RS – Agronegócio inicia processo para alterar legislação fundiária e regularizar o assalto as terras indígenas e quilombolas

Está em curso uma manobra do agronegócio e empreiteiras para legalizarem a apropriação das terras quilombolas e indígenas em todo o país. Legalizarem o que já invadiram e acabar com a resistência existente que tem dificultado a apropriação de terras que se encontram em regiões férteis, lavras minerais, água, construção de hidrelétrica, campo aberto ou floresta.

O alvo da mobilização que iniciaram no Rio Grande do Sul é alterar a legislação existente na Constituição e que regula a propriedade, o reconhecimento histórico e antropológico do sitio, da mata, da floresta, dos rios. É uma operação de grande porte e impacto social e ambiental. Visa, por exemplo, legalizar projetos como o da construção da hidrelétrica de Belo Monte e os que estão planejados na ideologia do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), e ainda, a apropriação das riquezas em quilombos como o de Morro Alto, no Rio Grande do Sul.

Aliás, o que incentiva e anima os ruralistas é o clima ideológico na base do pensamento do grupo político que hegemoniza os últimos governos federais e pensa o “desenvolvimento” do país.

Plano em marcha

Pondo em marcha o plano amadurecido, a Senadora Ana Amélia Lemos, do PP, ex-funcionária da RBS, realizou e presidiu audiência publica convocada pelas Comissões de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado e da Assembléia Legislativa do RS, no ultimo dia 21 de outubro.

A pauta era discutir “O impacto na agricultura a regularização fundiária das terras de quilombolas e a demarcação de terras indígenas”. Neste momento, a operação pretende conquistar corações e mentes do povo, especialmente o do meio rural. Por isso estão organizam ampla divulgação de suas ações. Para alcançar o povo rural, a audiência foi transmitida pelo Canal Rural, da RBS, e TV Senado, para todo o país. E foi formatada para ser um show que mostrasse como os pequenos produtores rurais estão ameaçados, vejam vocês, de se transformarem em “novos Sem Terra” se forem retirados dos territórios indígenas e quilombolas.

A primeira audiência foi no Rio Grande do Sul. Neste estado colonos italianos, alemães e poloneses e de outras nacionalidades foram trazidos há mais de cem anos e colocados em terras quilombolas e indígenas, o que permite agora aos latifundiários argumentar de que não se pode fazer “justiça cometendo uma injustiça ainda maior”, tirando “quem está a tanto tempo produzindo”.

Sensibilizar o povo usando o pequeno produtor levou os latifundiários a dar a largada desta fase da operação de mudança da legislação no RS mas também porque aqui contam com um apoio estratégico. A ação começou com a publicação de uma matéria no principal jornal do grupo RBS. No domingo, 25 de setembro, a foto de capa era do pequeno produtor rural e seu cão, cuidando de sua cultura, sob o título “O novo conflito agrário”.

Esta matéria, entretanto, não inicia o processo. Mostra que a articulação iniciada com a apresentação do Projeto de Lei 44/07, do deputado federal do PMDB por Santa Catarina, Valdir Collato, prepara a base legal para apreciação pelo Superior Tribunal Federal da ADIN 3239, impetrada pelo DEMO. Eles tem pressa.

A máscara

Como a audiência no Rio Grande do Sul foi montada pelos brancos, ricos e políticos a eles ligados, as lideranças indígenas e quilombolas não foram chamadas e a mesa composta é a auto-denúncia da situação.

A senadora Ana Amélia Lemos presidiu, os deputados estaduais Edson Brum (PMDB) e Gilberto Capoani (PMDB), os deputados federais Alceu Moreira (PMDB), com negócios nas terras do quilombo de Morro Alto, e Luiz Carlos Heinze (PP) auxiliaram. Todos parlamentares do Rio Grande do Sul.

Estavam presentes ainda representantes da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag/RS), da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf-Sul, da Federação da Associação dos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul (Famurs), da Fundação Cultural Palmares, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), do Ministério Público Estadual (MPE), a subchefe da Casa Civil do Estado, Mari Peruzzo, da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA).

O representante da Famurs foi o prefeito de Getúlio Vargas, Pedro Paulo, região que ocupada de forma irregular terra indígena. E a CNA, Anaximando Almeida, da Comissão nacional de Assuntos Fundiários que atacou a legislação porque “distorceu as relações sociais”.  Para ele, o “processo administrativo para a demarcação da terra indígena hoje não ter legitimidade”.

Não negaram que índios e quilombolas têm direitos, “mas quem deve a eles é o estado”.

Revelação no início

Com a mesa do agronegócio constituída, a audiência iniciou sem que sequer os não convidados, indígenas e quilombolas tivessem conseguido entrar no auditório da Assembléia Legislativa, já ocupado pelos pequenos e grandes produtores misturados entre eles. A senadora Ana Amélia Lemos iniciou situando o que se seguiria: a audiência discutiria a questão agrária envolvendo pequenos produtores, indígenas e quilombolas, e as conseqüências para a agricultura brasileira.

A coisa até que estava indo bem, mas a fala do representante da FUNAI, João Maurício Farias, denunciou que ao chegar ao local foi informado pelas lideranças indígenas que eles e suas representações não tinham sido convidados para aquela audiência e ainda estavam do lado de fora do auditório. A senadora, da presidência da atividade, cortou sua palavra. Ela se deu o direito de o apartear para se defender. Disse que não podia deixar de esclarecer que a divulgação daquela audiência foi feita pela TV Senado, que teria falado sobre ela, que ali ouviria as representações dos quilombolas e dos indígenas. Que sabia que a presença da FUNAI e do INCRA representava o governo.

A senhora do agronegócio da terra e da mídia reconheceu que ainda havia indígenas e quilombolas tentando entrar, mas “não era possível pelo tamanho do auditório, para fazê-lo teria que realizar aquela audiência em um estádio de futebol, pelo interesse da matéria”. Defendeu-se dizendo que “não queria passar a idéia de que ela estava parcializando o debate deste assunto”.

A questão é histórica

Como os administradores dos interesses do Império no país, os atuais representantes do agronegócio e empreiteiras usam os pequenos produtores, desta vez para ocupar mais terras. Aliás, o que menos interessava ao Império português ou espanhol, como ao atual império, é saber se algum povo tem direitos, como o demonstra o que fizeram e fazem com os indígenas das missões, do Planalto, do nordeste ou campanha. Daquele período para cá, das mais 22 etnias que existiam no Rio Grande do Sul, sobraram três (guaranis, kaingang e charrua).

No caso dos quilombolas que ficaram ou receberam as terras em testamento, como no caso de Morro Alto, não importa. E o Quilombo de Morro Alto é um resumo da riqueza pretendida pelos latifundiários que precisam quebrar o ânimo dos povos quilombolas e indígenas em luta, iniciando a derrota dos mais de cinco mil quilombos existentes no país, da resistência às invasões das terras indigenas.

No caso dos Sem Terra, aqueles que são descendentes dos que no passado trabalharam a terra mas o processo de mercantização os jogou na miséria. Primeiro no desalento das cidades e depois nas lonas pretas à beira da estrada, e se constituem também em descendentes de alemães, italianos, poloneses mas sequer foi citados na audiência da Ana Amélia Lemos e RBS. Mas eles marcharam à AL, em apoio ao sonho da reforma agrária para os pequenos trabalhadores e reconhecimento territorial e histórico para os quilombolas e os indígenas. A defesa de uma sociedade. E estavam presentes!

Social – o silêncio dos inocentes

O ataque principal que fizeram a partir do microfone da audiência transmitida para todo o pais foi ao a legislação, que teria “rompido a paz que havia nas relações entre indígenas, quilombolas e pequenos produtores”.

No caso de Morro Alto os quilombolas descrevem esta paz como sendo obtida através da violência, ameaça constante e, até  hoje, humilhações de quem trabalha duro e recebe menos do que determina a lei do salário mínimo.

Humilhações descritas as centenas por homens e mulheres que, por serem negros, foram obrigados a se ajoelhar para conseguir sobreviver. Ajoelhar mesmo, sem ser figura literária, exigido por grande invasor de Morro Alto, por exemplo, como descreve em detalhe o presidente da Associação Quilombola, Wilsom Rosa, quando relata a vida de seus descendentes.

Aliás, Wilsom está agora está ameaçado de morte pela articulação econômica e política que explora as riquezas daquela região. O caso já foi levado ao ouvidor agrário nacional.

Há caso, como o dos que trabalham para o latifúndio, mas estão ameaçados de serem demitidos se comparecerem as reuniões da Associação Quilombola.

Há casos como da comunidade do Quilombola de Mormaça, no município de Sertão-RS. Lá o padre está proibido de rezar missa e a escola municipal foi fechada pelo prefeito, maior latifundiário na região.

Há o do Quilombo de São Roque, situada no Município de Praia Grande em SC na divisa com Rio Grande do Sul. Com a criação do Parque dos Aparados da Serra, nos anos 70, uma parte da comunidade ficou em sobreposição com o mesmo. Aproveitando-se da situação, os ruralistas apoiados pelas “autoridades” impedem os quilombolas de manter suas roças, criar os seus animais e reparar suas casas, sob pena de aplicação de pesadas multas, intimidações, invasão de moradias, queima de galinheiros, prisões e uma série de violências. Faz parte do grupo de agressão a ICMBIO, a prefeitura, policiais e outros funcionários do estado.

A paz que foi quebrada e a que se referem os opressores foi obtida todos estes séculos através da violência, com ajuda do estado, de forma covarde, impedindo que negros e indígenas pudessem ter suas vozes ouvidas. O que quebra a paz é a resistência dos povos que exigem seus direitos.

A manobra econômica

A campanha está centrada na defesa do pequeno produtor. No caso de Morro Alto, um empresário grilou e registrou no INCRA um pedaço de terra de 18 hectares. Mas cercou 250 ou mais. Mas se apresenta como pequeno.

Há ainda o problema da indenização do pequeno que tem situação diferenciada em sua caracterização na ocupação territorial. Alguns têm título, outros registro, outros têm escritura. Muitos têm benfeitorias. Todos, pela lei, devem ser indenizados pelo estado. Mas muitos foram recentemente levados para as regiões pelos grandes empresários e políticos, inclusive de partidos que se diz de esquerda, como o caso de Morro Alto. No caso das terras indígenas, a FUNAI não está orientada pela legislação a indenizar o invasor.

Política

Esta situação está articulada com os partidos políticos. No caso de Morro Alto, os deputados federais Alceu Moreira e Eliseu Padilha, ambos do PMDB, o ultimo, com relações políticas com o vice-presidente da republica Michel Temer, conseguiram reuniões importantes durante os meses de agosto e setembro com a Casa Civil da presidência da república. Esta manobra conseguiu que o INCRA do estado enviasse para Brasília o processo de titulação daquelas terras, interrompendo o curso da titulação.

Mostraram que não são base mas direção do governo. Força que financiou e elegeu prefeitos, deputados federais, estaduais. E fazem o governo estadual e federal não cumprir a lei, quando esta beneficia os oprimidos.

Dizem esperar que o conflito resulte num acordo que “agrade a todos”. Como este mundo do agrado de todos não existe, deputados, governadores, presidente, ministros silenciam enquanto os representantes dos latifundiários nos parlamentos preparam uma nova legislação alterando o direito quilombola e indígena.

Segundo o representante da FANAI na audiência, João Maurício, o senador Suplicy apresentou um projeto no senado, tentando reparar e indenizar o pequeno produtor que estivesse vivendo em terras indígenas há muito tempo. Mas esta proposta, diz, é para o sul do Brasil porque no norte não é o caso. “Lá o que há é muita grilagem feita porque rouba terra e mata índios”.

A Imprensa livre

O uso da mídia está centrada na defesa do pequeno produtor. Para realizar a operação, que terá continuidade em outros estados do país, os ruralistas estão agora na campanha midiática para convencer a população que “os pequenos agricultores têm direito de ficar em suas terras”. Se dizem precupados com a possibilidade de “novos sem terra”.

A audiência foi transmitida pelo Canal Rural, da RBS e pela TV Senado como um show que acabou quando o espaço cedido pelas emissoras terminou.

A matéria veiculada por ZH, em sua edição do domingo 25 de setembro é ofensiva sem atacar ninguém, apenas olhando pelos olhos dos pequenos agricultores. Nada disse sobre os grandes latifundiários, exploração econômica intensiva, empresa turística existente em Morro Alto. Mas as fotos sãs reveladoras. Três com pequenos agricultores e suas culturas verdinhas de alfaces e couves, e uma dos quilombolas, enfileirados, de braços cruzados ou arriados.

Cultural

O índio guarani Sepé Tiaraju é identificado com o pequeno produtor. A possibilidade de civilização que representa na região das Missões do Rio Grande do Sul, mas que se estende a Argentina, Uruguai e Paraguai, é virtuosa social e agrícola.

Mas os latifundiários ao longo da história dominaram o poder no estado do Rio Grande do Sul e nunca reconheceram Sepé como herói da formação social dos gaúchos. Ao contrário, explicitamente votaram contra quando de seu centenário de morte, negando o reconhecimento através do Instituto Geográfico e histórico do estado.

Mas as técnicas desenvolvidas pelos agricultores dos Sete Povos das Missões acabaram aproximando quem trabalha honestamente e os pequenos agricultores se aproximam de Sepé de forma bastante forte. Mas quando ele é identificado como índio, como quem também lutou por território indígena, aparece o preconceito usado historicamente pelos latifundiários.

Mas o reconhecimento de Sepé e do seu pleno significado, de defensor dos que trabalham na terra, amedronta os ricaços da terra.

Zumbi

A burguesia ruralista e empresarial também teme a propagação do exemplo de Zumbi. Este acabou sendo reconhecido como herói nacional a partir de estudos de pesquisadores gaúchos.

O RS é o centro do que deve ser derrotado e os grileiros, latifundiários, capitães do mato e da mídia, estão apostos.

Enviada por Ricardo Verdum.

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