Europa: racismo e tragédia

Vitor Gomes Pinto*

Desde a constituição da Comunidade Econômica Européia há 54 anos, o velho continente nunca esteve ao mesmo tempo tão desunido e tão solidário como hoje. No momento em que Mohamed Merah, um francês de 23 anos e origem argelina, disparou com suas Colt 45 para fazer sete vítimas na escola israelita Ozar Hatorah em um bairro residencial de Toulouse, alguma coisa voltou a mudar numa Europa cada vez mais pressionada pela xenofobia e pelo terrorismo. Embora tenha agido só, Merah, que vestia um colete a prova de balas por debaixo da djellaba negra, a típica túnica árabe, estava em uma jihad, ou seja, numa guerra santa contra inimigos do Islã. Cercado pela polícia em seu apartamento na mesma Toulouse onde nasceu, optou por sair atirando até que uma bala certeira na cabeça o matou. Tornou-se um soldado de Alá nas escolas preparatórias do Afeganistão e do Paquistão, para onde já viajara por duas vezes. Um resultado imediato de tanta loucura é a virada nas preferências do eleitorado a um mês do pleito presidencial, favorecendo os candidatos da direita: o atual presidente Nicolas Sarkozy que busca a reeleição e Marine Le Pen da ultrarradical Frente Nacional. O socialista François Hollande, até aqui o favorito, parece sem forças para enfrentar a nova onda racista que varre a França contra os imigrantes e o que chamam de islamização, a favor da segurança, da política de mão dura e do nacionalismo.

A xenofobia está em alta, como o demonstrou recente pesquisa em toda a Europa da Universidade germânica Bielefeld que constatou um aumento pronunciado no antissemitismo e na rejeição a estrangeiros e minorias, com maior força na Polônia, Hungria, Portugal e Alemanha. Não é incomum flagrar os olhares de ódio, os empurrões, as negativas diante dos “sudacas” (latino-americanos sempre suspeitos de traficar drogas) e ciganos em Madri, polacos que limpam para-brisas de carros nas esquinas de Roma, vietnamitas que vendem verduras e turcos que expõem tecidos e móveis de segunda nas ruas de Berlim, negros africanos oferecendo quinquilharias em Florença e Marselha, desajeitados moldavos pedintes ou que viram choferes no lugar dos taxistas de Lisboa. Agora, os “brancos” querem expulsar os “morenos” e amarelos de suas terras, mesmo não estando dispostos a voltar a varrer as ruas, recolher o lixo, cuidar das crianças e dos idosos, fazer a comida e servi-la, encarregar-se de todo tipo de pequenos serviços garantidos pela mão-de-obra estrangeira que costumam remunerar miseravelmente.

Por vezes o racismo latente se exterioriza e causa problemas. Em julho do ano passado o neonazista norueguês Anders Behring Brejvik atacou duas vezes e matou 85 pessoas na ilha de Utoeya numa reunião da juventude do Partido Trabalhista, mais 7 ao fazer explodir um carro bomba em Oslo. Inspirando-se no ideário do Partido do Progresso, o mais exitoso dos que representam a raivosa extrema direita escandinava. Na Holanda, Geert Wilders, líder do Partido da Liberdade perguntou em seu site, bastante popular: “Sente-se molestado pelos distúrbios, falta de integração e civismo dos trabalhadores búlgaros, romenos e poloneses que chegam à Holanda? Perdeu seu emprego por causa deles? Conte-nos”. De imediato, representantes de dez nações do leste europeu protestaram em carta conjunta ao governo de Haia que nada fez, pois é de minoria e para aprovar seus projetos no Parlamento necessita do apoio do partido de Wilders.

Na verdade a Europa fez extraordinários progressos nas últimas décadas. As guerras quase permanentes até 1945 hoje estão esquecidas e os jovens acham impossível que voltem, pelo menos no lado ocidental. Os primeiros seis países da CEE transformaram-se em vinte e sete, incluindo muitos que até há pouco tempo enfrentavam-se duramente na guerra fria. Mais de 330 milhões de europeus pagam suas contas com o euro, deixando para trás moedas nacionais que em alguns casos tinham valor apenas simbólico. Atualmente é possível viajar de Portugal à Suécia sem apresentar passaporte em qualquer das fronteiras.

A União Européia é modelo único, sem exemplos anteriores nos quais se espelhar e, ainda assim, é um caso de inegável sucesso. Reúne lado a lado regimes políticos e povos com distintas prioridades e interesses que falam mais de vinte idiomas. A crise essencialmente fiscal que castiga países que tentaram viver acima de suas possibilidades ou que não conseguiram manejar adequadamente suas riquezas, embora tenha se transformado em uma crise da zona do euro, está sendo resolvida através do reforço da cooperação européia e não pela desunião, como os mais pessimistas não cansaram de prever.

*Escritor, analista internacional

http://www.bemparana.com.br/noticia/210578/europa-racismo-e-tragedia

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