Pesquisa investiga o papel da formação universitária dos indígenas no País

Débora Motta

O Brasil tem cerca de 230 povos indígenas distribuídos ao longo do seu vasto território. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são pelo menos 734 mil pessoas de diversas etnias, que falam 180 idiomas, diferentes do português. Um projeto coordenado pelo antropólogo Antonio Carlos de Souza Lima, que é Cientista do Nosso Estado da Faperj, pesquisador nível 1-B do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e professor do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia a importância do acesso dos indígenas à educação de nível superior, para que exerçam um papel de protagonismo político e intelectual na sociedade

De acordo com o pesquisador, a educação superior e o fortalecimento de uma intelectualidade indígena têm sido reivindicados pelos indígenas como condições essenciais para redefinir suas relações com o próprio Estado, favorecendo a criação de políticas públicas mais adequadas às aldeias. Para isso, ele faz uma análise teórica não só das ações governamentais nessa área, mas das próprias organizações indígenas e das universidades que vem recebendo cada vez mais esses estudantes.

“O objetivo do projeto é refletir sobre a situação de uma nova geração de lideranças indígenas no Brasil, que têm sido formadas também nas universidades, e contribuir para que elas tenham uma melhor formação”, explica Souza Lima, co-coordenador do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (Laced) do Museu Nacional.

Em busca de um Estado pluriétnico

O antropólogo social lembra que as relações do Estado brasileiro com os indígenas vêm se transformando nas últimas décadas. A partir da Constituição de 1988, eles deixaram a condição de legalmente tutelados, isto é, apenas parcialmente responsáveis por seus atos, como os brasileiros não indígenas menores de 18 e maiores de 16 anos. Finalmente, eles passaram a ser capazes de se representar juridicamente por meio de organizações, e tiveram seu estatuto de “povos” reconhecido pelo governo brasileiro, com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Congresso Nacional em junho de 2002.

“Hoje, são povos que tiveram que se articular politicamente em função da luta pela terra e outros direitos coletivos, que demandam projetos de sustentabilidade e desenvolvimento, e buscam projetos e parceiros. Só na Amazônia, são mais de 400 organizações indígenas”, diz Souza Lima.

Nesse novo cenário, surgido com a redemocratização do País, em que o papel das lideranças políticas dos grupos indígenas ganha força, o acesso à educação de nível superior, por jovens da tribo, pode ser uma ferramenta de transformação para todo o grupo.

“A universidade, devidamente transformada para lidar com a diferença sociocultural, pode ser um caminho importante para que indivíduos indígenas aprendam a negociar com o nosso mundo para formular políticas públicas específicas. Os indígenas querem ter acesso ao conhecimento acadêmico para utilizá-lo a favor de seus povos, sem deixar de lado suas tradições”, diz o professor, que vem atuando também em ações de suporte à qualificação universitária de indígenas com os projetos”Trilhas de conhecimentos: o ensino superior de indígenas no Brasil”, realizado de 2004 a 2009, e “A educação superior de indígenas no Brasil: avaliação, debate e qualificação”, que coordena hoje — ambos apoiados pela Fundação Ford.

Segundo Antonio Carlos de Souza Lima, as políticas afirmativas voltadas para a educação dos indígenas devem ser repensadas. “O Ministério da Educação tem financiado cursos de formação de professores indígenas, que atuam como multiplicadores do conhecimento nas suas próprias comunidades, mas não há uma política federal de concessão de bolsas de estudo para o custeio da permanência dos indígenas durante os cursos regulares nas universidades”, destaca o professor. “Nem se tem criado cursos novos que contemplem mais especificamente os interesses indígenas, menos ainda dialogado com os conhecimentos específicos desses povos no dia a dia das universidades. Eles não têm condições de se manter na universidade sem um apoio diferenciado, salvo por casos de indivíduos de algumas famílias”, completa.

Para o pesquisador, estudar o tema sob a perspectiva antropológica é um primeiro passo para reduzir o desconhecimento sobre os modos de vida indígena e promover uma sociedade mais plural. “Existem muitos trabalhos sobre a educação escolar indígena, mas poucos sobre a educação de nível superior para esses povos. Esse é um diferencial do projeto”, resume.

http://www.agrosoft.org.br/agropag/221052.htm

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