O que é que a Polícia Militar de São Paulo tem na cabeça?
Não bastasse a violência desnecessária com a qual lidou com a manifestação contra o aumento nas passagens de ônibus e metrô, que percorreu a região central da cidade, na noite desta terça (12), a PM agora deu de deter jornalistas.
Durante os protestos, vários colegas, como o do jornal Folha de S. Paulo, foram detidos em flagrantes cenas de abuso de autoridade por parte da força policial, simplesmente porque estavam cumprindo o seu dever de registrar o que acontecia e divulgar à sociedade. Ao que tudo indica, os que pertencem a veículos grandes foram soltos. Já Pedro Ribeiro Nogueira, repórter do portal Aprendiz, continuava detido até a manhã desta quarta enquanto escrevo este post.
Durante a dispersão do protesto, duas jovens apanhavam de policiais quando Pedro aproximou-se para convencê-los a parar com aquilo. Ele fez uma escolha que nós, jornalistas, somos instados a tomar muitas vezes na profissão: ficar observando, tentando se portar como um narrador em terceira pessoa (em uma concepção fictícia de imparcialidade), ou assumir que fazemos parte de um tecido social e interagir com ele. As duas têm implicações éticas. Pedro assumiu a que considero a mais humana.
Como resposta, foi atacado por sete policiais e levado para a delegacia. Ele estaria sendo acusado de dano qualificado e formação de quadrilha. Do jeito em que as liberdades individuais andam por aqui, trabalhar em redação jornalística passará a ser em breve formação de quadrilha. Se sobrar redação depois dos passaralhos, é claro.
Conversei com representantes do jornalista. Segundo elas, Severino Pereira, delegado que está cuidando do caso, não aceitou recebê-las, muito menos testemunhas da prisão. Tentei contato com o delegado, mas sem sucesso.
Pedro estava onde um jornalista deveria estar na noite desta terça de São Paulo. E fez o que foi certo não apenas como profissional, mas como cidadão. E está sendo penalizado por isso.
Além do despreparo de parte da corporação para lidar com gente, a única coisa que posso vir a pensar é que isso é herança reafirmada de uma ditadura militar que pode até ter ido embora, mas deixou seus métodos enraizados em nossa democracia.
Mais do que um país sem memória e com pouca Justiça, temos diante de nós um Brasil conivente com a violência como principal instrumento de ação policial. Enquanto não acertarmos as contas com o nosso passado, não teremos capacidade de entender qual foi a herança deixada por ele – na qual estamos afundados até o pescoço e nos define. Foram-se as garrafas, ficaram-se os rótulos. A ditadura se foi, sua influência permanece. Não somos um país que respeita os direitos e não há perspectivas para que isso passe a acontecer pois, acima de tudo, falta entendimento. Além do mais, veículos de comunicação que se furtam a mostrar todos os lados do fato e, consequentemente, fica mais difícil angariar apoio da própria população.
O impacto desse não-apoio se faz sentir no dia-a-dia nos protestos de rua, nos distritos policiais, nas salas de interrogatórios, nas periferias das grandes cidades, nos grotões da zona rural, em presídios, com o Estado aterrorizando parte da população com a anuência da outra parte.
Se esse jornalista for mantido sob custódia, sugiro que os representantes dos governos estadual e municipal se furtem a dizer, nos eventos dos quais estão participando na Europa, que o Brasil é um país com liberdade de expressão. Pois eles não saberão do que estão falando.
A excreção é livre e a privada pública.