Da responsabilidade das grandes corporações nas crises socioambientais. Alguém vai falar disso na Rio + 20?

Por Thiago Ansel

Entre os dias 20 e 22 próximos, o Brasil recebe a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável. A Rio + 20, no entanto, se aproxima sob a sombra de uma pergunta lançada já há algum tempo pelos movimentos sociais globais: “de que modelo de desenvolvimento sustentável a reunião dos líderes mundiais vai tratar?” Não faltam razões para este questionamento e no centro delas estão as variadas interpretações e apropriações da expressão “desenvolvimento sustentável”, por uma gama considerável de atores sociais, com interesses distintos e mesmo conflitantes.

No esboço da declaração a ser validada pelos chefes de Estado na conferência de junho — a chamada Minuta Zero da Rio + 20 –, a expressão “desenvolvimento sustentável” pode ser encontrada nada mais nada menos que 58 vezes. Analisando este mesmo documento, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carlos Walter Porto-Gonçalves, a pedido da Associação dos Geógrafos Brasileiros, concluiu que a primazia da dimensão econômica (de mercado, capitalista) caracteriza decisivamente o esboço. Isto também se reflete nas 53 menções que a Minuta Zero faz à economia, contra apenas sete referências ao ambiental e seus derivados.

A crítica de Porto-Gonçalves também chama atenção para o fato de que mesmo quando a ideia de economia é acompanhada pelo adjetivo “verde” o que está por trás dos termos não é a noção de que há formas alternativas de economia e sim uma reiteração do postulado que aponta a economia mercantil como sendo o único caminho para o chamado desenvolvimento sustentável.

Jorge Barbosa: "“As empresas privadas são escolhidas como instrumentos de recuperação e preservação daquilo que elas mesmas provocaram: escassez e destruição". FOTO: Acácio Pineiro

O também professor da UFF, Jorge Barbosa, observa que a Minuta Zero tende a encaminhar o debate na direção do chamado “uso racional” dos recursos naturais e da “gestão racional” do meio-ambiente. Ocorre que a ideia de racionalidade eleita para figurar no documento da Rio + 20 representa apenas uma entre as várias concepções produzidas pelos diferentes grupos humanos ao redor do mundo. Esta racionalidade a que se refere o documento remete a um local e época específicos: Europa Ocidental, no século XVIII, pós-revolução industrial.

“Há uma contradição profunda de princípios éticos e de história”, diz Barbosa, que em seguida avalia: “As empresas privadas são escolhidas como instrumentos de recuperação e preservação daquilo que elas mesmas provocaram: escassez e destruição. Para início de uma conversa séria é necessário colocar em causa o controle social sobre as ações das empresas, pelo menos no que disser respeito à emissão de gases, despejo de resíduos e ao uso predatório de recursos da natureza.   Portanto, a responsabilidade das empresas não deve ser falseada pelo discurso recorrente da racionalidade técnica e gestionária, mas sim com o empoderamento da sociedade civil diante das ganâncias implacáveis e do consumo insustentável de recursos da Natureza”.

É também a partir da idéia de progresso derivada deste mesmo tipo de racionalidade específica que o documento insiste na chamada “ajuda aos países em desenvolvimento”, para que estes alcancem o tal “desenvolvimento sustentável” e “erradiquem a pobreza”. Segundo Tica Moreno, representante do Comitê Facilitador da Cúpula dos Povos — evento paralelo a conferência oficial, que ocorre entre os dias 15 e 23 de junho no Aterro do Flamengo (RJ) –, a “erradicação da pobreza” nos termos do documento base da Rio + 20 nada tem a ver com alterar a atual lógica dominante da produção e do consumo.

Não vemos nada a respeito da erradicação da desigualdade. Tudo que o discurso oficial da Rio + 20 almeja até agora é dar um rosto social para políticas que só fazem reforçar a desigualdade. Afinal, a pobreza é parte do sistema capitalista, portanto, o eixo deveria ser a superação das desigualdades. Assim, a ideia de ‘ajuda aos países em desenvolvimento’ é mais uma desculpa para que as instituições financeiras como o Banco Mundial e o FMI atuem, fazendo com que estes países ‘socorridos’ contraiam dívidas. O que de fato auxiliaria esses países seria outro padrão de produção e consumo, a reforma agrária, a agroecologia e não a expulsão dos povos da floresta em favor da expansão do agronegócio, por exemplo”, explica a ativista, que também fala em nome da Marcha Mundial das Mulheres.

Tinta verde no capitalismo

Outra expressão consagrada no vocabulário da Rio + 20, e que deve ocupar o centro das discussões da conferência, é a chamada “economia verde”. De acordo com declaração de Brice Lalonde, coordenador da conferência, na página do evento, a economia verde é um capítulo do desenvolvimento sustentável. “A natureza é, portanto, um capital, assim como máquinas, fábricas ou o capital financeiro. O capital natural deve ser mantido uma vez que é uma infra-estrutura econômica”, afirma.

Representantes da Cúpula dos Povos têm denunciado que o conceito de economia verde só vem mascarar a economia de mercado capitalista, da qual as conseqüências ambientais são amplamente conhecidas. “Nossas demandas não são contempladas pelo conceito de ‘economia verde’ porque ele legitima um conjunto de falsas soluções para a crise ambiental”, explica Tica Moreno, que completa: “São, na verdade, mecanismos de mercado que caminham no sentido da mercantilização da natureza e retirada de direitos”. A ativista conta que numa versão anterior do documento da Rio + 20 houve a substituição da expressão ‘direito à água’ por ‘acesso à água’. “Direito à água” só reapareceu sob protestos dos movimentos sociais. “Tudo isso tem muito a ver com a lógica da economia verde, pois o processo inteiro da Rio + 20 é capturado pelas corporações transnacionais”, diz Tica.

Segundo Jorge Barbosa a “economia verde” surge como uma panacéia de todos os problemas ambientais, econômicos e sociais aprofundados pela crise do capitalismo na atualidade. “A crítica dos representantes da Cúpula dos Povos reafirma a descrença nas reais intenções dos Estados e das empresas em enfrentar questões como as desigualdades socioeconômicas que se expressam nas condições de apropriação e uso dos recursos culturais e ambientais do território, produzidas pelo modo de produção capitalista”.

Favelas na Cúpula

De acordo com o Informe 2012 da Anistia Internacional, lançado este mês, no Brasil, projetos econômicos de grande escala, inclusive os que visam a preparar o país para a Copa e as Olimpíadas estão deixando as comunidades pobres ainda mais vulneráveis, sob o risco de intimidações e remoções forçadas.

Este remocionismo do século XXI, entretanto, não dispensa as fórmulas clássicas para se autojustificar. Neste sentido, o risco de desastre ambiental, sobretudo, pela ocupação de encostas, continua sendo mobilizado como pretexto para as remoções de favelas. Acompanhando esse discurso, quase sempre, vem a responsabilização dos moradores por eventuais desastres ambientais nestes territórios.

Edson Gomes, coordenador geral do Verdejar Socioambiental — organização que atua na Serra da Misericórdia (RJ), onde se localiza o Conjunto de Favelas do Alemão — considera um equívoco profundo a culpabilização dos moradores das favelas, tanto pela degradação destes espaços, quanto pelas tragédias ambientais. “A gente sabe e entende que a realidade que vivemos é resultante de um processo histórico. Então, se hoje uma pessoa ocupa uma encosta de morro, beira de rio, ou franja de unidade de conservação é porque, no passado, ela não teve condição de ocupar outras áreas seguras ou ditas ‘seguras’”.

O Verdejar, em parceria com um conjunto de organizações que atuam no entorno da Av. Brasil (REDES, Observatório de Favelas, Cooperativa Eu quero Liberdade, entre outras), fará uma intervenção durante a Cúpula dos Povos em duas favelas da região. A atividade começa no dia 16, na Maré, onde acontecerá o debate “A favela e a cidade como direito”, e continua no dia 19, no Conjunto de Favelas do Alemão, onde o Verdejar e a Cooperativa de reciclagem Eu Quero Liberdade demonstrarão tecnologias e soluções para as questões ambientais. Destas atividades serão retiradas propostas enviadas a uma das plenárias da Cúpula dos Povos.

Segundo representantes da Cúpula, uma das grandes inovações do encontro é a ênfase na articulação de diferentes lutas. Serão realizadas cinco plenárias de convergência com diferentes eixos temáticos, envolvendo movimentos distintos tanto no que diz respeito às análises das questões levantadas, quanto às ações propostas para além do evento.

http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/noticias/mostraNoticia.php?id_content=1201

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