Maranhão: pacto de cinismo, por Egon Heck

O Estado do Maranhão, às vésperas da Cúpula dos Povos, Rio+20, é o exemplo paradigmático do que não se deve fazer em termos de impacto e destruição da natureza e desrespeito aos seus primeiros habitantes. O chão do Maranhão arde em carvão, suas florestas gemem sob o barulho ensurdecedor e contínuo dos dentes vorazes das motosserras.

O Greenpeace mantém seu protesto, com seus membros se revezando na âncora de um navio que vinha carregar carvão obtido através de trabalho escravo e carvão de madeira retirada das terras indígenas do Estado. O protesto, que já dura mais de dez dias, está chamando atenção do país e do mundo, sobre os crimes contra a natureza e os povos indígenas, que continuam sendo rotina nesta região do país, no cerrado, na mata pré-amazônica e na floresta amazônica. Olhando para o mapa da região amazônica, que nestes dias está sendo lançado pelo Greenpeace, se percebe claramente que o Maranhão é apenas uma mancha vermelha, significando o processo de total devastação da floresta, apenas interrompido pelo verde sobrevivente nas terras indígenas e algumas unidades de conservação.

Essa realidade motivou a solicitação de uma audiência pública pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado. O deputado Bira do Pindaré, que solicitou a audiência, a partir de pedido do Cimi Regional Maranhão, foi o único parlamentar presente. Aos outros 41 provavelmente o tema dos direitos indígenas não devia ser motivo de interesse e de debate. O mesmo pensamento devem ter os órgãos públicos convidados, particularmente a Funai, o Incra, o Ibama, dentre outros. Nenhum deles compareceu ou sequer se deu ao respeito de comunicar sua ausência. Um pacto de cinismo, como disse um professor da Universidade Federal do Maranhão, que mostra não apenas o grau de omissão dos governos federal e estadual, mas sua criminosa postura de apoio ao processo de devastação e desrespeito aos direitos dos povos indígenas, especialmente a terra.

A audiência pública, em meio à greve geral dos transportes coletivos, foi convocada para debater de maneira especial, duas situações: Terra Indígena Governador, do povo Gavião, no município de Amarante do Maranhão e a Terra Indígena Awá-Guajá, município de Zé Doca, ambas sob fortíssima pressão de interesses econômicos e políticos regionais, invasão massiva de madeireiras (só nas terras dos Awá há aproximadamente 180 serrarias atuando) . É voz corrente entre os políticos e interesses econômicos de que essas duas terras indígenas não serão demarcadas. Como garantia às suas pretensões alegam a existência de milhares de assentados pelo Incra nessas áreas (só na área dos Pukobjê-Gavião existem 11 assentamentos).

Rosana, coordenadora do Cimi Regional Maranhão, destacou a campanha difamatória contra os direitos dos povos indígenas no Estado, estimulando um verdadeiro genocídio contra populações indefesas, com grupos em situação de isolamento voluntário, como é o caso dos Awá. A proteção e o reconhecimento dessa terra indígena se arrastam por 30 anos. Representantes desse povo deram seu depoimento na língua materna. Falaram da destruição da floresta e da caça, com a invasão de seu território: “Destroem nossa comida. Eu tenho ciúme da floresta, da caça”. Lembraram a ida a Brasília no ano passado, quando cobraram do desembargador Girair Aram, no Tribunal Regional Federal, a demora no julgamento sobre suas terras. Três Awá, dentre os quais um estava na audiência no ano passado, fizeram uma visita aos Kaiowá Guarani, no Mato Grosso do Sul, para os quais levaram flechas para que pudessem se defender da invasão de suas terras. Apesar das distâncias e realidade históricas tão diversas, se entenderam na língua (tupi-guarani) e nas intenções: defender-se dos invasores e destruidores de seus territórios e da floresta. 

Encaminhamentos

– Fazer um relatório com as cobranças aos organismos do governo que não compareceram, especialmente a Funai;

– Cobrar da Funai  um plano de retirada e reassentamento dos moradores não índios da Terra Indígena Awá-Guajá, conforme determinou a decisão judicial;

– Interditar uma estrada que atravessa a terra indígena Awá;

– Solicitar ao Ibama um plano de fiscalização efetivo (infelizmente em ocasiões anteriores de embargo, triplicou o número de serrarias atuando em terras indígenas);

– O deputado Bira, em conjunto com outros aliados, visitará órgãos fundiários e também o Ministério da Justiça, com documentação relatando tudo que foi denunciado e exigido pelos indígenas e seus aliados.

A audiência pública foi um momento importante para os povos indígenas do Maranhão darem visibilidade a situações dramáticas de violências, mortes e ameaças e exigir do Governo Federal providências urgentes.

Egon Heck, Cimi 40 anos, São Luís do Maranhão, 22 de maio de 2012.

http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6284&action=read

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