“Nos últimos anos foram quase 700 assassinatos de trabalhadores e lideranças”, diz líder do MST

Aldrey Riechel

Na semana passada o trabalhador rural e integrante do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), José Valmeristo Soares – conhecido como Caribé – foi assassinado no Pará.  Três dias depois a polícia prendeu o filho do pastor e ex-deputado federal Josué Bengstson, Marcos Bengtson acusado de ser o mandante do crime.

Ulisses Manaças, coordenador Estadual do MST, afirma que as agressões, que muitas vezes resultam em mortes no Estado não são novidades.  Segundo ele, foram mortos quase 700 lideranças nos últimos anos, e 60% dos casos não tiveram o inquérito policial concluído para que as investigações pudessem ser iniciadas.

Antes do assassinato, os trabalhadores rurais fizeram denúncias à Ouvidoria Agrária Nacional, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), à Ouvidoria Estadual, à Defensoria Pública às delegacias de policias a Ministério Público Federal.  As razões eram diversas: tiros foram ouvidos na fazenda, líderes do MST foram presos sem nenhum mandado policial ou qualquer documento oficial e retidos na fazenda sem poder buscar alimentos, já que seguranças da propriedade os impediam.

Apesar das denúncias, nenhuma providência foi feita.  “As medidas de proteção para coibir esse tipo de ação não foram tomadas.  Mostrou mais uma falha do governo, mais uma falha do Estado em relação a essa questão crimes agrários no Pará”, lamenta Manaças.

No dia em que o crime ocorreu, Caribé e João Batista Galdino estavam indo até a cidade de Santa Luzia do Pará para prestar um novo depoimento sobre a denúncia feito pelo MST de um despejo arbitrário na fazenda.  João Batista também foi torturado, mas conseguiu fugir.

Até o momento, Marcos Bengtson e outros dois suspeitos estão presos e os militantes do MST voltaram a ocupar a fazenda Cambará.  João Batista Gauldino, que sobreviveu ao atentado, está sob proteção especial.

Veja abaixo a entrevista com o integrante do MST Ulisses Manaças.

Amazônia.org – Por que a fazenda Cambará foi ocupada?  O que motivou a ação?

Ulisses Manaças – Primeiro porque se trata de uma terra pública.  Ela faz parte de uma gleba federal chamada Pau de Remo e a fazenda Cambará, que possui 6886 hectares, também.  São todas terras da União, mas o Estado, por meio do Instituto de Terras do Pará (Iterpa) deu 1.800 de títulos de propriedades para um fazendeiro que depois vendeu para o José Bengstson, em 1961.  Ele tem esses 1.800 títulos e reivindicava mais 2.500 títulos da área.

O Instituto de Terras do Pará, por meio do presidente José Benatti, resolveu anular o restante dos títulos que ele está reivindicando com uma medida administrativa e o Incra se comprometeu, através da superintendência regional 01, que é de Belém, a arrecadar o restante.

São cerca de 4 mil hectares de terras para criar o assentamento das famílias na fazenda Cambará.  Por esse parecer, entendendo que é área conquistada.

Logo após a tragédia os trabalhadores resolveram retomar pra área para assegurar a conquista da terra.

Amazônia.org.br – O mandante do assassinato foi ex-deputado federal Josué Bengtson?

Manaças – Na verdade nós estamos acusando, mas não existe qualquer comprovação ainda.  A não ser que a polícia quebre o sigilo telefônico do Josué Bengstson, o dono da propriedade e grileiro.  Em relação ao seu filho, Marcos Bengstson, existem provas reais.

Os pistoleiros estavam no carro do Marcos Bengston, uma Hilux preta.  Os pistoleiros eram, na verdade, seguranças pessoais dele.  Toda vez que ele vinha de Belém pra fazenda, os seguranças o acompanhavam.  Ou seja, os funcionários, a arma e o carro eram dele.

O que nós precisamos agora é que a polícia encontre a ligação do pai, que é candidato a deputado federal, e ex-deputado, já que renunciou ao mandato para não ser cassado pelo escândalo da máfia dos sanguessugas.

Amazônia.org.br – Crimes como este, contra lideranças e trabalhadores, acabam ficando impunes no Pará.  Vocês acreditam que este caso será solucionado ou temem algum impunidade?

Manaças – Nós ficamos surpresos pela reação imediata da polícia.  Como teve repercussão nacional, a polícia agiu rapidamente no caso.  Menos de três dias e já estavam presos alguns dos envolvidos.

Agora, o problema não é prender, essa foi uma prisão temporária.  O problema é manter preso e ter um julgamento justo.  Na verdade todos os crimes que ocorrem aqui no Pará, nos últimos anos foram quase 700 assassinatos de trabalhadores e lideranças, a maioria deles, 60%, não tem o seu inquérito policial concluído.  Isso que dá amparo para esse tipo de ações. Exatamente essa impunidade.

Nós estamos muito temerosos por se tratar de uma família poderosa.  Eles fazem parte de um consórcio ligado ao agronegócio na região.  Nosso temor é que eles mostrem toda a sua influência nesse caso e acabe ficando impune mais esse assassinato.

Amazônia.org.br – Por outro lado existem diversos processos contra os líderes do MST na região.  Considera isso uma inversão da Justiça?

Manaças – Nós temos uma lista imensa de militantes nossos, dirigentes, que estão com processos judiciais.  Inclusive temos uma lista de 11 pessoas que estão indiciadas porque fizeram protestos contra a Vale, porque fizeram uma luta pelos recursos naturais, para que fosse devolvidos por meio de serviços públicos para a população.  Um dos nossos dirigentes está sendo indiciado e três já foram condenados.  É uma perseguição muito grande.

E como eles têm muito poder, a justiça acaba sendo parcial e julga sempre a favor desses grupos poderosos no Estado.  Esse problema da impunidade e da criminalização dos movimentos sociais aqui na Amazônia, em especial no Pará, que nos deixa temerosos em relação ao resultado da apuração.

Por exemplo, no caso do assassinato do José Valmeristo, o Caribé, nós fizemos todas as denúncias formais possíveis para os órgãos do Estado, fizemos denuncia para a Ouvidoria Agrária Nacional, do Incra, fizemos denuncia para a Ouvidoria Estadual, do Incra, fizemos denuncia para a Defensoria Pública, delegacias de policias, corregedoria de policia por ação irregular da polícia militar de Santa Luzia do Pará… Fizemos várias denúncias e nenhuma providência foi tomada para que pudesse impedir mais esse assassinato premeditado e calculado.

Amazônia.org.br – Essas denúncias foram antes do assassinato acontecer?

Manaças – Sim, antes do assassinato.  Fizemos denúncia inclusive para o MPF.  A procuradora Ana Maria Magalhães formalizou as denúncias de despejo irregular.  Aconteceram três despejos irregulares, sem mandado de reintegração de posse na área e havia várias denúncias de perseguição, intimações, apreensão de dirigentes, detenções de dirigentes nossos que foram levados do acampamento para a delegacia de Santa Luzia e Capitão Torres sem mandado de prisão.

Enfim, tinha uma situação de denúncia, de tiros no acampamento, já previamente denunciados.  Mas a medida de proteção, as medidas para coibir esse tipo de ação não foram tomadas.  Mostra-se mais uma falha do governo, mais uma falha do Estado em relação a essa questão crimes agrários no Pará.
No primeiro despejo que aconteceu em julho deste ano, o acampamento foi metralhado por seguranças armados.  Uma empresa de segurança chamada Marca, e por seus jagunços, funcionários da fazenda também.  Eles cercaram a fazenda.

Nós passamos um dia inteiro em cárcere privado, sem poder sair para as famílias buscarem alimentação fora do acampamento, foi uma ação extremamente arbitrária.  A polícia chegou para expulsar as famílias sem mandado de reintegração de pose.

Todas essas denúncias foram formalizadas.  Era uma região de conflito que o Estado mais uma fez foi inoperante, incompetente em poder mediar esses conflitos agrários.  Tanto o governo do Estado, como o governo federal também, porque por meio da ouvidoria nacional, nós fizemos as denúncias formais e não foi tomada nenhuma providência.

Amazônia.org.br – Vocês estão em um Estado onde o caos fundiário é o maior do País e por consequência o conflito agrário é intenso na região.  Como é a atuação no MST nesse cenário?

Manaças – O Pará está no topo do ranking nacional de todos os conflitos agrários.  Se pegar trabalho escravo, número de queimadas, crimes ambientais, despejos arbitrários, torturas, assassinatos das lideranças, o Pará é, em todos esses indicadores, o campeão nacional.

O que causa os conflitos é exatamente o caos fundiário.  O Pará tem mais 60% de suas áreas como terras públicas, mas que foram apropriadas de forma ilícita por fazendeiros, grileiros e empresas transnacionais.

Essa situação tem aumentado os conflitos e mudado os conflitos de natureza.  Empresas mineradoras como a Vale, Alcoa, Albrás, Alunorte, têm disputado o solo paraense através de seus projetos de mineração provocando crimes ambientais graves e violações dos direitos humanos.  Além da intervenção do agronegócio, da expansão da soja da implantação do porto da Cargill, no município de Satarém, a expansão da fronteira de soja para o Oeste do Pará, a pecuária, que também avança no Estado.  É um conjunto de ações articuladas pelo agronegócio e pelas grandes multinacionais.

O MST tem agido no Pará, como o movimento que vai contendo essa bomba migratória, por meio da ocupação de terra.  O MST tem trabalhado exatamente com essas populações, que são ‘desterritorializadas’, expulsas da terra, fazendo a luta social para garantir o que está na Constituição Federal, através do artigo 184, que é o papel do Estado de criar nas áreas improdutivas uma política de reforma agrária.

Então o MST, o seu grande papel aqui na Amazônia, tem sido lutar contra o latifúndio, contra esse modelo do capital para um novo modelo de desenvolvimento.  Para nós esse novo modelo de desenvolvimento está calcado em uma nova matriz tecnológica para a agricultura.  Na Amazônia se precisa mesclar uma agricultura camponesa, uma agricultura familiar com a agro ecologia que respeite a rica biodiversidade da Amazônia e nós como camponeses achamos que somos grandes guardiões, assim como os povos originários, indígenas, quilombolas, ribeirinhos.

Essa tem sido um pouco da ação do MST, que tem sido duramente criminalizada no Pará.  Tem sofrido não só violência física, mas também tem sofrido uma criminalização por parte dos meios de comunicação, do judiciário que é conservador, fechado, antidemocrático e que criou essa ‘peça’ de que o MST é o responsável pelos conflitos agrários, quando é o inverso.  O MST só existe porque existe um conflito agrário na Amazônia e no Pará que não foi resolvido por incompetência do Estado.

http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=367137

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