Documento da abertura oficial do Tribunal Popular da Terra, em MS

Abaixo, o documento cuja leitura, ontem à noite, abriu oficialmente o Tribunal Popular da Terra, em Mato Grosso do Sul:

Irmãs e Irmãos indígenas
Irmãs e Irmãos representantes do Movimento Negro
Irmãs e Irmãos camponeses
Convidados e observadores
Senhoras e senhores
Companheiras e Companheiros de luta
Autoridades presentes

A Comissão Pró Tribunal Popular da Terra em Mato Grosso do Sul, ao dar boas vindas a todas e todos, pretende destacar três questões de grande importância para seus componentes: entidades, movimentos sociais e políticos, organizações de direitos humanos, movimentos universitários, instituições de caracteres missionário e pastoral, movimento de mulheres, organizações indígenas, camponesas e outras.

Este Tribunal, que colocará simbolicamente o Estado Brasileiro, o Agronegócio e o Iatifúndio no banco dos réus, empodera-se das seguintes bandeiras de luta e resistência:

  • Defesa intransigente dos Direitos Humanos e da solidariedade;
  • Unidade, autonomia e mobilização para o fortalecimento das organizações populares anticapitalistas;
  • Defesa da esperança e do imaginário da transformação social, política e econômica em nosso país.

Este Tribunal se ergue na defesa ativa dos direitos humanos e da solidariedade aos povos da terra perante o império da violência que o Iatifúndio, o agronegócio, o Estado Brasileiro e o Estado de Mato Grosso do Sul praticam de diferentes formas, graus e
mecanismos contra os povos da terra. Essas formas, suas intensidades e seus mecanismos serão apresentados amanhã quando o Conselho Popular de Sentença, assumindo sua função simbólica, apresentará os casos emblemáticos de violações contra pessoas, a vida, o meio ambiente, a Terra e as Águas, enfim, contra a “comunidade de vida” onde se abrigam os povos da terra.

Este Tribunal Popular da Terra é uma forma de transmissão de pensamentos, de idéias, de conscientização, mas também é uma mensagem para os inimigos da vida, para que parem com a violência contra os que lutam por direitos, por terra e território neste Estado. É uma mensagem que assinala que não haverá sempre pessoas e organizações que ficarão caladas e contemplativas o tempo todo vendo e testemunhando passivamente seus irmãos serem massacrados de diferentes formas; serem violentados em seus direitos fundamentais por conta da ambição grosseira e demencial dos que elencam e colocam o lucro e desenvolvimento a qualquer custo, acima da vida.

Este Tribunal, portanto, é o Tribunal dos direitos humanos, da solidariedade, da defesa da vida. É o Tribunal que é contra os Estados que condenam e levam às crianças indígenas à morte por desnutrição; contra os Estados que se omitem perante os assassinatos dos que lutam por terra, território e direitos. Este é o Tribunal que defende a terra e condena os agrotóxicos; é o tribunal que defende os povos indígenas e condena a lei da pistolagem; é o tribunal que defende a agricultura familiar camponesa e condena o agronegócio como única via de desenvolvimento. Este é o Tribunal que defende a partilha da terra, a reforma agrária e é contra o latifúndio. Este é o tribunal do movimento negro, dos quilombolas, dos indígenas e é contra o racismo e a discriminação. É o Tribunal onde não tem espaço para a impunidade. Este Tribunal é o tribunal do povo da terra e de suas organizações em luta.

A segunda questão em importância: A Unidade, a Autonomia e o Fortalecimento das organizações populares anticapítalistas, revelando-se uma necessidade dos movimentos populares, cujo Tribunal também emitirá uma decisão.

As organizações sociais, dos camponeses, dos trabalhadores, do movimento negro, dos indígenas, das mulheres, dos estudantes não podem mais simplesmente ficar na marginalidade. E preciso recuperar a vocação histórica de quem luta por mudanças reais, ou seja, não só dentro da sociedade capitalista e sim do capitalismo. É preciso, e fazemos o chamado, a recuperação da vocação hegemônica na orientação da luta negra, indígena e popular perante o capital e seus mandantes. Não podemos permanecer sempre atrelados a uma correlação de forças desfavorável. Não podemos ficar observando sempre como a política, a economia, a educação, a produção e a destruição da vida, da terra e das águas é conduzida, tranquilamente, sem quase oposição, pelo agronegócio, pelo capital e pelas transnacionais no Mato Grosso do Sul; ou seja, por uma minoria insaciável por riqueza e poder.

O Coletivo social-político organizador do Tribunal Popular da Terra faz um alerta sincero e humilde, mas também enérgico, sobre o esvaziamento de um espaço estratégico abandonado por omissão, comodismo ou confusão ideológica por muitos militantes e organizações. Este Tribunal, portanto, é o Tribunal que busca a unidade e chama a necessidade de lutar com criatividade para mudar a correlação de forças e para não ficarmos cativos e omissos na fatalidade de nossa dispersão e crise.

O agronegócio já definiu que o limite de suas ambições de lucro e de poder neste Estado é o céu. Os que temos então o ser humano como limite de nossas ambições Iibertárias precisamos continuar lutando, insistentemente, em prol da unidade e do fortalecimento das organizações populares. Lutarmos pela defesa da esperança e da recuperação do imaginário, da transformação social, política e econômica em nosso país.

E por último e terceira questão, e o que nos anima, é que vemos e viemos com a ousadia de organizar o Il Tribunal Popular da Terra em MS, 27 anos depois, numa conjuntura totalmente diferente e, porque não, desfavorável desde o ponto de vista subjetivo e até objetivo.

Misturar um mínimo de inclusão social contra uma gigantesca maquinaria de reprodução de lucro em beneficio do capital e de empresas transnacionais que sempre Iucraram à custa de nossos povos e nossas riquezas não pode dar certo a meio e longo prazo. É insustentável social e economicamente. A dignidade e a justiça serão continuamente lesadas se aceitarmos a lógica da perversa regra de que os ricos e as corporações serão sempre os caritativos chamados a subsidiarem a vida dos que são empobrecidos e excluídos pela sanha do próprio capital.

E, politicamente, tampouco se pode pôr teto ao sonho coletivo de uma vida melhor para reduzi-lo e mudá-lo pelo sonho de maior consumo. Isto foge do paradigma que surgiu 145 anos atrás como produto de um longo processo de organização da classe trabalhadora, que na sua própria dialética nega o direito de pôr limites ao imaginário de superação de uma sociedade baseada na exploração do homem pelo homem.

Portanto, este Tribunal é anticapitalista e anti-imperialista e os que o imaginaram coletivamente lutam pela superação do estado da propriedade privada, da sociedade dividida em classes sociais e do sistema da exploração do homem pelo homem. Este Tribunal Popular da Terra anseia um mundo melhor, a paz, a construção de uma sociedade alternativa, solidária, com justiça social, e vida em abundancia para todos e todas.

Viva a resistência dos povos indígenas!!!

Viva a digna luta do movimento negro!!!

Viva os camponeses que lutam pela terra!!!

Viva os pequenos agricultores das terras conquistadas!!!

VIVA OS POVOS DA TERRA!!!

VIOLÊNCIA NÃO!!! TERRA, VIDA E FUTURO SIM!!!

Campo Grande, 30 de março de 2012

Enviada por Neyla Fernandes.

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