Carta Síntese do “Seminário 50 anos de REDUC: ganhos, perdas e danos” e “Moção em repúdio ao Inea e Petrobras e em apoio a Breno Herrera, diretor da APA de Guapimirim”

Nos dias 16 e 17 de setembro de 2011, representantes de movimentos sociais, organizações de pescadores, moradores, sindicatos de trabalhadores, ONGs, entidades ambientalistas, pesquisadores universitários, professores, estudantes e representantes de instituições governamentais do entorno da Baía de Guanabara, especialmente da Baixada Fluminense, estiveram reunidos na cidade de Duque de Caxias (RJ) para discutir os impactos diretos e indiretos das atividades da Refinaria Duque de Caxias (REDUC) e do Pólo Petroquímico.

Entre os objetivos do Fórum esteve a proposição de estratégias/ações de superação das situações consideradas de injustiça ambiental nas áreas afetadas pelo Pólo ou em estado de vulnerabilidade em decorrência dos grandes projetos de “desenvolvimento” em implantação na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ).

O conjunto de propostas apresentadas visa contribuir para a construção e o fortalecimento de processos decisórios mais participativos, que envolvam o controle social das atividades industriais e a promoção de justiça ambiental, entendida como:

“Conjunto de princípios e práticas que asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial, de classe ou gênero suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e
programas federais estaduais e municipais locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas”. (Declaração final do Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e Cidadania, 2001).

Ao longo do seminário os organizadores/participantes puderam constatar que a população das cercanias da Baía de Guanabara, especialmente a mais próxima das unidades industriais, em Duque de Caxias, está exposta a situações de injustiça ambiental e de vulnerabilidade, tais como: habitações precárias, em locais com riscos de enchentes, falta de equipamentos públicos de saúde, de abastecimento regular de água tratada e de outras ações de saneamento. A essas questões se somam os riscos de vazamento de gases e de óleo (como o de 2000), lançamento de efluentes industriais nos
rios e na Baía de Guanabara, contaminação de solos, transporte de cargas perigosas, armazenamento de combustíveis e outros derivados do petróleo, emissões gasosas e exposição a altos níveis de poluição atmosférica, explosões e incêndios (como o ocorrido em 1972), além da dificuldade de inserção em postos de trabalho na Refinaria e outras empresas do Pólo Petroquímico.

O quadro se torna mais complexo no contexto de desenvolvimento das indústrias do petróleo e petroquímica no Estado do Rio de Janeiro, sobretudo após o inicio das atividades de exploração do pré-sal(1) e, em particular, na RMRJ, a partir de investimentos em andamento ou já realizados como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), o Plano de Antecipação da Produção de Gás (PLANGAS), a Ampliação da própria REDUC, o Arco Metropolitano e o Pólo Siderúrgico de Itaguaí/Sepetiba, cujos impactos sobre a economia, o meio ambiente e a sociedade podem atuar sinergicamente com riscos e danos já existentes.

Estas situações têm origem em processos complexos de produção de desigualdades envolvendo relações entre trabalhadores, empresas, sociedade e governos. Elas também refletem o quadro de concentração de poder na apropriação dos recursos naturais e na definição do uso desses recursos que caracteriza a história do país. Em diversas regiões do Brasil são os trabalhadores, os grupos de baixa renda, as populações discriminadas pela sua origem, cor ou etnia que estão mais expostas aos riscos ambientais e que tem menor acesso ao saneamento básico, ao ar puro, a água
potável e a segurança fundiária. A elas é também negada a possibilidade de participar efetivamente das decisões sobre o uso do espaço em que vivem e que influem diretamente na qualidade de suas vidas.

Durante o Seminário ficou evidenciada a desigualdade e a injustiça ambiental vivida pelas populações diretamente afetadas pela indústria do petróleo e petroquímica instalada nas cercanias da Baia de Guanabara que atualmente tem mais de 50% de seu espelho d’agua ocupada pela infra-estrutura petrolífera.

Com vistas a garantir maior controle social e participação da população e grupos diretamente afetados nas decisões relativas às atividades industriais, particularmente relacionadas a indústria do petróleo e petroquímica na Baia de Guanabara, os participantes do Seminário apresentaram e se comprometeram com as seguintes propostas:

1) Construir esta Carta-síntese que reflete as análises, propostas e reivindicações definidas durante o Seminário, inclusive para ser distribuída no informe sindical do SINDIPETRO-Caxias;

2) Elaborar um livro que sistematize as reflexões dos participantes e as propostas do seminário;

3) Internalizar as discussões junto aos conselhos municipais, especialmente do Conselho Municipal de Desenvolvimento da Cidade de Duque de Caxias (CONCIDADE), com vistas a influenciar sua agenda e a discussão das políticas públicas municipais a partir das análises e demandas apontadas durante o Seminário;

4) Reivindicar estudos epidemiológicos no entorno do Pólo Petroquímico de Duque de Caxias para identificar perfis de morbi-mortalidade(2) e possíveis relações com as atividades do Pólo, propondo políticas de saúde a partir desses estudos.

5) Atualizar os estudos de riscos oferecidos pelas empresas do Pólo, suas possíveis sinergias e cenários de acidentes, bem como assegurar a sua divulgação.

6) Reinvidicar processos decisórios e de acompanhamento mais participativos na relação Pólo/comunidade.

7) Atualizar o Processo de Alerta e Prevenção de Emergências em Nível Local (Processo APELL), tornando-o mais crítico e instituir concretamente o sistema de respostas de emergências (P2R2).

8) Criar um Fórum de discussão para implementar as propostas apresentadas e trazer o conjunto de situações debatidas de maneira mais ampla, para todos aqueles nas áreas de influência das atividades da Refinaria e do Pólo Petroquímico.

9) Reivindicar processos de educação ambiental, especialmente nas comunidades do entorno da REDUC e do Pólo Petroquímico.

10) Realizar um evento-memória dos 40 anos do acidente de 1972 como estratégia para lembrar a necessidade de processos de segurança participativos e transparentes com a comunidade.

11) Realizar discussões a nível nacional sobre os impactos da indústria do petróleo e petroquímica.

12) Discutir o tema petróleo/petroquímica ligado ao debate mais amplo sobre o modelo energético brasileiro e sua relação com as mudanças climáticas.

13) Fazer a discussão crítica sobre o recente Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado pela PETROBRAS e o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) em relação à REDUC, cujo conteúdo não foi ainda disponibilizado para a sociedade.

14) Estabelecer parcerias e construir ações solidárias com movimentos sociais, moradores e organizações das áreas de influência da indústria do petróleo e petroquímica, como Itaboraí e região, com o COMPERJ.

15) Desenvolver ações de formação sobre petróleo, gás e injustiças ambientais para movimentos sociais, trabalhadores, professores, moradores de áreas atingidas, entre outros.

16) Redigir uma moção de repúdio pela não-participação da PETROBRAS no Seminário 50 anos de REDUC: ganhos, perdas e danos.

17) Reivindicar um maior e melhor monitoramento/fiscalização da poluição atmosférica na região do Pólo.

18) Reivindicar o cumprimento da publicação anual do relatório de qualidade do ar do Rio de Janeiro pelo INEA.

1 O termo pré-sal refere-se a um conjunto de rochas localizadas nas porções marinhas de grande parte do litoral brasileiro, com potencial para a geração e acúmulo de petróleo. Convencionou-se chamar de présal porque forma um intervalo de rochas que se estende por baixo de uma extensa camada de sal, que em certas áreas da costa atinge espessuras de até 2.000m. O termo pré é utilizado porque, ao longo do tempo, essas rochas foram sendo depositadas antes da camada de sal. A profundidade total dessas rochas, que é a distância entre a superfície do mar e os reservatórios de petróleo abaixo da camada de sal, pode chegar a mais de 7 mil metros”. Fonte: PETROBRÁS. Pré-sal: perguntas e respostas. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br//minisite/presal/perguntas-respostas/index.asp>. Acesso em 05 abr. 2012.

2 Perfis de adoecimento e morte.

As organizações e pessoas físicas que organizaram, promoveram e/ou participaram do Seminário 50 anos de REDUC: Ganhos, perdas e danos assinam a seguir:

  • Centro de Referência Patrimonial e Histórico do Município de Duque de Caxias (CRPH) Museu Vivo do São Bento
  • Laboratório Estudos, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN/IPPUR/UFRJ)
  • Núcleo Interdisciplinar de Estudos do Espaço da Baixada Fluminense (NIESBF/FEBF/UERJ)
  • Associação dos Professores Pesquisadores de História da Baixada Fluminense (APPH-Clio)
  • Decanato de Extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
  • Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo de Duque de Caxias (SINDIPETRO-CAXIAS)
  • Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil, Montagem Industrial, Mármore e Granitos, Mobiliário e Vime de Duque de Caxias, São João de Meriti, Nilópolis, Magé e Guapimirim (SITICOMMM)
  • Biblioteca Comunitária Solano Trindade
  • Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)
  • Grupo de Educação e Recuperação Ambiental (GERA)
  • Federação de Associações de Moradores de Duque de Caxias (MUB)
  • Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)
  • ECOCIDADE
  • Associação Guadá Vida
  • Associação Homens do Mar da Baía de Guanabara (AHOMAR)
  • Sindicato dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro (SINDIPESCA – RJ)
  • Ordem Espírita Afro Brasileira
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MOÇÃO

Moção de repúdio ao INEA e a PETROBRAS pelo licenciamento simplificado de “rota especial” para levar a Itaboraí (RJ) os “equipamentos especiais” para o Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro – COMPERJ em desacordo com o estabelecido no licenciamento ambiental do empreendimento, bem como de apoio e solidariedade ao Chefe da APA Guapimirim Breno Herrera .

Considerando que o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ[1] é o maior empreendimento único da Petrobrás e um dos maiores do mundo no setor de petroquímica;

Considerando que o empreendimento foi licenciado nos exatos termos previstos no prévio Estudo de Impacto ambiental – EIA, onde em relação aos “equipamentos especiais” foram avaliadas seis alternativas;

Considerando que o licenciamento do COMPERJ foi complexo inclusive com a propositura de Ação Civil Pública pelo Ministério Público Federal, em função de inquérito civil público[2] onde são apontadas diversas irregularidades no processo de licenciamento.

Considerando que com relação aos “equipamentos especiais”  o EIA/RIMA apontou como melhor alternativa a construção de uma estrada e de um Porto de acesso pela Praia da Beira no município de São Gonçalo;

Considerando que foi emitida Licença Prévia nº FE013990, sendo certo ainda que nos termos definidos pelo Decreto Federal nº 99.274/1990[3] e pela Resolução CONAMA nº 237/1997 a licença prévia é concedida  na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;

Considerando que em setembro de 2011 foi noticiado na grande mídia que a PETROBRAS negocia com o INEA, órgão ambiental fluminense, e com o ICMBio, uma “rota especial” para levar a Itaboraí (RJ) os “equipamentos especiais” para o  COMPERJ em desrespeito ao estabelecido no licenciamento ambiental;

Considerando que essa “rota especial” proposta pela Petrobrás ao INEA é pelo Rio Guaxindiba que se localiza dentro da ESEC Guanabara[4]/APA de Guapimirim[5];

Considerando que hoje, os manguezais da Baía de Guanabara estão restritos a uma área total de 81,50 Km2 concentrada, principalmente, na APA de Guapimirim, que corresponde a uma área de 68,75 Km2, com cerca de 14.000 hectares e abrange os Municípios de Magé, Guapimirim, Itaboraí e São Gonçalo;

Considerando que a APA de Guapimirim funciona como um berçário para milhares de espécies marinhas e é considerada, popularmente, como o “pulmão” da Baía de Guanabara já que: “…assegura a manutenção de condições naturais de trechos da baía, viabilizando a sua recuperação como ecossistema e garantindo a vida na baía, representada pela cadeia biológica constituída por microorganismos, crustáceos, moluscos, camarões, peixes e mamíferos (como os botos);” [6]

Considerando que dessa maneira, a vida marinha existente em toda baía é dependente desses manguezais, assim como eles são vitais para a manutenção dos estoques pesqueiros,[7] sendo assim fundamental para a produção de pescado em toda a da Baía de Guanabara, o que evidencia uma grande importância econômica e social, principalmente no que diz respeito à quantidade de pessoas envolvidas nessas atividades produtivas;

Considerando que a condicionante nº 30.3 da Licença Prévia nº FE013990 veda a circulação de embarcações destinadadas ao transporte de materiais para o COMPERJ pelo interior da ESEC Guanabara e da APA Guapimirim;

Considerando que para que essa “rota alternativa” a Petrobrás está solicitando ao INEA a alteração da condicionante nº 30.3 da Licença Prévia nº FE013990, absurdo técnico jurídico dada a natureza e a finalidade do instrumento;

Considerando  que esta “rota alternativa”  importa em dragagem significativa em área de mangue dentro da APA de Guapimirim e a PETROBRAS está requerendo licenciamento simplificado para a mesma;

Considerando que a dragagem da “rota alternativa” não está prevista no EIA/RIMA e que dada a magnitude dos equipamentos certamente a mesma importará em retificação de curso d’água;

Considerando que a ESEC Guanabara e a APA de Guapimirim são unidade de conservação federais sob a adminstração do ICMBio e deste depende a aprovação de extraordinário impacto socioambiental;

Considerando que a justificativa da PETROBRAS para tão significativa proposta de alteração no licenciamento ambiental é unicamente o cumprimento de cronograma de execução da obra visando à implantação do COMPERJ em detrimento claro do meio ambiente;

Considerando que em função do conselho consultivo da APA de Guapimirim se posicionar contrário à circulação de embarcações destinadas ao transporte de materiais para o COMPERJ pelo interior da ESEC Guanabara e da APA Guapimirim e não ter aprovado a interferência na unidade de conservação por todo o acima, a midia noticiou que a Ministra do Meio Ambiente determinou ao ICMBio a demissão do Chefe da Unidade, Sr. Breno Herrera;

E por fim considerando que está prática é antidemocrática e vergonhosa, indo de confronto aos princípios democráticos e participativos previstos constitucionalmente,

Este fórum, denominado “Fórum dos afetados pela indústria do petróleo e petroquímica  nas cercanias da Baía de Guanabara (FAPP-BG)”,

Resolve aprovar moção de:

1)      Repúdio:

a) Ao INEA e à PETROBRAS pelos impactos que a “rota especial” do COMPERJ pela APA de Guapimirim e pela ESEC Guanabara irá causar no mangue do “fundo” da Baia de Guanabara berçário para milhares de espécies marinhas e considerada, popularmente, como o “pulmão” da Baía de Guanabara;

b) Ao INEA por alteração da condicionante nº 30.3 da Licença Prévia nº FE013990 pela Petrobrás para estabelecer uma “rota especial” para levar a Itaboraí (RJ) os “equipamentos especiais” para o COMPERJ;

c) À PETROBRAS por tentar alterar o já definido no estudo de impacto ambiental para o licenciamento ambiental do COMPERJ em manifesta tentativa de descumprir a lei;

d) Ao MMA pela prática de favorecimento do poder econômico em detrimento de meio ambiente com práticas antidemocráticas e vergonhosas;

2) De apoio ao Chefe da APA de Guapimirim Sr. Breno Herrera por respeitar a decisão do conselho consultivo da unidade e pelo trabalho que vem desenvolvendo na direção da unidade de conservação.

[1] Contempla a construção de uma Unidade de Refino com capacidade de processamento de 165 mil barris de petróleo por dia. Inicialmente está prevista a utilização do Petróleo pesado do campo de Marlim, localizado na Bacia de Campos, norte do Estado do Rio de Janeiro. Além da unidade de refino serão construídas uma Unidade de Petroquímicos básicos – UPB de 1ª geração (etenobenzenop-xileno e propeno) e 6 Unidades de Petroquímicos de 2ª geração – UPA As principais resinas termoplásticas a serem produzidas pelas UPAs serão polipropileno (850 mil toneladas/ano), polietileno (800 mil toneladas/ano) e politereftalato de etileno (600 mil toneladas/ano).

[2] Ação Civil Pública 1.30.003.000055/2006-07

[3]  O Decreto n° 99.274/1990 regulamenta a Lei n° 6.938/1981.

[4] A Estação Ecológica (ESEC) Guanabara foi criada em 15 de fevereiro de 2006 e possui 1935 hectares de manguezais em fase de regeneração. Na região encontramos bosques de mangues e estuários.

[5] A Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim foi criada em 25 de setembro de 1984, pelo Decreto Federal nº 90.225, atendendo, na época, ao pleito de universidades, movimentos ambientalistas e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, tornando-se a primeira unidade de conservação específica de manguezais e engloba os manguezais da porção oriental da baía de Guanabara, nos municípios de Magé, Guapimirim, Itaboraí e São Gonçalo, entre as coordenadas geográficas 22°40′-22°46′ S e 42°57′-43°07′ W.

[6] AMADOR, 2001, p. 137.

[7] KAMEL et al., 2004.

Enviada por Sebastião Raulino.

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