Por Raquel Rolnik
Às vésperas do encerramento da Copa do Mundo, o governo federal apresentou números oficiais sobre desapropriações e remoções realizadas durante o processo de preparação do país para o mundial de futebol. Segundo os dados apresentados agora, 13.558 famílias foram atingidas, em dez cidades. Estima-se, assim, que cerca de 35.600 pessoas tenham sido forçadas a deixar suas moradias para dar lugar a obras relacionadas ao megaevento.
Se por um lado é positivo que, finalmente, tenhamos números oficiais sobre o que aconteceu nos últimos anos, por outro, é preciso dizer que se o próprio governo teve enorme dificuldade de “descobrir” quantos foram os removidos por obras relacionadas à Copa, isso demonstra a forma como são tratadas as remoções relacionadas a obras públicas no Brasil: um assunto irrelevante, não “contabilizado”, atravessado por obscuridades e violência.
Em país de gente grande, o destino das pessoas removidas é tão ou mais importante do que os aeroportos e vias que as deslocaram. E sobretudo, é assunto de Estado. Este balanço, portanto, deveria ter sido feito antes mesmo de as obras serem iniciadas.
Além disso, não é difícil constatar que os dados não estão nada completos: em Belo Horizonte e Cuiabá, por exemplo, o quadro apresentado não fornece nenhuma informação sobre se as pessoas foram indenizadas ou reassentadas e onde isso aconteceu; no caso do Rio de Janeiro, apenas as famílias afetadas pelas obras da Transcarioca estão listadas, quando várias outras obras removeram centenas de pessoas – como na favela do metrô mangueira, no entorno do Maracanã.
Outro problema do levantamento do governo é a definição de “obra relacionada à Copa”. No Rio de Janeiro, por exemplo, moradias estão sendo demolidas ainda hoje na Vila Autódromo, no entorno do projeto para as Olimpíadas, deixando escombros e um cenário de destruição em torno das casas dos moradores que se recusaram a sair… Sem falar no projeto Porto Maravilha e nas inúmeras remoções de favelas no entorno da zona Sul. O próprio marketing da cidade relaciona estas intervenções aos dois eventos: Copa e Olimpíadas. Não mencioná-las é esconder a extensão do fenômeno.
Resumo da ópera: é importantíssimo o governo admitir que milhares de pessoas foram removidas, não necessariamente da forma mais respeitosa em relação a seus direitos, mas certamente o número é muito maior. Quanto? Não sabemos, porque justamente faltou e ainda falta transparência nos projetos que envolvem remoções, com ou sem Copa…
Aliás, os dados oficiais sobre desapropriações e remoções foram apresentados pelo ministro Gilberto Carvalho, da secretaria-geral da Presidência da República, em uma coletiva de imprensa sobre “Democracia e os grandes eventos”, na quinta-feira, dia 10. Dois dias depois, no sábado (12), às vésperas da partida final da Copa do Mundo, fomos todos surpreendidos com notícias de prisões arbitrárias de manifestantes pela polícia do Rio de Janeiro.
Segundo os jornais, ao menos 37 pessoas foram presas porque estariam envolvidas na organização de manifestações marcadas para acontecer no dia da final. Elas estariam sendo monitoradas desde junho do ano passado. Faz já alguns meses, aliás, que participantes de movimentos sociais, incluindo integrantes dos Comitês Populares da Copa, têm denunciado perseguições e ameaças, inclusive contra familiares.
Em São Paulo, o estudante e funcionário da USP Fábio Hideki foi preso no final de junho ao sair de um ato público na Praça Roosevelt, sob acusações de associação criminosa, posse ilegal de explosivo, incitação ao crime, entre outras. Em várias cidades, como Rio e Porto Alegre, manifestantes têm sido chamados a responder por acusações bem parecidas. Tais intimações e prisões atentam claramente contra a liberdade de expressão e de manifestação.
As informações que chegam pelas redes sociais e por alguns jornais parecem vir de um Brasil de outra época, quando protestar era crime e desafiar o sistema custava vidas. O que estamos vendo parece qualquer coisa menos democracia.
Esperamos que não seja este o maior legado da Copa!