Terezinha e Altamiro: alugar direitos custa caro em São Paulo

7BCE3024C27115213FCA8A322531765A145422AB2197197DB516A70FDA037CBBTerezinha e Altamiro: duas histórias que constroem um retrato da crise habitacional que atinge milhares de paulistanos

Por Isabel Harari, Thiago Gabriel e Roberto Oliveira da Revista Vaidapé para Carta Maior

Tereza Rosa da Silva, a Terezinha, tem três filhos e mora na região do Grajaú. Trabalha como doméstica e não conseguia arcar com o aluguel de R$330 mais os R$170 de luz e água, no total gastava R$500 para morar. Fez parte da ocupação do Itajaí, também na zona Sul e, depois de cinco tentativas de despejo realizadas de forma violenta pela polícia, foi uma das 250 pessoas que ocuparam o terreno da ocupação Jardim União, que hoje conta com 1200 famílias.

Altamiro Gomes da Silva mora no Jardim Vera Cruz, na Rua Antenor Lara Campos,  número 92, numa casa de três cômodos, com três filhos e a esposa. É metalúrgico, mas há seis meses ficou desempregado. Carrega na mão a marca da profissão – teve parte do dedo polegar da mão direta decepado. Frente à dificuldade de pagar o aluguel, Altamiro é uma das 30 mil pessoas que habita a ocupação Vila Nova Palestina, na zona Sul de São Paulo, no barraco número 505, em busca de uma moradia digna e acessível. A construção tem 3×2 metros quadrados e foi erguida com madeira e lona de caminhão. Conta com uma porta fechada por um cadeado, sob uma janela aberta que faz circular o vento, um colchão, e alguns utensílios básicos de sobrevivência.

Terezinha dedica-se à cooperativa de costura na ocupação Jd.União. Altamiro é um dos coordenadores de seu grupo na Vila Nova Palestina, sem dispensar o trabalho na manutenção da infraestrutura dos acampamentos.

Duas histórias que constroem um retrato da crise habitacional que atinge milhares de paulistanos. Cenários urbanos pintados por barracos e ocupações, ou moradores de rua juntando seus pertences debaixo de um viaduto são frequentes na cidade. Porém, é importante resgatar o que leva essas pessoas a tais condições de moradia.

A cidade de São Paulo possui mais de 11 milhões de habitantes. Muitos não são contemplados por uma possibilidade de moradia digna. Insuficientes, as políticas habitacionais por parte do poder público não dão conta de corrigir o déficit habitacional do município. Aliado a este abandono das autoridades, o mercado imobiliário em São Paulo em nada facilita a vida de quem precisa de moradia acessível e de qualidade.

Especulação imobiliária em regiões periféricas e preços abusivos de aluguel dificultam a possibilidade de pessoas que possuem uma baixa renda mensal de conseguir estabelecer-se de maneira sólida em um imóvel, sem o temor de um possível despejo ou alta repentina do aluguel.

A luta por moradia digna se faz cotidianamente nas ocupações do centro e das periferias. Movimentos populares reclamam da burocracia e a falta de diálogo dos órgãos institucionais – prefeitura municipal e CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), aliados à ineficiência dos programas habitacionais, fatores que contribuem para a consolidação de um projeto de moradia que não corresponde à demanda da população. O Plano Diretor Estratégico de São Paulo, idealizado pela prefeitura, promete a construção de 55 mil habitações, sendo que hoje existe 1 milhão e 200 mil pessoas na lista por moradia com o auxílio aluguel, cujo valor gira em torno de R$ 400 reais.

A inadequação dos projetos governamentais às necessidades da população na questão habitacional extrapola a existência de um espaço físico para abrigar as famílias. “Hoje o único projeto de moradia é o Minha Casa Minha Vida, que é controlado por meia dúzia de empreiteiros. A política habitacional fica dentro da especulação imobiliária”, denuncia Carolina Moura, militante da Rede Extremo Sul, movimento popular atuante na zona Sul.

As regiões periféricas da cidade contam, além da falta de moradias, com a inexistência ou ineficiência de serviços básicos de qualidade. Escolas, saneamento, postos de saúde, transporte público e opções de lazer são algumas deficiências dessas áreas, propiciando até a quem possui sua casa uma impossibilidade de qualidade digna de vida.

A urbanização de São Paulo privilegiou historicamente a ocupação das regiões centrais assistidas por políticas governamentais. Isso ocorreu em paralelo com a segregação social que afastou famílias mais pobres, estrangeiras, e operárias para zonas periféricas que não possuíam infraestrutura para acomodar a explosão demográfica. Esse processo culminou com a formação de bairros e comunidades afastados do centro comercial e carentes de serviços e atenção das políticas de melhorias públicas.

Com o crescimento populacional intenso que assolou a cidade, a necessidade de oferecer moradia de qualidade a todos seus habitantes, especialmente os que possuem maior poder aquisitivo, fez com que as zonas periféricas passassem a sofrer um processo de elitização, com construções megalomaníacas de condomínios de luxo e encarecimento dos preços dos imóveis, alavancados por uma feroz especulação imobiliária.

Em um período de cinco anos (de 2008 a 2013), o preço médio dos imóveis subiu 197,4%, segundo o índice FIPE ZAP de Preços de Imóveis Anunciados. No mesmo intervalo de tempo, o índice de inflação medido pelo governo federal foi de 40,44%.

De acordo com esse mesmo índice, em abril de 2011, o preço médio do m2 no bairro Capela de Socorro, na zona Sul, era de R$20 reais, cifra que aumentou 48% em apenas um ano e meio, atingindo R$29 reais em agosto de 2012. Já na Cidade Ademar, bairro também localizado na zona Sul, o aumento foi de 88% em um espaço de tempo de seis anos; em janeiro de 2008 pagava-se em média R$14 reais/m2 e segundo o último levantamento, de janeiro de 2014, o preço do aluguel gira em torno de R$26 reais. Esses índices não se restringem aos bairros da região sul: em Itaquera, zona Leste, a variação foi de 165,7%; no Rio Pequeno, zona Oeste, houve um aumento de 116%; e na região de Santana, zona Norte, o aluguel subiu 66,8%, todos aferidos no período de janeiro de 2008 a 2014.

As políticas dos governantes serviram para corroborar esse processo, favorecendo empreiteiras e impossibilitando as condições de financiamento imobiliário de famílias mais pobres nas áreas em que residiram tradicionalmente, isso quando não atuou através de remoções violentas e incêndios criminosos – ainda que não comprovados –para retirá-las a força. (leia sobre o incêndio na favela do Moinho aqui)

O preço exorbitante dos alugueis, a má distribuição de recursos públicos para as políticas habitacionais e a força da especulação imobiliária não são motivos para enfraquecer a luta pela casa própria. “A gente tem claro que a batalha vai ser grande”, coloca Carol, da Rede Extremo Sul.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.