Tarianas do AM são primeiras enfermeiras indígenas

Enfermeiras optaram por trabalhar no Alto Rio Negro, onde vivem os tarianos (Florêncio Mesquita)

Formadas na UEA, indígenas inovaram ao retornar às aldeias de origem, no Alto Rio Negro, para tratar dos “parentes”

“Quando eles dizem que está doendo o coração, na verdade, estão se referindo ao estômago. Quando é dor no coração mesmo, eles apontam o peito”. É assim, com a propriedade de quem tem conhecimento sobre a língua e a cultura de seu povo, que a recém-formada em Enfermagem pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Maria Rosineite Feitoza, 39, quer dar sua contribuição ao atendimento à saúde indígena na região do Alto Rio Negro.

Já Eufélia Lima, 26, quer quebrar paradigmas. “Estamos mudando o estigma de que o indígena, quando se forma, nunca volta para a comunidade. Esta é a nossa oportunidade de mostrar que o indígena pode fazer um trabalho diferente nas comunidades. Acho que a palavra é compromisso”, diz Eufélia.

Ambas partilham a vontade de aliar o conhecimento que adquiriram na graduação durante quatro anos à vivência anterior, quando uma trabalhava como técnica de enfermagem e outra atuava como auxiliar de odontologia.

Maria Rosineide Feitoza e Eufélia Lima são as primeiras recém-graduadas indígenas em Enfermagem pela UEA – e, provavelmente, do Estado do Amazonas. Ambas são da etnia tariana.

Em Manaus

Durante quase cinco anos, viveram em Manaus, no período da graduação, mas em dezembro retornaram à sua cidade natal, São Gabriel da Cachoeira, onde já estão trabalhando como enfermeiras e funcionárias do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Alto Rio Negro, órgão vinculado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Governo Federal. No mês passado, vieram novamente a Manaus, desta vez para participar da colação de grau.

No retorno à sua terra de origem, as duas se depararam com o orgulho de parentes indígenas, mas também notaram um clima de grande expectativa. “A nossa responsabilidade aumentou, mas agora podemos mostrar que indígena também tem capacidade”, diz Eufélia.

A etnia soma 2 mil pessoas que vivem no Alto Rio Negro.

Juramento na língua mãe

Aos 39 anos, Maria Rosineide Feitoza entrou na faculdade em 2007. Ela já tinha experiência como técnica em enfermagem, atuando como funcionária da Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira. Embora tenha nascido na sede do município, a família é natural de Uruguara, no rio Uaupés, onde se concentra a maioria da população da etnia tariana.

O ingresso na faculdade aconteceu em 2007. “Eu já era técnica em enfermagem, mas sentia necessidade de aprender mais. Sempre gostei da área. Agora, retornando para o Alto Rio Negro, a gente volta com mais responsabilidade porque as pessoas apostam no nosso trabalho”, comenta.

No juramento durante a colação de grau, ela fez questão de responder ao juramento em Tukano oriental. “Tothá Weotí”, declara.

Desde que assumiu, no final de 2011, a função de enfermeira no Pólo Caruru do rio Tiquié, Maria Rosineide já visitou várias comunidades e sentiu o “orgulho” dos outros indígenas e a empolgação dos mais jovens.

Maria Rosineide também atribui ao conhecimento na língua tukano o grande diferencial de seu trabalho em relação aos outros profissionais, bem como a disponibilidade e a familiaridade com os costumes das comunidades. “Acho que isto facilita a comunicação. A maioria dos indígenas não entende o português”, explica.

Outro costume que muitos profissionais não compreendem, segundo a enfermeira, é o ritual pré-parto que as grávidas realizam. “Tem cultura que sempre faz esse ritual, mas o profissional de saúde não consegue entender”, diz.

Os índios da etnia Tariana estão estimados em 2 mil pessoas no território brasileiro (há índios desta etnia que vivem na Colômbia), segundo dados de 2008 da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A maioria da população vive às margens do rio Uuapés, afluente do Negro.

A língua tariana é de origem aruak, embora a maioria fale o tukano oriental (que envolve 16 línguas). Indígenas de outras etnias do Alto Rio Negro também falam tukano oriental, como os Pira-tapuia, os Tuiuca e os Dessana. O Distrito de Iauretê é considerado um grande centro de ocupação tradicional dos tariano, com aproximadamente três mil pessoas de diferentes etnias. No local, estão missionários salesianos e um pelotão de fronteira do exército construído nos anos 1980 pelo projeto Calha Norte.

Na região, está localizada a Cachoeira de Iauaretê (ou Cachoeira da Onça), banhada pelos rios Uaupés e Papuri, que em 2006 foi tombada como patrimônio imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), devido à sua relevância sagrada para os povos indígenas.

http://acritica.uol.com.br/multimidia/Manaus-Amazonas-Amazonia-Tarianas-AM-primeiras-enfermeiras-indigenas_0_662333763.html

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