Por André Burigo*, em EPSJV
Recém-lançado, o livro ‘Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil: o Mapa de Conflitos’ traz análises – de método e conteúdo, assim como de potencialidades e desafios – de um projeto ousado, criativo, solidário, competente e comprometido com as lutas pró-justiça socioambiental desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela Federação dos Órgãos para a Assistência Social e Educacional (Fase): o Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil, disponível desde 2010 em www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br.
Já nas primeiras páginas do livro se resgata a história do projeto do Mapa, que guarda relação intrínseca com a constituição dos movimentos por justiça ambiental no Brasil e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) a partir de 2002. Esses movimentos surgem das comunidades impactadas com o avanço do modelo de desenvolvimento hegemônico que, junto com grupos solidários a elas, resistem, mobilizam e se organizam. Muitas vezes induzido pelo Estado brasileiro, seja através da instalação ou expansão de empreendimentos que contam com o incentivo direto ou através de diferentes políticas públicas, esse modelo guarda como características principais uma situação de injustiça ambiental: concentração de renda e de poder; exploração insustentável dos recursos naturais; e autoritarismo na tomada de decisão sobre o uso dos territórios, não envolvendo as comunidades que ali vivem, relacionando-se com a violação de direitos humanos dessas populações e contribuindo com suas diferentes consequências na saúde.
A insustentabilidade do modelo de desenvolvimento econômico, político e cultural dominante no Brasil e no mundo, dizem os organizadores do livro, mostra a gravidade da crise civilizatória que vivemos. A resistência também se constitui na construção de relações sociais solidárias, que passam por outros valores filosóficos, éticos e epistemológicos. É nesse contexto que o Mapa se insere enquanto ferramenta que apoia as ações dos movimentos que fazem parte da RBJA.
Ao identificar, sistematizar e tornar públicos os conflitos ambientais, explicitando os diferentes tipos de impactos envolvidos, o Mapa contribui tirando da invisibilidade os grupos que têm suas vidas ameaçadas nos territórios. Em outras palavras, se combate a política de ocultamento dos impactos do modelo de desenvolvimento. E isso é estratégico para reduzir a vulnerabilidade das populações atingidas e fortalecer os processos de resistência e luta por justiça ambiental. Por outro lado, o modo de construção dessas sistematizações e alimentação do Mapa enfrenta o desafio da construção de uma ciência comprometida com os interesses das populações mais vulneráveis, uma ciência cidadã, engajada, militante.
O livro parte do Mapa e avança, trazendo diferentes contribuições que têm como temas centrais “os conflitos ambientais, os movimentos por justiça ambiental e sua relevância para o campo da saúde pública”. Contribui de forma diferenciada e engajada para o entendimento dos impactos do modelo de desenvolvimento em curso, e de que tipo de desenvolvimento é esse, num processo em que categorias como “território”, “atingidos” e “direitos humanos” são centrais.
Ao mesmo tempo que o livro apresenta um conjunto de análises a partir do Mapa, as reflexões apresentadas convidam o leitor que já conhece o projeto a uma nova pesquisa/leitura. O livro é coerente com o desafio de (re)conhecer as injustiças e ao mesmo tempo contribuir para o processo de organização, mobilização e transformação, tanto por parte daqueles que diretamente são atingidos, quanto pela sociedade em geral.
Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil: o mapa de conflitos. Marcelo Firpo Porto, Tania Pacheco, Jean Pierre Leroy (orgs.). Editora Fiocruz , 2013.
*André Burigo, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).