Claudelice Santos, a poucas horas de embarcar para Belém do Pará, concedeu a A Rel uma breve entrevista sobre o julgamento que ocorre hoje, terça-feira 29, da apelação do Ministério Público contra a decisão do Tribunal do Júri de Marabá de soltar José Rodrigues, o acusado de ser mandante do assassinato de José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, extrativistas e pilares do ativismo ambiental na região, ocorrido em maio de 2011.
-Nas redes sociais você postou “Que Deus abençoe nossa viagem e o objetivo pelo qual almejamos: justiça”, por quê?
-Porque o que estamos precisando agora é de justiça. Há um ano houve um julgamento que absolveu o mandante, Zé Rodrigues. Então, entramos com um pedido de revogação da sentença que amanhã será julgado. Eu estou indo para lá agora à noite. E amanhã estarei presente no julgamento da nossa apelação de anulação do primeiro julgamento, que absolveu o mandante.
O que a gente espera é a anulação da decisão dos jurados absolvendo o mandante Zé Rodrigues, mas condenando os executores, sendo um deles seu próprio irmão. Posteriormente, pediremos o desaforamento do processo da comarca de Marabá para a comarca de Belém.
-Por que o julgamento deve ser transferido para Belém?
-Por entender que o Juiz Murilo Lemos Simão não tem imparcialidade para presidir um futuro julgamento, por todo o circo que ele armou. A gente acredita que, se o julgamento for aqui em Marabá, será a mesma coisa, o mesmo teatro, mas se for em Belém, na Capital, será mais imparcial. É preciso que seja anulado para que esse julgamento seja feito de forma justa e legal.
-Sabemos que você é uma mulher corajosa, guerreira, que mesmo sofrendo ameaças, não se cala. Como você está se sentindo?
-Nesse momento sinto muita insegurança e muita ansiedade por causa do julgamento. E também muita tristeza porque não posso mais andar livremente como eu andava, porque sou uma pessoa que fala. Eu vou para o enfrentamento, não fujo.
Então, muitas vezes sei que me arrisco muito, porque não posso ficar feito um vegetal dentro de casa e ultimamente está havendo muita “pressão”, principalmente visando a mim, pessoas já estão me rondando, e isso tem me deixando preocupada, inclusive já avisei à CPT, que é o órgão que nos ajuda juridicamente.
-Você tem algum tipo de proteção policial?
-Não, nada, nada, nada. Porque o governo não acredita se falarmos que estamos ameaçados. Temos que ter provas. Para poder caracterizar ameaça de morte, você tem que receber um tiro, ou a sua casa tem que receber um tiro, ou alguém tem que aparecer e dizer que vai te matar.
Mas não é assim que acontece. O Zé Claudio foi ameaçado por muitos anos e tudo por boato, ninguém nunca chegou e disse diretamente que ia matá-lo e ficou gravado.
Não, não é assim. Eles mandam recado. Inclusive para minha mãe, não foi nem para mim. Disseram para ela que para o Zé Claudio fizeram um enterro, mas que comigo não vai haver nem velório. Que vão sumir comigo.
Só que esse medo e essa ansiedade não vão me fazer parar. Eu não vou parar, pelo meu irmão, pela justiça que tem que ser feita, e eles não vão me calar.
-O Ato em memória a Zé Claudio e Maria, os Heróis da Floresta, fez com que as ameaças se intensificassem?
-Desde o Ato, a situação ficou pior. E isso foi até um motivo que levou a que chamássemos os advogados para fazermos uma reunião em família, porque a situação ficou bem mais perigosa para nós depois do Ato. Não sei se eles viram como uma provocação.
-E de que forma ficou pior?
-Primeiro porque o próprio mandante, o Zé Rodrigues, ficou andando pelas imediações da casa e falando besteiras para as pessoas sobre o ato e sobre a organização do ato. E, além disso, uma das pessoas que estão envolvidas no assassinato me confrontou diretamente durante o ato e me ameaçou! Várias pessoas foram testemunhas.
A pessoa fez questão de ir e ver o que estava acontecendo. E a partir daí várias pessoas me procuraram para me pedir “por favor, meu Deus, para com isso, pelo amor de Deus”. E estes pedidos me chegaram um dia após o Ato! E eu ainda fiquei lá na casa do Zé Claudio no dia seguinte ao Ato para arrumar a casa, e os vizinhos vinham para me falar “pelo amor de Deus não venha mais aqui”, ou diziam “o que você está fazendo aqui, vai embora”, entendeu?
E eu não vou embora enquanto o mandante do assassinato de meu irmão e minha cunhada não esteja preso, enquanto não fizerem justiça. Não somos nós que devemos nos sentir acuados, pedindo proteção policial, mas os assassinos que devem ser julgados e devidamente sentenciados à prisão.
A impunidade deve acabar. A cultura do terror deve chegar ao fim. E só com justiça isso é possível. Portanto, repito, devemos todos nos unir exigindo a revogação da sentença e pelo posterior desaforamento do processo da comarca de Marabá para a comarca de Belém.
Entenda o caso:
Em 4 de abril de 2013, testemunhou-se no Tribunal do Júri de Marabá, Pará, a absolvição de José Rodrigues Moreira, acusado de ser o mandante dos assassinatos dos extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, em maio de 2011.
Os executores do assassinato foram condenados. Lindonjonson Silva Rocha, nada mais nada menos que o irmão de José Rodrigues Moreira, foi condenado por homicídio duplamente qualificado e sentenciado a 42 anos e 8 meses de prisão. Alberto Lopes do Nascimento recebeu pena maior, por ter cortado a orelha de José Claudio foi considerado culpado de duplo homicídio triplamente qualificado e sentenciado a 45 anos de prisão.
Para o júri, não havia conexão entre as ameaças que José Rodrigues fazia ao casal e o assassinato, nem provas suficientes que ligassem José Rodrigues Moreira aos crimes.
Para o advogado da CPT outro aspecto que pode ter influenciado a decisão dos jurados foi o comportamento do juiz Murilo Lemos Simão, que permitiu a José Rodrigues ficar de joelhos, rezar, pedir benção para todos que estavam ali presentes, enquanto chorava compulsivamente, fazendo uma verdadeira cena teatral.
Nessa terça-feira, 29, será julgada em Belém, pelo Tribunal de Justiça, a apelação do Ministério Público contra a decisão do Tribunal do Júri de Marabá que soltou o fazendeiro José Rodrigues, acusado de ser o mandante do assassinato das lideranças extrativistas e ambientalistas José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, ocorrido em maio de 2011, em Nova Ipixuna, no interior do estado.