Convite aos Médicos

por Pedro Peruzzo*

Nunca vi a comunidade médica saindo às ruas para protestar pela situação do Sistema Único de Saúde (SUS), mas atualmente tenho visto os senhores e as senhoras emputecidos protestando contra a vinda de médicos estrangeiros para atender nos locais em que os senhores não querem atender.

Inicialmente quero deixar claro que neste momento não falo como professor ou como advogado, mas como cidadão que precisa dos trabalhos dos senhores e das senhoras e que sabe a lamentável situação do Sistema Único de Saúde no Brasil. Agradeço também aos médicos que conversaram comigo a respeito e que, incrivelmente, demonstraram extrema sanidade mental, compromisso democrático e honestidade social. Não fosse a minha sorte de estar cercado de pessoas razoáveis, talvez eu estivesse num hospital sendo medicado por algum dos senhores, tamanha dor de estômago que me causa o descaso que a maioria dos colegas dos senhores tem para com as pessoas que não podem pagar R$ 300,00 pelas consultas. 

Não vou falar de xenofobia. Os médicos com quem conversei apresentaram argumentos importantes, como o fato de o governo estar trazendo médicos estrangeiros, mas não estar investindo em estrutura de saúde para que os médicos possam trabalhar. Esse argumento é importante, mas precisa ser analisado com honestidade.

De fato, trazer médicos do exterior para trabalhar em condições precárias não é de todo inteligente. No entanto, precisamos ser honestos e reconhecer que não é pelo fato de inexistir infraestrutura no interior do país que falta médico em centenas de cidades do Brasil. Precisamos reconhecer que é necessário o mínimo de estrutura para que os médicos estrangeiros prestem serviços de qualidade, mas também precisamos reconhecer que o que faz os médicos “nacionais” permanecerem nos grandes centros urbanos é a absurda disponibilidade de dinheiro que esses centros oferecem aos “doutores da vida”.

Se o único motivo para o fato de não existir médico bastante em alguns lugares do país ou nas periferias da cidade de São Paulo, por exemplo, fosse a falta de infraestrutura, essa classe letrada, de boa aparência (para lembrar o comentário psicótico da senhorita Micheline Borges), culta, já poderia ter conseguido melhorar muito essa situação saindo às ruas ou fazendo qualquer outra pressão política. No entanto, não foi isso que assistimos, certo doutores?

Considerando que a hipótese mais evidente é a de que não existe médico no interior do Brasil pelo fato de que, nessas localidades, o Dr. ou a Dra. não vai conseguir ganhar muito dinheiro, e considerando que, no Brasil, ninguém pode ser obrigado a exercer sua profissão nesse ou naquele outro lugar, o único motivo para os protestos dos médicos contra a entrada de médicos estrangeiros é o receio de perderem numa concorrência em que o respeito e o cuidado com o ser humano pesa consideravelmente na hora da escolha do profissional.

Profissionais que aceitam prestar serviços tão relevantes a pessoas tão pobres certamente têm uma afeição pela humanidade e pela dignidade bem maior do que o profissional que só distribui respeito nos plantões em hospitais de alto padrão ou em suas clínicas particulares. Precisamos de mais médicos do tipo Drauzio Varella e menos Roberto Kalil, que deixou transparecer seus transtornos obsessivos no programa Roda Viva quando afirmou não tirar férias por não gostar de areia! Risível, pra não dizer triste!

Portanto, senhores e senhoras, faço um convite para que vocês ou assumam que não querem dividir o bolo com ninguém e estão com receio de ter de assumir posturas mais humanas e respeitosas para com os pacientes (inclusive os pobres), ou saiam às ruas pela melhoria e universalização do SUS, pois só assim será possível acreditar que os protestos de vocês são, de fato, por um país melhor PARA TODOS e não um surto de egoísmo solipsista!

*Advogado, Defensor dos Direitos Humanos, Militante do Tribunal Popular: o Estado brasileiro no banco dos réus

Comments (1)

  1. Bom, eu, médica, que trabalho no interior do Ceará, saí as ruas pela melhoria da saúde nos protestos de julho, antes de ser lançado o mais medicos. Não saímos organizados como classe, mas misturados com os demais cidadãos. Digo SAÍMOS, porque não fui só eu, mas vários médicos que conheço fizeram o mesmo.
    Mas concordo com vc que deveríamos sair organizados como classe médica. Se sairmos com os demais, a população não ficará sabendo que fomos e provavelmente pense, como o sr, que não nos importamos. É como se não tivéssemos feito nada.

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