

Responsabilizo, sim, Guaíra por esta morte. Responsabilizo os racistas que levaram Emerson Galeano a ficar cada dia mais “apático e quieto”, no dizer de seu Pai, Seu Teodoro. Responsabilizo as pessoas que o levaram a explicar que “estava sendo vítima de preconceito na escola” em que estudava, na cidade. A mesma escola para a qual seus 16 colegas indígenas se recusam a voltar, a partir de hoje cedo, temendo represálias. Represálias que com certeza viriam, de uma forma ou de outra.

As lideranças estão cautelosas e preocupadas. As Tekohas mais distantes podem de alguma forma se fechar em si mesmas, ainda que precariamente, como a violência crescente nos demonstra. Mas Jevy faz parte de território invadido pelos brancos. Tão invadido e desrespeitado, que o Portal Guaíra a chama de “Aldeia da Vila Eletrosul”, na pequena notícia que dedicou ao menino enforcado.

Quero notícias e, ao mesmo tempo, tenho medo de recebê-las, à medida em que olho os rostos arrogantes nas fotos de Guaíra; em que vejo o próprio Midiamax dar como manchete “Com tendas e almoço, protesto de ‘luxo’ dos pecuaristas surpreende em MS”, com a cara irada da senadora ruralista discursando; em que publicamos o protesto da Regional Sul do Cimi, denunciando o apoio do governo de Santa Catarina aos ruralistas; e as declarações raivosas de Quartiero e outros, numa Roraima isolada do Brasil e da América Latina.

Fomos inundados literalmente, desde a noite de ontem, com notícias sobre a violência em São Paulo. Agora mesmo, há ainda diversas notícias, comentários, textos e vídeos que simplesmente não serão postados, embora o boletim desta manhã tenha tido quase todo o seu espaço dedicado à truculenta ação policial. Mas – confesso – meu coração passou quase todo o dia de hoje angustiado com outro tipo de violência e de marginais.

Como permitimos que este País chegasse a isto? Como permitimos que a Constituição venha sendo ignorada, desrespeitada, rasgada, pelo governo de um partido que grande parte de nós lutou para criar e para levar à Presidência da República?

Já morei no Paraná, exatamente durante a ditadura e por cinco anos de uma espécie de exílio no próprio País. Aprendi a gostar de mate, de pinhão, das araucárias, da história da gralha azul. Curiosamente, embora viajasse de tempos em tempos, não conheci nenhum indígena.

Continuo a ter alguns amigos por lá, inclusive conhecidos recentes, como a turma da agricultura familiar de Lajes. Olho, entretanto, essas fotos, e elas só me causam náusea. Como sei que causariam, igualmente, aos poucos amigos que lá mantenho e a um novo, com quem estou construindo ainda uma cumplicidade política.

Mas, acima de tudo, gostaria mesmo, neste dia podre, era de ver meus irmãos indígenas, seja da Tekoha Jevy, seja da TI Buriti, de Raposa Serra do Sol, do Teles Pires, da Lagoa Encantada… Acho que queria, acima de tudo, ver o sorriso largo de Babau nos dando coragem e afastando todo esse pesadelo! Queria, enfim, não estar sentindo tanta vergonha de ser brasileira.

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