Conjuntura da Semana. 2013: Uma agenda regressiva? O ano dos movimentos sociais?

A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia. Eis a análise.

Cenários para 2013. Agenda regressiva versus ascenso das lutas sociais

O ano de 2012 foi regressivo quando olhado sob a perspectiva dos movimentos sociais. Na área social, ambiental, econômica e política, a agenda se fez mais de permanências e retrocessos do que avanços.

O ano de 2013 anuncia mais do mesmo. O foco central permanece na economia como meio e fim na estratégia governamental de inclusão social. A concepção do modelo em curso sugere a inclusão via mercado. Já não se trata de um modelo de transformação, via reformas estruturais, mas de aderência à lógica produtivista-consumista e mitigação da pobreza via programas e políticas sociais compensatórias.

A primeira agenda oficial de Dilma Rousseff em 2013 é portadora dessa simbologia. A presidente começou o ano recebendo alguns dos principais empresários e executivos do país. Dilma optou em começar o ano ouvindo o capital e não o movimento social. Faz sentido. Dilma nunca escondeu que sua prioridade é a economia. 

A reunião no dia 10 de janeiro com os pesos-pesados da economia nacional acontece em uma conjuntura de retração do PIB e de ameaças de racionamento de energia. O primeiro ato oficial de Dilma no ano contém um “recado” ao país: o governo não medirá esforços em utilizar todos os instrumentos possíveis para retomar o crescimento econômico, inclui-se aqui a preocupação com a problemática energética.

Não houve e não haverá agenda para ouvir o conjunto dos movimentos sociais. A centralidade e prioridade do governo é a economia: retração do PIB, desindustrialização, equilíbrio fiscal, garantia do superávit primário, metas da inflação, controle da taxa de juros. Como destaca o economista Carlos Lessa, “o Brasil continua fazendo uma política prioritariamente de estabilização, não de desenvolvimento, embora adote o discurso do desenvolvimento”.

A prioridade para 2013 é a economia. A economia em primeiro lugar e a política em segundo – cuidados e arranjos com a base de apoio, manutenção da coalizão dos partidos e agrupamentos que dão sustentação ao governo. Na área do social, a prioridade e ‘menina dos olhos’ da presidente continuará sendo o Brasil Carinhoso, programa de complementação ao Bolsa Família.

Temas estruturantes do social como saúde, educação, saneamento, moradia, Reforma Agrária, demarcação de terras indígenas, questão ambiental, entre outros, estarão presentes na retórica discursiva-política, mas não necessariamente se traduzirão em políticas efetivas de governo. Esses temas entrarão na agenda proporcionalmente à capacidade de pressão do movimento social.

O tema social estruturante de que mais se ocupará o governo será o mercado de trabalho, como manter ascendente a oferta de empregos formais – justificação da prioridade da agenda econômica. Mas mesmo aqui, é importante o registro de que de cada 10 empregos formais criados nos últimos anos, 09 tem rendimento máximo de 03 salários mínimos. O Brasil com o processo de desindustrialização em curso corre o risco de moldar uma estrutura ocupacional fundada no “precariado”, conceito sociológico que dá conta de um contingente enorme da classe trabalhadora permanentemente espremida entre o aumento da exploração econômica e a ameaça da exclusão social.

Há ainda outras duas más notícias: 2013 poderá ser marcada por uma forte ofensiva patronal contra as conquistas trabalhistas – projetos de lei propondo a flexibilização de direitos deverão retornar à pauta do Congresso e o agronegócio ganhará ainda mais força com a eleição do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN) para a presidência da Câmara dos Deputados. O deputado é um aliado histórico dos ruralistas e recolocará em pauta no Congresso os projetos de interesse do agronegócio.

As reformas estruturais na área do social não se encontram no horizonte da agenda de 2013. Ainda pior, não estão descartados retrocessos. A agenda na economia, na política e no social prenuncia-se conservadora. Dialeticamente, porém, 2013 pode ser o ano de retomada e crescimento das lutas sociais. A impostação da agenda do social poderá vir por um lado, pela inércia do governo na área e, por outro, pela capacidade de articulação e mobilização do movimento social.

2013 sinaliza para o ascenso das lutas sociais. A CUT planeja para o ano marcha em Brasília diante do alerta de retrocesso na pauta do mundo do trabalho; os professores da rede pública do ensino médio de todo o país prometem greve para os próximos meses; o MST dá indicativos de que irá radicalizar suas ações diante dos resultados pífios da Reforma Agrária; as organizações indígenas, com a retomada da PEC 215 por parte do agronegócio, deverá intensificar sua mobilização; as lutas urbanas com as mega-obras excludentes da Copa do Mundo deverão ganhar força; o movimento ambientalista continuará com suas ações tendo como referência os temas da matriz energética e da flexibilização da legislação ambiental.

O ano que se inicia anuncia uma agenda regressiva nos temas sociais, mas também anuncia uma retomada das lutas do movimento social.

Reforma Agrária. Da estagnação para a regressão

A agenda da Reforma Agrária encontra-se estagnada e vem regredindo no governo Dilma Rousseff. Ao longo dos últimos 20 anos, o governo Dilma é o que menos desapropriou imóveis rurais para fazer reforma agrária.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), “no ano de 2012, o Brasil assistiu a Reforma Agrária alcançar os seus piores indicadores em décadas. Enquanto do outro lado, o Agronegócio se consolidou como o modelo preferencial do Governo Dilma para o campo, priorizado por diversas políticas públicas, inclusive com financiamentos oficiais de elevadas proporções”. De acordo com a CPT, “se continuar no mesmo ritmo de 2012, o Brasil precisará de mais 50 anos só para assentar a demanda atual de famílias sem terra acampadas”.

Ainda segundo a CPT, “outra decepção foi com relação às áreas de assentamentos já existentes, declaradas como prioridade pelo governo Dilma”. A CPT diz que “faltou política de Estado (crédito, habitação, infraestrutura, parcelamento, etc) e para a maioria dos assentamentos não foram liberados recursos para os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDAs) – ferramenta principal para obtenção de créditos de investimentos e produção”.

Por outro lado, diz a organização, “a pauta da Reforma Agrária do governo caminhou em um ritmo inversamente proporcional à velocidade e intensidade do agronegócio. A permissividade irrestrita concedida à bancada ruralista dominou internamente o governo e fez paralisar não só o Incra, mas tudo aquilo que pudesse interferir em seus interesses”.

Segundo a CPT, “lamentavelmente, a opção do Governo pelo agronegócio está consolidada e é demonstrada tanto através do discurso político da maioria dos ministérios como pela forte liberação de recursos para as grandes empresas do setor”. O agronegócio, afirma, “se instala onde deseja e o Estado brasileiro oferece todas as condições para isso, mesmo em áreas destinadas para a conservação da biodiversidade, terras indígenas ou de populações tradicionais diversas, ainda que o discurso oficial algumas vezes afirme o contrário”.

A hegemonia do agronegócio é segundo João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, o grande entrave para se alterar a estrutura agrária brasileira. Segundo ele, “85% de todas as melhores terras do Brasil são utilizadas apenas para soja/ milho, pasto e cana-de-açúcar”. Stedile destaca que “apenas 10% dos proprietários rurais, os fazendeiros que possuem áreas acima de 500 hectares, controlam 85% de todo o valor da produção agropecuária, destinando-a, sem nenhum valor agregado, para a exportação”.

“O agronegócio reprimarizou a economia brasileira”, afirma João Pedro para quem “somos produtores de matérias-primas, vendidas e apropriadas por apenas 50 empresas transnacionais que controlam os preços, a taxa de lucro e o mercado mundial”. Surpreendentemente em 2012, o Brasil precisou comprar feijão preto da China, comenta Roberto Smeraldi.

Na opinião de Alexandre Conceição, também da coordenação nacional do MST, “o governo Dilma é refém dessa aliança com o agronegócio, que é o latifúndio modernizado, que se aliou com as empresas transnacionais. O governo está iludido pela proteção que a grande mídia dá a essa aliança e com os saldos na balança comercial”.

Esse modelo, diz Stedile “é insustentável para o meio ambiente, pois pratica a monocultura e destrói toda a biodiversidade existente na natureza, usando agrotóxicos de forma irresponsável. O resultado é que o Brasil responde por apenas 5% da produção agrícola mundial, mas consome 20% de todos os venenos do mundo”, afirma.

O problema é que o governo não demonstra disposição para mudar esse quadro. “Infelizmente, não há motivação no governo para tratar seriamente esses temas. Por um lado, estão cegos pelo sucesso burro das exportações do agronegócio, que não tem nada a ver com projeto de país, e, por outro lado, há um contingente de técnicos bajuladores que cercam os ministros, sem experiência da vida real, que apenas analisam sob o viés eleitoral ou se é caro ou barato”, diz João Pedro Stedile.

Segundo ele, “ultimamente, inventaram até que seria muito caro assentar famílias, que é necessário primeiro resolver os problemas dos que já têm terra, e os sem-terra que esperem. Esperar o quê? O Bolsa Família, o trabalho doméstico, migrar para São Paulo”? O governo está prometendo que em 2013 irá acelerar as desapropriações.

A regressividade da agenda social no mundo rural acompanha também as populações tradicionais. A falta de prioridade não atingiu apenas os sem-terras, mas também as comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas, pescadores tradicionais, bem como os agricultores e agricultoras que sofrem os efeitos de uma seca de dimensões insuportáveis, principalmente no Nordeste.

As esperanças de retomada da agenda dos povos do campo e tradicionais encontram-se no movimento social. Um fato alentador foi a realização em agosto de 2012, do Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas, que reuniu cerca de 7 mil pessoas em Brasília. A perspectiva que se apresenta para 2013 é de que os povos do campo coloquem em marcha as lutas unificadas e assumam para si a responsabilidade da Reforma Agrária e da defesa dos territórios das comunidades tradicionais ameaçadas pelo capital.

Povos indígenas ‘entraves’ ao modelo de desenvolvimento

Se por um lado a agenda da Reforma Agrária vem aos poucos desaparecendo do horizonte do governo, a questão indígena sequer entrou na agenda da esquerda brasileira no poder. “Retrocedemos muito neste período. Se antes lutávamos pelo cumprimento dos nossos direitos, hoje lutamos para não perder esses direitos reconhecidos na Constituição”, lamenta Sônia Guajajara, coordenadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Em média, os governos dos presidentes Lula e Dilma homologaram menos terras, em número e extensão, do que os antecessores José Sarney, Fernando Collor de Melo, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, destaca reportagem do Brasil de Fato.

Na avaliação dos defensores dos direitos indígenas, a razão para este retrocesso está na opção de modelo desenvolvimentista para o campo e para as ?orestas adotado pelos governos nesta última década. “Pela origem do governo ligado aos movimentos sociais, o movimento indígena criou muita expectativa, mas ele fez uma aliança com os latifundiários e as mineradoras, deixando os nossos interesses de lado”, lembra Rildo Kaingang, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

Uma amostra do descaso é a demonstração da execução do orçamento indigenista, ao longo do último ano. Segundo, Roberto Antonio Liebgott da Coordenação do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, “programas e ações fundamentais para a garantia da vida dos povos indígenas tiveram uma pífia execução de seus recursos”. Ainda na sua análise, “a falta de uma atuação mais decisiva por parte do governo no tocante às demarcações é demonstrada pelas 339 terras indígenas que ainda encontram-se sem nenhuma providência por parte do poder público. Fica mais clara ainda a negligência se olharmos apenas para o ano de 2012 quando apenas sete terras indígenas foram homologadas pela presidente da República”.

Enquanto o governo Dilma investe em grandes obras, contingenciando os recursos orçamentários imprescindíveis para assegurar dignidade e atendimento adequado à população indígena, agravam-se os problemas de saúde e precarizam-se as já escassas estruturas existentes destaca o membro do Cimi.

Roberto Antonio Liebgott que integra a equipe do Cimi-RS, comenta que “ao fazer uma retrospectiva da política indigenista em 2012 constata-se a absoluta falta de disposição política, por parte do governo Dilma, para que os programas e projetos que beneficiem as comunidades indígenas sejam efetivamente executados. Tal fato estimula a cobiça de segmentos econômicos e políticos que ambicionam a exploração das terras indígenas e seus recursos ambientais, hídricos e minerais. O desenvolvimentismo proposto pelo governo visa essencialmente fortalecer os grandes conglomerados econômicos independentemente dos povos, culturas, pessoas e do meio ambiente”.

O integrante do Cimi dá as indicações para os desafios de 2013: “Há grandes desafios a serem enfrentados pelos povos e suas organizações: entre eles, o de apresentar as demandas, mobilizar-se em torno delas para que efetivamente sejam acolhidas e transformadas em políticas públicas, assegurando sua participação em todas as etapas; e o de pressionar o poder público para que as terras sejam efetivamente demarcadas, protegidas, estando na posse e usufruto assegurados aos povos e comunidades”.

Sem que isso aconteça, diz ele, “não é possível vislumbrar o efetivo combate às violências, ao descaso, à omissão e à dependência de políticas?paliativas e compensatórias. Sem isso, na hora de discutir políticas públicas os povos indígenas serão tratados como ‘entraves’ num modelo de desenvolvimento sem garantias, que privilegia alguns setores e penaliza muitos”.

Política habitacional. A urbanização ‘sem cidade’

Até mesmo a política habitacional destacada como um dos avanços dos últimos anos precisa ser problematizada. Na opinião de Francini Hirata, cientista política da Unicamp, o programa Minha Casa, Minha Vida está longe de ser exemplar e antes de favorecer os mais pobres beneficia, sobretudo, as incorporadoras, imobiliárias e empreiteiras. Mais grave: o programa se constitui na chamada ‘urbanização sem cidade’, ou seja, a instalação de conjuntos habitacionais sem infraestrutura adequada.

Segundo Francini Hirata, “a partir do momento do anúncio do programa, ocorreu quase que imediatamente uma elevação escandalosa dos preços dos imóveis e da terra em todo o país”. A cientista política da Unicamp comenta ainda que no programa não estão sendo priorizadas as famílias com renda familiar de 0 a 3 salários mínimos, que é a faixa onde se concentra 90% do déficit habitacional. Na entrevista ao sítio do IHU, ela explica que houve avanços em termos de construções de unidades habitacionais, mas alerta para a armadilha dos cálculos meramente econômicos e quantitativos.

Hirata destaca que “se os últimos relatórios apontam a entrega de quase um milhão de moradias, é preciso sublinhar, em contrapartida, a morosidade na entrega para as famílias com renda de até R$ 1,6 mil mensais – faixa onde se concentra o déficit habitacional – além do fato de haver uma concentração dessa entrega nas faixas de maior renda”. Diz ela: “Se compararmos as obras a partir de outubro de 2011, segunda fase do programa, os dados são alarmantes: 1,9% de unidades contratadas foram entregues para a faixa de renda de R$ 1,6 mil contra 50% na faixa entre R$ 1,6 mil e R$ 5 mil mensais, o que corresponde a 4.475 unidades contra 267.453”.

A crítica mais contundente de Hirata, entretanto, é de que “o programa [Minha Casa, Minha Vida]  é parte da contribuição do poder público para a consolidação do padrão periférico de urbanização, através da construção de grandes conjuntos habitacionais nas periferias metropolitanas sem proporcionar a infraestrutura necessária, constituindo a chamada ‘urbanização sem cidade’, ou seja, a instalação de conjuntos habitacionais em áreas distantes e desarticuladas do conjunto estruturado da cidade, com inexistência ou insuficiência de transporte público e saneamento, perpetuando as características do território segregado”.

Um dos sucessos do programa é a geração de emprego, mas mesmo aqui a pesquisadora chama a atenção: “É preciso salientar a permanência de péssimas condições de trabalho em canteiros de obras por todo o país. O programa desenvolveu-se sem garantias sobre questões salariais ou sobre o tipo de contrato de trabalho que seria adotado: as grandes construtoras e empreiteiras têm terceirizado e subcontratado serviços sem capacidade de fiscalizá-los, reafirmando uma tradição de desrespeito aos direitos básicos do trabalhador”.

Na mesma linha de raciocínio, Gilvander Luís Moreira, frade carmelita, e militante da luta popular pela moradia comenta: “os governos têm sido mais do que omissos. Têm sido cúmplices da bárbara injustiça que padece sobre milhões de famílias empobrecidas nas cidades. As grandes cidades estão sendo tratadas como empresas. Por isso, competem entre elas para ver qual atrai mais empreendimentos do capital. A especulação imobiliária assola as cidades”.

Saúde e Educação. Avanços tímidos, desafios enormes

A saúde e a educação, dois temas centrais na agenda da inclusão social, avançam de forma tímida, quase imperceptível.

Na área da educação, os indicadores apontam avanços no ensino superior, porém, na base da pirâmide – ensino básico e médio – os resultados são indigentes. Os resultados do Ideb são o retrato dessa tragédia.

Quando o ex-presidente Lula assumiu o governo federal, em 2003, a expectativa dos movimentos sociais da educação era de que ele promoveria uma mudança histórica no setor. Esperava-se que Lula avançasse numa reforma educacional que priorizasse o ensino público de qualidade para todos. No entanto, apesar de ter um caráter mais democrático e dialogar com os movimentos sociais, as ações do governo Lula não produziram uma transformação efetiva em relação às administrações anteriores que contemplasse as demandas do setor. Esta é a avaliação de entidades e especialistas ligadas aos movimentos sociais. O quadro com Dilma não difere.

Os avanços alcançados são resultantes da luta social, porém, insuficientes. Destacam-se aqui a implantação do piso unificado nacional e a ampliação da percentagem do PIB destinado à Educação. No caso do piso salarial profissional nacional do magistério (PSPN) há uma luta titânica em relação aos valores e que esse piso seja efetivado em todo o território nacional, realidade ainda distante de acontecer.

Em relação ao investimento na Educação, o movimento social defende a utilização de 10% do PIB, porém, o limite aceito pelo governo é de 7%. O movimento pede ainda a utilização de recursos de royalties do petróleo para a Educação. Uma das reivindicações é a utilização de 50% dos recursos do pré-sal como forma de superar o déficit educacional no país. Recentemente a presidente Dilma manifestou posição favorável à destinação para o setor da educação de todo o recurso dos royalties provenientes da exploração do petróleo em campos ainda não licitados.

Assim como na Educação, na saúde os déficits são gigantescos. O quadro geral da saúde pública é de caos e o cenário não é nada animador. Na opinião do ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, “uma bomba-relógio ameaça a saúde brasileira”. Segundo ele, “até 2030, haverá mais cidadãos acima de 60 anos do que entre 18 e 49 anos. Com o envelhecimento da população, o número de portadores de doenças crônicas deve aumentar, com inevitável impacto nas contas do SUS”. O ex-ministro alerta ainda que “o País passa por um processo de ‘americanização’ de seu sistema de saúde, com a perda de controle dos gastos causada pela hiperespecialização médica, pela pressão da indústria para o custeio de tecnologias de eficácia duvidosa e a falta de regulamentação do mercado privado”.

Reformas estruturais interditadas pela macroeconomia rentista

Saúde, educação, saneamento, moradia para a população de baixa renda, Reforma Agrária, entre outras políticas sociais estruturantes exigem aporte de muito recurso. Essa possibilidade, entretanto, tem sido interditada pela política econômica do governo que não rompeu com a macroeconomia do ajuste fiscal e rentista.

Quase a metade do orçamento federal de 2013, exatos 42%, está destinada ao pagamento da dívida pública brasileira. Dos 2,14 trilhões de reais, 900 bilhões serão gastos com o “pagamento de juros e amortizações da dívida pública, enquanto estão previstos 71,7 bilhões para educação, 87,7 bilhões para a saúde e 5 bilhões para a reforma agrária”, informa Maria Lucia Fattorelli coordenadora do Movimento Auditoria Cidadã da Dívida em entrevista à IHU On-Line.

Segundo Fattorelli, “o orçamento da União está repetindo a mesma prática adotada há décadas, ou seja, concede absoluta prioridade ao pagamento dos juros e amortizações da dívida pública – interna e externa”. Os valores destinados à dívida ressalta “nunca deixam de ser gastos”. Entretanto, os “valores designados para áreas sociais podem não ser totalmente executados (…) sob a justificativa de garantir o cumprimento da chamada meta de superávit primário, uma reserva orçamentária destinada exclusivamente ao pagamento da dívida pública”.

A auditora fiscal enfatiza que o pagamento da dívida “favorece uma reduzida parcela de rentistas, que, à custa das restrições cada vez maiores aos direitos sociais, têm registrado lucros recordes”. E acrescenta: “A dívida pública se transformou em um mero instrumento do mercado financeiro. Em lugar de servir como meio de obtenção de recursos para financiar o Estado e incrementar as condições de vida de todos os brasileiros, tornou-se um mecanismo de subtração de crescentes volumes de recursos públicos, inviabilizando a destinação de verbas para áreas sociais e provocando a piora nas condições de vida da sociedade em geral, enquanto favorece o setor financeiro”.

Exemplo da subordinação à lógica rentista ficou demonstrada nos últimos dias com os artifícios utilizados pelo governo para atingir a meta de superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida pública.

Opção pelas políticas sociais compensatórias

A opção por um modelo de não enfrentamento à macroeconomia do ajuste fiscal e rentista impede o governo de ser mais ousado na área do social – reformas estruturais – e o empurra a privilegiar políticas sociais compensatórias.

Esse modelo tem condicionado a população pobre do Brasil a permanecer refém de programas de renda. Os programas retiram milhares da indigência e possibilitam uma condição de maior dignidade, porém, não conseguem efetivar a inclusão no mercado de trabalho e não dão conta de incorporar a mesma população num sistema eficiente e de qualidade nas áreas da saúde, saneamento e educação.

Na análise de Vladimir Safatle falta ao governo “um programa para a universalização da educação e saúde pública de qualidade que poderia contribuir, por meio do fortalecimento do serviço público, para a minimização dos efeitos perversos da desigualdade”.

Forçado a gerar superávit primário e condicionado por uma macroeconomia restritiva, o governo ficou refém de um modelo conservador. Na análise do sociólogo Cândido Grzybowski, “o modelo econômico que foi reativado pelos governos do PT aponta as mesmas opções estratégicas de antes: exportações baseadas em ‘commodities’ minerais e agrícolas, agronegócio, grandes projetos sob a liderança de grandes grupos econômicos e financeiros, energia mesmo ao custo de impactos socioambientais, industrialização e consumismo individual como condição”. O projeto desse modelo, destaca o sociólogo José de Souza Martins “é apenas ou sobretudo incluir e integrar, não se trata de superar e de transformar, mas de aderir”.

Política. Hegemonia das forças conservadoras

Há ainda outras condicionantes que impedem o governo de avançar em rupturas e assumir uma agenda mais ousada na área social. A política de alianças é uma delas. Ancorado na tese da governabilidade, o governo faz acordos com forças conservadoras para governar e vê o seu poder de fazer mudanças restringidas por essas forças.

O enorme leque de partidos – amplo, gelatinoso e de espectro ideológico conservador – que se encontra na base do governo Dilma Rousseff é um freio para enfrentar fortes interesses econômicos. O governo se tornou refém dessa lógica. Não consegue enfrentar os interesses do agronegócio, do capital produtivo e financeiro porque em tese necessita deles para poder governar.

A governabilidade é considerada um imperativo para o exercício do poder justifica Tarso Genro, governador do Rio Grande do Sul e respeitado intelectual do PT: “Os governos de coalizão presidencialista no Brasil não são novos. O novo é governantes de esquerda – o presidente Lula e a presidenta Dilma – serem obrigados, pela conjuntura política e pelo sistema legal e partidário do país, a usar esse expediente. A coalizão presidencialista é um expediente político. O que nós temos que responder, em última análise, é se ele é legítimo ou não. Não resta a menor dúvida de que é um expediente, pois essa é a única forma de governar democraticamente – portanto, de governar em maioria”. O sociólogo Francisco de Oliveira tem outra opinião: “Todos no Brasil que preferem manter o status quo usam o argumento da governabilidade”.

O governo de coalizão que reúne e junta forças que querem mudanças com forças atrasadas é uma contradição num governo que adota o discurso da “mudança”. Uma manifestação dessa contradição é o apoio do governo a eleição deHenrique Eduardo Alves (PMDB/RN) para presidir a Câmara dos Deputados. A eleição de Henrique Alves é resultado de um acordo entre o PT e o PMDB no revezamento da presidência da Câmara.

O parlamentar, embora não goste de assumir, é orgânico à base ruralista. No seu estado de origem, o Rio Grando do Norte, está por detrás de um megaprojeto que beneficiará meia duzia de grandes grupos contra centenas de agricultores – o Projeto do perímetro irrigado da chapada do Apodi. Certa vez afirmou que “o governo é ambientalista, mas também é ruralista, é pecuarista”. Os ruralistas apostam em sua eleição para impor sua agenda na Câmara dos Deputados.

O próprio Henrique Eduardo Alves – que nos últimos dias tem sido alvo de uma série de denúncias de corrupção – já sinalizou em reunião com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que agrega 237 parlamentares e 15 senadores que deverá atender as reivindicações dos ruralistas, entre as quais se destacam a constituição de uma comissão especial para analisar a proposta de emenda constitucional (PEC 215), que dá ao Congresso a prerrogativa na demarcação das terras indígenas, a elaboração de um projeto de lei que defina trabalho escravo e a flexibilização da legislação trabalhista rural.

Henrique Alves na presidência da Câmara dos Deputados será um desastre para os movimentos sociais. O Congresso será tomado por uma pauta conservadora subordinada aos interesses do agronegócio.

Um ano para os movimentos sociais?

O cenário para 2013 é o de uma agenda regressiva na área social. A ausência, entretanto, das demandas sociais na agenda do governo ou o tratamento tímido que é dado a essas temáticas, pode desaguar numa retomada das lutas sociais.

2013 sinaliza para o ascenso das lutas sociais. A CUT planeja para o ano marcha em Brasília diante do alerta de retrocesso na pauta do mundo do trabalho; os professores da rede pública do ensino médio de todo o país prometem greve para os próximos meses; o MST dá indicativos de que irá radicalizar suas ações diante dos resultados pífios da Reforma Agrária; as organizações indígenas, com a retomada da PEC 215 por parte do agronegócio, deverá intensificar sua mobilização; as lutas urbanas com as mega-obras excludentes da Copa do Mundo deverão ganhar força; o movimento ambientalista continuará com suas ações tendo como referência os temas da matriz energética e da flexibilização da legislação ambiental.

O ano que se inicia anuncia uma agenda regressiva nos temas sociais, mas também anuncia uma retomada das lutas do movimento social.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/517071–conjuntura-da-semana-21-02-2013

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