Moradores denunciam pressão da prefeitura de São Paulo para deixar comunidade

Para lideranças da Jurubatuba, subprefeitura planeja construir uma praça em lugar da favela que é “vizinha de muro” de condomínio de classe média alta na zona sul

Apesar de pressão da prefeitura e de vizinhos, comunidade Jurubatuba luta para se manter onde foi criada há mais de 30 anos (Foto: Danilo Ramos/RBA)

Por: Suzana Vier, Rede Brasil Atual

São Paulo — Da garagem de sua casa, o designer de bolsas Luiz Geraldo de Oliveira, morador da comunidade Jurubatuba, observa e é observado pelos vizinhos de um condomínio de classe média alta, ambos localizados na Avenida Engenheiro Eusébio Stevaux, zona sul da capital paulista. Os vizinhos vivem separados por um muro e sua respectiva cerca elétrica, construídos pelo condomínio.

As relações tensas da vizinhança, que poderiam ser mediadas pela prefeitura de São Paulo, a quem pertence o terreno da comunidade, ficaram ainda piores depois que funcionários da subprefeitura de Santo Amaro foram flagrados e denunciados por receber dinheiro da construtora do empreendimento para retirar os moradores. O problema atualmente persiste de forma velada, apontam lideranças comunitárias, com vigilância constante, ameaças contra quem mora na Jurubatuba e a intenção da prefeitura de construir uma praça no local.

Segundo moradores, uma das justificativas do poder público municipal para a retirada da comunidade seria a proximidade com o córrego Jurubatuba. “Não há dúvida que estamos ao lado do córrego, mas depois de anos de luta, já conseguimos asfalto e rede de água. Este ano, temos o compromisso da canalização do córrego, agora só falta o sistema de esgoto”, descreveu Oliveira. “Depois de mais de 30 anos aqui, com raízes e referências, é nosso direito ficar”, diz. Cerca de 125 pessoas, entre elas 40 crianças, vivem na comunidade.

A reportagem entrou em contato com a prefeitura, mas até as 17h30 de ontem (5) não recebeu retorno.

De acordo com Luiz Geraldo, o muro do condomínio recém-criado também não respeita a legislação ambiental e está a menos de 30 metros do córrego. “Eles também estão irregulares, mas lá ninguém mexe”, disse.

A comunidade está no local desde a década de 1980. Em  2007, passou a receber notificações da prefeitura para que desocupasse a área. No mesmo ano, a construtora Gafisa deu início à demolição do prédio que abrigava uma indústria para construir os novos edifícios. Na época, a gestão municipal ofereceu R$ 5 mil e mais tarde R$ 15 mil e caminhão de mudanças para as pessoas deixarem suas casas. “Quando chega um empreendimento novo no bairro, começa essa história de revitalização da área, que significa a remoção de famílias”, contou Oliveira. A construtora Gafisa afirmou em nota que “não tem ligação com o caso”, mas que os moradores “estão invadindo uma área pública”, por isso o problema seria da gestão municipal.

Em 2007, outra comunidade, a Trigueirinho, também na zona sul da capital paulista, foi retirada sem aviso prévio, por ficar próxima a outro conjunto de prédios de luxo, revelou Luiz Geraldo. Uma trabalhadora doméstica que passava a semana toda na casa dos patrões foi desalojada sem saber. Só descobriu que seus móveis estavam na rua vários dias depois da remoção. “Dá uma tristeza enorme lembrar daquela senhora. Os móveis dela ficaram no tempo, sem que ela desconfiasse que não tinha mais casa”, disse o líder comunitário.

Escondidos

A convivência difícil começou durante a construção do empreendimento. Houve intermediação da prefeitura para a retirada dos moradores, com recursos da construtora. Na avaliação de Luiz, as 37 famílias que vivem na área só puderam continuar porque conseguiram gravar e denunciar ao Ministério Público (MP) uma reunião dos moradores com a prefeitura em que técnicos admitem que a Gafisa estaria patrocinando a saída dos vizinhos indesejados.

Lideranças da região tinham recebido denúncias de que a construtora estaria pagando a representantes prefeitura R$ 25 mil para cada casa desocupada. O repasse às famílias seria da ordem de R$ 15 mil. A denúncia levou à demissão de assessores da subprefeitura de Santo Amaro. O MP abriu inquérito para apurar suspeitas de corrupção ativa e passiva e tráfico de influência dos servidores públicos.

Após as denúncias, embora tenham conseguido permanecer no terreno, os moradores passaram a sofrer pressão da Polícia Ambiental. Voltaram a denunciar o problema e a Justiça de São Paulo arquivou o processo contra a comunidade.

Durante o lançamento do empreendimento, a comunidade passou por mais alguns embaraços. De acordo com os moradores, um outdoor do empreendimento tentou “esconder” os vizinhos da favela. Além da placa gigante, vasos foram espalhados inclusive em frente da garagem de Oliveira. Em novembro de 2009, parte da propaganda caiu e danificou carros de moradores da favela.

Embora uma liminar de junho de 2009 garanta a permanência na área, a pressão é constante, revelou Luiz. “Toda hora há pessoas filmando a gente, procurando comportamentos inadequados.”

A casa do designer de bolsas, onde fica a sede da associação de moradores, é constantemente atingida por objetos e por recados ameaçadores. Também há problemas na convivência entre as duas partes. “Som alto aqui não pode, mas festa lá não tem problema.”

Luiz Geraldo também acompanha as negociações para retirada de outras três favelas na região, para a construção de um parque. “O que parece é que a prefeitura inventa projetos de praça e parques para retirar a população mais carente. A população não pode ficar perto de rico?”

http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidades/2012/03/sp-moradores-de-comunidade-na-zona-sul-denunciam-pressao-da-prefeitura-para-deixarem-o-local

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