Os riscos do risco

Raquel Rolnik, Folha de S. Paulo

Todo mundo sabe que os meses de verão são sinônimo de fortes chuvas e temporais, principalmente nos Estados das regiões Sudeste e Sul.

Todos os anos, nessa época, a imprensa mostra as tragédias, as vidas perdidas, o drama das famílias que perdem suas casas…

Em seguida vêm os debates sobre culpados. Uma abordagem simplista costuma responsabilizar as próprias vítimas —por que, afinal, foram se meter em área tão imprópria para ocupação?— e, de roldão, as prefeituras, por omissão —por que não fiscalizaram? Por que não retiraram as pessoas antes?

Depois abundam as matérias sobre a quantidade de recursos repassados para as obras de recuperação e, lá pelo mês de março, ninguém fala mais nisso.

Infelizmente, nem a questão da “culpa” é assim tão simples nem muito menos a solução se resume a recursos e obras.

Tudo começa com um conhecimento sobre o território e suas vulnerabilidades, algo que a maior parte dos municípios brasileiros não tem e, quando tem, não utiliza para planejar sua expansão urbana.

Aliás, nas nossas cidades, a expansão urbana não é planejada por ninguém. Quando um proprietário de uma gleba decide ocupá-la, geralmente o faz da maneira que quer. E assim se dá a expansão, sem nenhum planejamento.

Mas, ao contrário do que se pensa, o conhecimento das vulnerabilidades de cada área, especialmente os riscos geotécnicos, não define quais delas são “proibidas” ou “permitidas” para ocupação.

Tal conhecimento indica, sobretudo, quais são as exigências de cada forma de ocupar. Para cada situação são necessários cuidados e obras especiais, como de drenagem e contenção. E, claro, isso tem custos.

Mas a questão não diz respeito somente à disponibilidade (ou origem) dos recursos necessários para poder ocupar áreas suscetíveis a desastres: a ocupação de uma área não depende apenas da engenharia necessária, mas também, e principalmente, de um sistema de gestão de riscos e prevenção a desastres, a fim de evitar mortes e perdas.

Esse sistema não é, necessariamente, algo complexo. Inclui desde ações básicas até esquemas de alerta e evacuação rápida. Uma medida simples e importante é —pasmem!— recolher devidamente o lixo da cidade, já que seu acúmulo é um dos grandes responsáveis por deslizamentos em áreas de morro.

Muitas outras medidas simples e de baixo custo ajudam a evitar desastres. A cartilha “Comunidade Mais Segura”, do Serviço Geológico do Brasil, traz vários exemplos e está disponível na internet.

Boa parte das tragédias, portanto, pode ser evitada, com pouca ou até nenhuma obra, mas com muita capacidade de gestão e organização, exatamente o que pouquíssimos municípios e Estados possuem.

Por isso, não fazemos o que deve e pode ser feito. Depois vem a enchente ou o morro desmorona e todo mundo grita: “tira o povo de lá!”.

Mas não dá para simplesmente remover as pessoas sem equacionar o problema básico do lugar onde elas vão morar. O resultado é a formação de novas ocupações inadequadas em áreas suscetíveis a enchentes ou desmoronamentos, que só ficarão de pé até o verão seguinte.

Moral da história: é de planejamento e gestão territorial permanentes, dois palavrões no léxico da administração pública, que precisamos.

*Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.

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