O trabalhador é importante. Mas abraçar o bichinho fofinho é mais fácil

Leonardo Sakamoto

Os empreendimentos que não conseguem garantir dignidade e direitos básicos aos seus empregados, mesmo que cumpram todas as normais ambientais, não podem ser considerados responsáveis. Que dirá sustentáveis. Ou seja, não adianta nada uma empresa vender-se como a Madre Tereza do Meio Ambiente se ela trata as pessoas que trabalham para ela como lixo. Se bem que acreditar em alguém que se intitula a Madre Tereza de alguma coisa é, no mínimo, ingenuidade.

E olha, tá cheio por aí. Empresas oferecem opções de revoluções cosméticas para todos os gostos de revolucionários de final de semana. O que é ótimo para expiar essa culpa cristã que nos atormenta desde sempre. Até porque, se “a cada real gasto em compras, um bichinho será abraçado na Amazônia”, eu fiz minha parte.

Vamos chegando perto da Rio+20 e palavras e expressões novas começam a surgir nas propagandas, releases e relatórios empresarias. “Emprego verde” é uma delas.

O conceito de “emprego verde”, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho, engloba a transformação das economias, das empresas, dos ambientes e dos mercados de trabalho em direção a uma economia sustentável que proporcione trabalho decente com baixo consumo de carbono. Isso reduziria o nível de impacto das empresas no meio ambiente.??Além disso, contribuiria para diminuir a necessidade de energia e matérias-primas e para evitar as emissões de gases de efeito estufa. Reduziria ainda os resíduos e a contaminação, bem como restabeleceria os serviços do ecossistema como a água pura e a proteção da biodiversidade.

E, antes que eu esqueça, leia-se por “trabalho decente” a definição da própria OIT, ou seja, um trabalho produtivo, adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna a todos que dependem dele para viver. Em outras palavras, o básico.

Estamos em meio a uma (tentativa de) transição para uma economia de baixo carbono. Por isso, vale o lembrete de que isso não pode ser feito nas costas dos trabalhadores, ou seja, empresas não capitalizadas para dar esse necessário salto não podem buscar na economia de custos trabalhistas o investimento para tanto. Isso me lembra algo que Pedro Casaldáliga, símbolo da luta pelos direitos humanos no Brasil, nos contou que ouviu, da boca de um fazendeiro português com terras no Mato Grosso: “Dom Pedro, o senhor é europeu, o senhor sabe. As calçadas de Roma foram feitas por escravos. O progresso tem seu preço”.

É possível garantir produtos menos contaminados pelo desrespeito ao trabalhador? Em algum nível sim, totalmente não (como já disse por aqui, há certos problemas que são inerentes ao capitalismo e não distorções dele). Mas será necessário remover alguns entraves pelo caminho.

Primeiro, os atores produtivos devem reconhecer que a realidade trabalhista está bem aquém do desejado – para dizer o mínimo. Segundo, que há certos pontos que não podem estar em discussão. O que? Direitos trabalhistas existentes não podem ser limados ou ignorados. Há pessoas e setores que defendem a dilapidação da CLT (da mesma forma que ocorreu com o Código Florestal) porque acham que há “benefícios” demais para o trabalhador. Terceiro, transparência. Para um sistema desses funcionar, é necessário que o consumidor tenha seu direito à informação – previsto na Constituição e no Código de Defesa do Consumidor – garantido. Ele deve saber que seu dinheiro não está financiando a superexploração de trabalhadores.

O ideal seria se o governo federal ficasse responsável em fornecer informações sobre as cadeias produtivas com problemas socioambientais, pois, em se tratando de rastreabilidade e relações financeiras, não há ator com mais informação que ele. Temos listas de exclusão social e ambiental, mas, se não fosse a limitada ação de investigação da sociedade civil e da mídia sobre elas, o consumidor não saberia a origem de nada que consome. O direito à dignidade e à vida deveria estar acima do direito ao sigilo em determinadas transações comerciais.

Quarto: os atores econômicos devem assumir mudanças reais e não apenas balançar bandeirinhas dizendo que estão fazendo algo para gringo ver – literalmente. Caso contrário, o discurso de melhorar a vida do trabalhador será uma grande lavagem de marca, como tantas outras que já vimos e vemos por aí. E, por último, assumir que o respeito à CLT é ponto de partida, não de chegada. Em um processo de discussão entre empresas, sociedade civil e governo, aquilo é o mínimo aceitável. E o mínimo que se espera de quem diz que quer melhorar a qualidade de vida do trabalhador é fazer mais do que obriga a lei.

Se o setor produtivo topar tudo isso, é possível termos avanços. Como tenho lá minhas dúvidas, os responsáveis pela fiscalização, a Justiça e a sociedade civil não podem esmorecer por um minuto sequer sob o risco do trabalho digno, que já é raro, tornar-se item de colecionador ou peça de museu.

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2012/03/10/o-trabalhador-e-importante-mas-abracar-o-bichinho-fofinho-e-mais-facil/

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