Mais um Ninja preso no Rio de Janeiro. Algumas considerações importantes e perguntas para pensarmos o que isso significa
Não era manifestação ou ato político. A princípio não era uma situação “especial” onde grupos organizados estavam nas ruas em defesa de suas bandeiras de luta, e que por isso poderiam oferecer perigo a ordem pública ou a propriedade privada. Esses são os argumentos utilizados pra justificar os absurdos cometidos pela PM brasileira a partir de junho de 2013, num processo crescente de criminalização dos movimentos sociais e do livre exercício de manifestação e expressão.
O que acontecia era uma ação corriqueira da PM carioca, na praia do Arpoador, no Rio de Janeiro. Repetindo um procedimento recorrente nas periferias do Brasil, a PM usava de violência contra jovens negros, em plena zona sul. Acostumados com este tipo de atitude, e muitas vezes acobertados pelo conservadorismo de nossa elite, os policiais não contavam com a presença de um midialivrista por ali. Afinal de contas, era uma praia da zona sul, e os jovens são negros, e supostamente estavam cometendo um crime. Agredir é mostrar a todos que estão fazendo o seu trabalho, não é mesmo?
Ledo engano. Na sociedade da massa de mídia, podemos sacar o celular, ou uma câmera, diante de qualquer violência, inclusive a policial, e foi isso que aconteceu.
Todos sabemos que a PM brasileira é a que mais mata e que as balas de borracha utilizadas nas manifestações são substituídas por balas de fuzil nas favelas. Diariamente convivemos com os relatos sobre a violência policial. Entretanto, na periferia ou no campo, qualquer forma de registro, relato ou denúncia são acuados com muita intimidação e violência. Não se fala e não se filma porque se paga com a vida muitas vezes. O medo e a morte são as armas para conter a liberdade e impor a ordem.
Mas na zona sul do Rio de Janeiro?
E aquela dondoca que tava tirando a foto do cachorrinho e sem querer registrou o ato, vai ser presa também?
Ou será que o fato de fazer parte de uma mídia livre que tem acompanhado de perto os abusos policiais e as lutas populares na cidade são agravantes?
Independente das respostas a estas perguntas, o que sabemos é que o repórter Ninja foi preso, acusado de falsidade ideológica, e que teve todo o conteúdo registrado apagado pelos policiais. Este é o fato.
As dezenas de acusações sobre abuso da PM contra jornalistas e contra a liberdade de expressão que se sucederam com as recentes manifestações estavam circunscritas principalmente a um ambiente político, onde a multiplicidade de interesses e afetos deixam o contexto mais difuso. O jornalista e o ativista estavam no mesmo lugar e sofriam o mesmo ataque. Um ataque cruel aos nossos direitos, mas com uma camuflagem muitas vezes imposta pelos próprios veículos de comunicação, que transformam desejos da sociedade em atos de vandalismo, e assim escondem diariamente a violência praticada pelo Estado contra a sua própria população. Quando explorado, isso é feito de forma sensacionalista e movido por ímpetos conservadores, que ainda pedem mais violência.
Mas, fora deste ambiente político, o que será que a imprensa vai falar deste fato?
O que aconteceu hoje no Rio, e ainda aguarda desdobramentos, é um ato claro de ataque direto a Liberdade de Expressão e revela o completo Despreparo de nossa Policia Militar. Não existe o que camuflar. A ação era cotidiana, numa praia, e Filipe, com o seu espirito midialivrista apenas registrava um fato que achava importante e que está relacionado diretamente com a sua vida.
O registro de práticas de violência e crimes deveria ser algo muitíssimo valorizado e incentivado pela Justiça Brasileira. Quantos crimes seriam esclarecidos, quantas injustiças identificadas e evitadas se o cidadão comum, independente de sua profissão, tivesse a consciência da importância do registro de provas contra tudo isso. As câmeras dos celulares não existem apenas para os Selfies. Elas são ferramentas também a serviço da Justiça e da Verdade, e este é um de seus principais valores.
Contudo, o que deveria ser uma arma da Justiça se transforma em Crime, numa inversão absurda de valores em nome da continuidade da violência e do desrespeito aos nossos direitos civis, e em nome da continuidade dos métodos aplicados por nossa Policia Militar.
E por que a PM tem medo e prende? E se prende, por que solta? E se solta porque não pode prender, o que nós podemos fazer?
Numa massa de mídia, sem necessidade de registros ou diplomas, este direito fundamental não pode ser ameaçado, e isso não pode ser visto apenas como um problema de jornalistas e profissionais de comunicação. É um problema de todos que acreditam na Liberdade de Expressão e não têm medo de suas consequências.
Filipe está solto, mas nós seguimos ameaçados.
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Jornal A Nova Democracia: NINJA é preso ao registrar violência policial na praia do Arpoador