Relatório de CPI a ser encaminhado em fevereiro para a Câmara muda a legislação para tentar conter o tráfico de pessoas. Proposta dificulta o processo para casais estrangeiros
Por Maria Clara Prates, em EM
O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas, que deve ser apresentado no mês que vem, logo depois do fim do recesso na Câmara dos Deputados, vai trazer medidas efetivas para tentar conter o avanço desse tipo de criminalidade organizada no Brasil, como um projeto de lei que muda as regras de adoção no país. A relatora do CPI, a deputada federal Flávia Morais (PDT-GO), disse que o objetivo é desburocratizar o processo e ainda endurecer regras para a adoção de brasileiros por casais estrangeiros, criando assim dificuldades para o tráfico de pessoas.
Entre as alterações para a adoção nacional está a criação de uma guarda compartilhada entre a família biológica e afetiva enquanto durar a guarda provisória. Além disso, a provisoriedade da guarda terá um prazo definido para apenas um ano. “Hoje, temos crianças que ficam com as família afetivas por até três anos e depois têm que ser devolvidas a seus pais biológicos. Isso é muito ruim para nossas crianças”, diz. Para a deputada, não existe dúvida de que haja uma relação entre o tráfico de pessoas e a dificuldade de formalizar a adoção legal no país.
Flávia Morais explica que quando as crianças abrigadas são entregues a uma família, até que a Justiça avalie a possibilidade de restruturação de sua família biológica, são criados vínculos afetivos importantes que não podem ser rompidos, o que a guarda compartilhada pode evitar. “Se essa é uma medida importante para os casais separados, por que não usá-las também para as adoções?”, questiona. E explica: “A criança tanto precisa do afeto da família substituta quanto da biológica e essa é uma forma de conciliar essa necessidade”.
Segundo a pedetista, um levantamento demonstra que existe hoje no Brasil um maior número de casais interessados na adoção do que crianças asiladas. Em 2012, eram 28 mil inscritos no Conselho Nacional de Adoção (CNA), e pouco mais de 5.200 crianças aptas a participar do processo. Os dados são do relatório feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Das que permanecem na lista de adoção, a grande maioria é formada por crianças institucionalizadas (que passaram parte da infância e adolescência em abrigos, por abandono familiar, violência doméstica, pobreza, entre outras).
Outra medida que será contemplada no projeto de lei é a proibição de qualquer tipo de intermediação por pessoa física das adoções no Brasil. Para sustentar a importância da medida, Flávia Morais lembra processo que apura a suposta intermediação ilegal de empresária na retirada do convívio familiar de cinco irmãos de Monte Santo (BA), para adoção por famílias em São Paulo. “Nesse caso, quem indicava a família à aliciadora era justamente a secretária do juiz, que conhecia a empresária. “As consequências foram graves, porque a Justiça reviu a decisão e determinou o retorno de todos para sua família biológica.”
SEM ATRAVESSADOR O chefe da Área de Adoção da Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Walter Gomes de Sousa, reafirmou, durante depoimento à comissão, a necessidade de as pessoas interessadas em adotar sempre procurar a Justiça, para fazer cursos e entrevistas necessários à habilitação em processos de adoção, evitando qualquer tipo de intermedição ou entrega informal de crianças por pais biológicos.
Gomes de Sousa também reconheceu que a lei tem problemas e dificulta a adoção definitiva de crianças que, por problemas no ambiente familiar, foram levadas a abrigos. Com 10 anos de experiência na área, ele recomendou que os processos de destituição familiar sejam iniciados pelo Ministério Público (MP) tão logo as crianças cheguem ao abrigo, já que hoje não há prazo para que as famílias biológicas sejam encaminhadas a programas de orientação e o MP só pode dar início ao processo com a destituição do pátrio poder.
Mas para criar critérios, de fato, transparentes, o projeto de lei quer tornar obrigatório que o juiz de Infância e Adolescência também seja obrigado a cumprir a ordem estabelecida pelo Cadastro Nacional de Adoções, que relaciona todos os casais no país que pretendem adotar uma criança. Os juízes e o Ministério Público também ficariam obrigados a comunicar imediatamente a chegada de uma nova criança para os abrigos, em razão da falta de estrutura de sua família. “Muitas vezes, o juiz não respeita o cadastro e opta por entregar a criança para uma família conhecida que nem sequer está inscrita legalmente para a adoção”, diz a deputada.
Acompanhamento no exterior
Diante do déficit de crianças para adoção por casais brasileiros, o projeto de lei quer dar à adoção de brasileiros por casais estrangeiros um caráter excepcional. Segunda a deputada Flávia Morais, não existe motivo para priorizar a adoção internacional, já que as crianças, além de perder o laço com a família biológica, vão sofrer com a mudança cultural. “Se temos mais interessados aqui, temos de priorizar o cidadão brasileiro”, defende.
Além disso, o projeto de lei, de sua autoria, quer tornar obrigatório o acompanhamento dos meninos e meninas beneficiados com a adoção internacional. A proposta prevê que durante o primeiro ano autoridades brasileiras no exterior acompanhem a criança e produza, a cada seis meses, relatório com a real situação do brasileiro. A partir daí, o acompanhamento se torna permanente, com relatório anual. Os documentos teriam que ser encaminhados para uma autoridade central federal no Brasil, que se reportaria, posteriormente, aos tribunais estaduais.
Para a deputada, esse pode ser o trecho mais delicado do projeto em razão da falta de comunicação entre os responsáveis pelos controles da adoção no país. “No governo federal, o responsável é a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, do Poder Executivo. Por sua vez, nos estados, o Judiciário é que responde por essa função. Isso dificulta o diálogo e o controle adequado”, explica Flávia, que defende ainda que as adoções não sejam concedidas a países não signatários da Convenção de Haia, que não garante cidadania aos brasileiros.
TRANSPARÊNCIA
Entenda as alterações a serem propostas
Adoção nacional
Criar a possibilidade de guarda compartilhada entre a família biológica e a afetiva durante o período de guarda temporária;
Estabelecer o prazo máximo de um ano para manutenção da guarda provisória;
Vetar a participação de pessoa física na intermediação das adoções;
Criar a obrigatoriedade dos juízes da Infância e Juventude de obedeceram a ordem do Cadastro Nacional de Adoção e de alimentar esse banco de dados.
Adoção internacional
Tornar excepcional as adoções estrangeiras, já que o Cadastro Nacional de Adoção tem mais casais brasileiros interessados em adotar do que crianças aptas ao processo;
Tornar obrigatório o acompanhamento por autoridades brasileiras da família de estrangeiros que adotou a criança brasileira;
Buscar mecanismo de comunicação eficaz entre estados e governo federal para acompanhar os relatórios enviados do exterior.
Saiba mais
A Convenção de Haia
Tratado multilateral sobre adoção internacional fechado por 75 países, assinado em 1993. Nele se reconhece a adoção internacional, conforme definido e acordado pela convenção, como um meio de oferecer uma família e um lar amoroso permanente a uma criança para a qual não foi encontrada uma família adequada em seu país de origem. Garante que as adoções internacionais sejam feitas no melhor interesse da criança e com respeito aos seus direitos fundamentais, bem como evitar sequestro, venda ou tráfico de crianças.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.