Programa não abrange municípios onde as terras estão concentradas nas mãos da Aracruz Celulose, empresas de cana e fazendeiros
Any Cometti, Século Diário
O projeto de legitimação de terras do governo do Estado, por enquanto, agrada aos militantes do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), mas eles já levantam pontos em que a ação pode perder o foco para o qual foi criada.
De fato, é bom para o pequeno agricultor que suas terras tenham escritura. Sem o registro formal, não é possível participar de programas como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), Moradia Camponesa e outros relacionados à comercialização da produção.
O que o programa faz é regularizar a situação daqueles que apenas possuíam o registro de compra e venda do imóvel e os torna posseiros legais da terra. Entretanto, a reivindicação é do ano de 2007, ou seja, somente seis anos depois as primeiras ações no Estado começam a ser providenciadas. A primeira delas foi na última sexta-feira (21), em Água Doce do Norte, município do noroeste do Estado com predominância de pequenas propriedades, como aponta Tião Erculino, militante do MPA.
Ele enumera que o programa ainda atenderá aos municípios de Vila Pavão, Barra de São Francisco, Mantenópolis e Ecoporanga. Esse último, sobretudo, tem grandes e frequentes problemas com os latifundiários, que praticam a pecuária extensiva e aos quais, segundo o militante, a regularização não pode atender. Ao invés disso, essas terras, que adotam práticas que vão de encontro às propostas do MPA, devem ser destinadas à reforma agrária.No norte e extremo norte do Estado, onde está a registrada a maior concentração de terras, principalmente pela Aracruz Celulose (Fibria), além de fazendeiros e empresas da monocultura da cana, não há previsão do Estado de identificar as terras devolutas. O que é mais um obstáculo à luta pela recuperação do território quilombola em São Mateus e Conceição da Barra. Apesar de demanda antiga dessas comunidades, o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) não realiza a identificação das terras devolutas, justamente porque elas estão em posse de empresas. Os quilombolas calculam que mais de 50% das terras da comunidade de Linharinho é composta por terras devolutas, em posse da Aracruz.
Tião ressalta que o programa só é viabilizado se o poder público, nas instâncias municipal, estadual e federal, se comprometerem com o projeto e desempenharem adequadamente suas funções. É fundamental, para ele, que o governo se atente para a expansão do campo e chame as organizações sociais, a exemplo do MPA, para participarem do processo.
Outra preocupação do militante é sobre a oneração do camponês. “Se o governo só der a escritura e não estiver ciente de que o pequeno agricultor muitas vezes não pode arcar com os custos do cartório, essa transição não será completa”.
O programa que abriu a possibilidade da regularização fundiária surgiu dentro do Ministério do Desenvolvimento Agrário, na Secretaria de Relacionamento Agrário, depois do envio da demanda do MPA referente à mesma questão, em 2007. Nele, é feita a detecção das terras dos municípios, separando-as em terras devolutas, legítimas e do Estado. “Fazendo a leitura da malha fundiária, entendemos que as grandes propriedades devem ser destinadas à reforma agrária”, reforça Tião.
Programa
Segundo o governo, o projeto “Titulação de Terras” integra o Programa Vida no Campo, da Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), e prevê a entrega de dois mil títulos aos posseiros de terras devolutas rurais, com foco na agricultura de base familiar.
Em Água Doce do Norte, até dezembro de 2013, estão prometidos títulos de propriedades a aproximadamente 440 famílias, distribuídas em 6.814 hectares. O trabalho de cadastro dos imóveis já foi concluído em Vila Pavão e está em andamento em Ecoporanga. A previsão é de que sejam beneficiadas, até 2016, mais de 1,6 mil famílias nesses dois municípios, além de Barra de São Francisco e Mantenópolis.