Uma reflexão sobre a PEC 215/00, por Andrea Jakubaszko (OPAN)

Efetivamente o que está em questão não é o tamanho nem a produtividade de terras indígenas, mas a capacidade dos cidadãos brasileiros em compreender esse cenário complexo e os diversos interesses em jogo.

“Um dia
a nossa pátria ó mãe tão distraída
sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações…”
Chico Buarque de Holanda.

Ai, as emendas do Brasil

O contexto da votação da PEC 215/00 seria cômico se não fosse Trágico. Expressa o ‘jeitinho’ de uma nação, expert em fazer remendos constitucionais para atender a interesses privados.

Constituição – 1988:  momento único autenticamente democrático vivido pela Nação Brasil. Políssêmico. Plural.

O desrespeito extrapola os Povos Indígenas, Quilombolas, porque atinge acima de tudo a história de uma nação e sua capacidade de constituir suas leis, desqualifica os próprios poderes instaurados e representados por políticos que ainda deveriam merecer ser alvo de respeito (os constituintes), juntamente com os interesses públicos e seus não menos importantes representantes civis e a União.

Ainda que o atual e lamentável quorum de deputados que aí  figura – criaturas que não sabem nada de História, nada de Política, nada de Leis, nada do Brasil – politiqueiros que estão longe de ser Politikus – ao imaginarem que sabem o que fizeram, não imaginam: o que estão fazendo.

Responsabilizar a superpopulação mundial e o mercado chinês para justificar submeter toda uma Nação e seus múltiplos e diversos interesses ao retrocesso configura, nesse caso limite, um Ato Legal de Terror. O Brasil já foi telespectador de muitos, mas tenebroso como esse parece ser sem precedentes. As derrotas somaram-se uma a uma, desde as condicionantes do STF pós demarcação Raposa Serra do Sol (RR), os zonementos ambientais estaduais, grandes obras e negociatas, código florestal e agora – o golpe final.

O que há por trás da PEC 215/00 ?

Fazer justiça aos latifúndios? Fazer justiça ao agronegócio? Fazer justiça à fome do mundo? Fazer justiça ao devido Progresso do Brasil? Havia me esquecido que o Brasil entende de Justiça Social como poucos.

A opinião pública(da) recorrentemente apoia-se em algumas ideias que precisam ser esclarecidas:

  1. Que Terras Indígenas, e a Amazônia de modo geral, configuram terras improdutivas.
  2. A velha ideia de que há muita Terra para pouco índio.
  3. Que Terra de Índio ameaça a soberania do território nacional.

O único e mais sério problema, pouco enunciado, é que os índios não têm nada a ver com tudo isso (até porque estão evidentemente invisíveis nessa malgrada transação) e no final, mais uma vez, devem pagar o pato!

AMAZÔNIA[1]

Terra       Povos       Matas       Água doce       Biodiversidade       Alimentos       Remédios       Saúde

Biopirataria

Ouro       Prata       Diamante

Garimpo

Fauna       Flora       Florestas

Venda ilegal de madeiras / tráfico ilegal de animais

Culturas       Conhecimentos       Técnicas       Saberes       Patrimônios

Tecnopirataria   /   Expoliação

Urânio       Petróleo       Bauxita

Imperialismo

Efetivamente o que está em questão não é o tamanho nem a produtividade de Terras Indígenas que, esclarecemos, correspondem a Terras da União – Tesouro e Patrimônio Nacional – incluindo os sistemas simbólicos (diversidade de culturas) que o alimentam e sustentam.  O que está em questão, portanto, é a capacidade dos cidadãos brasileiros em compreender esse cenário complexo e os diversos interesses em jogo.

Em nosso processo histórico de formação de uma identidade nacional, ainda que desde cedo, na escola, nos habituemos a declarar que a cultura brasileira é também fruto da herança indígena, raramente estamos predispostos a reconhecer e nos identificar com essa herança. Apesar da pluralidade de culturas e línguas que configura o Brasil, reconhecido como um país pluriétnico e multicultural, parcelas significativas da população ainda se surpreendem ao descobrir a resistência e existência persistente das culturas indígenas, vivas e presentes no cenário nacional. A surpresa, comumente, vem acompanhada ainda pelo espanto de perceber que muito das práticas culturais tradicionais permanecem atuantes.

O curioso é que esse espanto revela, com frequência, o sentimento que traduz o estranhamento dessa diferença e dessa persistência pelo sentido do exótico ou do arcaico. Incorporamos com extrema facilidade e leveza novidades tecnológicas, manifestações culturais e comportamentais de vários outros lugares do mundo e, no entanto, consideramos exótica (ou atrasada) a nossa própria tradição, suas raízes, fundamentos e territorialidades. Nos espelhamos cotidianamente nos países chamados de ‘primeiro mundo’, porém, esquecemos que o reconhecimento da tradição e o respeito ao seu patrimônio cultural, natural e histórico, articula um eixo vital de seus padrões de desenvolvimento.

Por essa razão, compreender o que significam estas Terras da União é extremamente importante para o nosso próprio reconhecimento, o reconhecimento de um nós tão caro à concretização de um sentimento de nação. Incorporar referenciais dados por estas nações nativas e seus saberes significa valorizar e legitimar nossas possibilidades históricas tanto no que se refere ao passado quanto no que diz respeito ao presente e ao futuro. Mais do que museus e arquivos, o Brasil ainda precisa caminhar muito na direção de conhecer e respeitar as tantas expressões, vivas e atuantes, que configuram a realidade do país e as potencialidades diversas de desenvolvimento que essas expressões sustentam.

O caminho mais imediato para a internacionalização e a ameaça de soberania nacional é converter as Terras da União em propriedades privadas para cultivo de commodities e produção exógena tipo exportação. Nesse caso, interesses antinacionais sem dúvida serão vitoriosos. Esta é a Justiça Social defendida pela Câmara dos Deputados na defesa da PEC 215/00.

O nosso legislativo, em sua insana transgressão pode, desta vez, fazer eclodir aquilo que no Brasil sempre se manifestou de modo local e controlável pelo Estado – rebeliões civis. Caso esta PEC venha a ser futuramente aprovada pelo congresso nacional, com assombro, talvez vejamos enfim O Terror de uma Nação.

“Numa enchente amazônica,
numa explosão atlântica,
a multidão vendo em pânico,
a multidão vendo atônita,
ainda que tarde,
o seu despertar”.
Chico Buarque de Holanda

[1]Autoria: Pedro Henrique da Costa Passos.

Enviada por Vanessa Caldeira para a lista do Cedefes.

Comments (1)

  1. por favor saia do casulo,o mundo mudou.os tempos mudaram,nao existe mais essa sua logica romatica e distorcida dos fatos,fala aqui ,quem enfrentou muita policia em nome da democracia,da liberdadde e da IGUALDADE,voce nao consegue igualdade,tratando de forma desigual,criando nichos,criando privelegios aos menos abastados,voce cria apenas sepaçao das classes.abaixo o sectarismo a discriminaçao e ao odio que ela gera.

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