Direito de Resposta à publicação “Arqueologia pelas Gentes: um Manifesto. Constatações e Posicionamentos Críticos sobre a Arqueologia Brasileira em Tempos de PAC – Imperdível”

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

Recebemos esta manhã correspondência dos advogados da empresa Documento Patrimônio Cultural Ltda., solicitando Direito de Resposta relativo ao texto Arqueologia pelas Gentes: um Manifesto. Constatações e Posicionamentos Críticos sobre a Arqueologia Brasileira em Tempos de PAC, por nós publicado no dia 27 de junho de 2013. 

Democrática e livremente, decidimos postar não só o texto da resposta indicado na carta do escritório de advocacia, como ainda os três anexos que o acompanhavam, por considerarmos que poderiam eventualmente oferecer material de interesse para pesquisador@s.  

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“1) Sobre as linhas programáticas da DOCUMENTO e a prática da Arqueologia Étnica

A DOCUMENTO atua sob a organização de quatro linhas programáticas que organizam e articulam todas as ações da empresa, sejam elas sociais, científicas, técnicas e metodológicas ou de antropologia jurídica e que fundamentam todas as ações de arqueologia étnica exercidas por seus profissionais, nos diferentes projetos nacionais já desenvolvidos ou em andamento:

a.     Ecologia Histórica: esta linha programática se fundamenta nos estudos de mudança histórica das relações entre homem e natureza e todos as relações sócio naturais decorrentes das relações ecológicas ao longo do tempo e do desenvolvimento que espécies animais, plantas e sociedades humanas imprimiram no ambiente em que se estabeleceram historicamente. Adotamos, especificamente, as linhas de abordagem em arqueologia heterodoxa, abordando sistemas de adaptação complexos em sociedades humanas integrando escalas de ecologia histórica de global à local (Crumley 1992), utilizando, para tanto, tecnologias de zoneamento arqueológico preditivo em SIG e modelagens da evolução de paisagens, correlacionando tais cenários com indicadores sociais do passado ao presente. Os diálogos interdisciplinares abrangem, especial, os campos da arqueologia, da antropologia e da ecologia;

b.     Arqueologia Ambiental: esta linha programática segue as definições em geografia física em escalas de abordagem como desenhados por Decauze (2000) em Environmental Archaeology. Contempla uma diversidade mais ampla do que se convém chamar de Arqueologia da Paisagem, uma vez que a antropologia da paisagem pode circunscrever com melhor qualificação, do ponto de vista êmico, da construção das relações do ambiente com as sociedades ali existentes. Nossa perspectiva programática de arqueologia ambiental foca-se nas relações particulares existentes entre comunidades autóctones, ambiente, memória e trajetórias particulares dos narradores e agentes (Ricouer 2006);

c.      Arqueologia Pública/ Colaborativa (ou Arqueologia das Comunidades): esta linha programática é um dos principais pilares da empresa e indica sua posição pioneira no Brasil em adotar como interagentes dos estudos científicos as comunidades e seu ambiente cultural, traduzindo o conhecimento da história local e regional como parte dos fundamentos de sua identidade, saberes e memória. A prática da  DOCUMENTO deposita na comunidade o papel de protagonista no desenvolvimento de uma Ciência Aplicada, que abrange a integração e complementariedade entre conhecimentos tradicionais e conhecimentos científicos. Para tanto, abrange o conjunto de elementos e bens compreendidos dentro da definição de “Patrimônio Cultural”, envolvendo a materialidade e imaterialidade das histórias e culturais regionais. Esta linha programática é aquela em que arqueologia étnica encontra maior ponto de conexão, pois parte do princípio da simetria cultural e das possibilidades de tradução de ontologias, epistemes e da materialidade de um sistema cultural.

d.     Conciliência: Todas as linhas programáticas da empresa estão em relação direta e centralizada pelo que se denomina conciliência, um conceito que indica um alinhamento de pontos convergentes obtidos por diferentes olhares e campos de conhecimento sobre um mesmo tema. Significa dizer que as quatro linhas programáticas anteriores convergem para um ponto de atuação: a sociedade. Contudo, conciliência em nossa abordagem não apenas indica o ponto de sinergia, mas igualmente revela com clareza todos os stakeholders e seus níveis de atuação, criando medidas de ação para cada nicho identificado e alinhavando as potencialidades de ação em um plano de gestão que atenda, sob diferentes perspectivas, a comunidade em foco e contribua com sua dinâmica histórica e cultural.

A arqueologia étnica adota estas quatro linhas programáticas e adquire sua manifestação mais expressa através do exercício de etnoarqueologia, subdisciplina da arqueologia e que faz uma leitura material das manifestações culturais, simbólicas e étnicas dos sistemas sociais em andamento, detectando indicadores materiais que centrem em si marcadores simbólicos associados a artefatos, paisagens, xamanismo e outras manifestações culturais. Enquanto a etnoarqueologia difere na aplicação de metodologias e abordagens (David & Krammer 1998, Dillehay 2007), seu aspecto colaborativo é essencial em sua execução e, além das funções de pesquisa a ela atribuída que se excedem àquelas desenhadas pela própria arqueologia, tem servido de forma sólida em demandas territoriais, políticas e de defesa dos direitos autóctones em Estados-nação que ameaçam o modus operandi e as formas de subsistência cultural e territorial das comunidades em estudo.

Na prática, a etnoarqueologia tem sido efetiva em colaborar na execução do artigo sexto da Convenção 169 da OIT na integração das comunidades em processos de licenciamento ambiental. Adota-se, adicionalmente, como referência o “I Seminário Internacional de Gestão do Patrimônio Arqueológico Pan-Amazônico”, promovido em novembro de 2007 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) na cidade de Manaus/AM, mais especificamente, na Sessão Temática intitulada “Preservação do Patrimônio Arqueológico em Terras Indígenas”, que integrantes da DOCUMENTO fomentaram e contribuíram para seu desenvolvimento. Durante este evento foram realizadas apresentações sobre o tema e debates subsequentes, visando elaborar uma síntese de pontos sensíveis e apresentar diretrizes e recomendações a serem observadas por aqueles que desenvolvam trabalhos voltados ao patrimônio arqueológico, histórico, cultural e/ou paisagístico localizado em terras indígenas ou em sítios arqueológicos que apresentem vínculos etnohistóricos com comunidades atuais. O resultado final do trabalho foi apresentado na forma de uma Moção de Encaminhamento (e posteriormente publicado – Robrahn-González & Migliacio 2008), cujo objetivo maior foi contribuir para um aperfeiçoamento e, em especial, uma postura ética e multicultural no tratamento do patrimônio cultural de comunidades indígenas, dentro do conceito de Arqueologia Pública e Arqueologia Colaborativa, amplamente discutido no corpo teórico e metodológico da disciplina arqueológica.

Se a prática de uma etnoarqueologia colaborativa pode ser um veículo sólido de detalhamento sobre as paisagens culturais dos grupos autóctones afetados por empreendimentos, ela ainda tem o potencial de ser uma representação ainda mais consistente do território histórico das populações atingidas e dá fundamentos a uma consulta e elucidação das consequências de empreendimentos em seus territórios tradicionais, com muita especificidade cartográfica.

O conjunto destas linhas programáticas é aplicado nos projetos da DOCUMENTO em seus 26 anos de atuação junto ao Patrimônio Cultural brasileiro. Como exemplo citamos os estudos desenvolvidos junto às comunidades indígenas do Alto Xingu (em especial das comunidades Kalapalo e Waura) que resultou na delimitação e preservação, através de Tombamento realizado pelo IPHAN, a dois lugares sagrados (Sagihengu, local do primeiro Kwarup, e a gruta do Kamukwaká). Este trabalho resultou, ainda, na premiação da comunidade pelo seu protagonismo em desenvolver os estudos (Prêmio IPHAN Rodrigo de Mello Franco, 2008). O anexo 1 apresenta novamente o material de esclarecimento elaborado na ocasião, atendendo a demandas de colegas sobre os estudos desenvolvidos.

2) Sobre o desenvolvimento do “Programa de Preservação do Patrimônio Cultural, Histórico e Arqueológico da UHE Teles Pires” e do “Projeto de Pesquisa Etnoarqueológica (Arqueologia Colaborativa)” e seus resultados.

A DOCUMENTO realiza os Programas acima citados desde 2011, a partir de contrato firmado junto a Companhia Hidrelétrica Teles Pires (CHTP). As pesquisas estão devidamente legalizadas através da Portaria IPHAN n. 08/11, renovada através da Portaria IPHAN n. 13, Anexo II/06 (para o Programa Arqueológico) e pela Portaria IPHAN n. 32, Anexo I/19 (para o Projeto de Pesquisa Etnoarqueológica). Foram, até o momento, elaborados e protocolados junto ao IPHAN, FUNAI e MME  13 Relatórios de Andamento e 4 Relatórios de Atendimento. Foram todos analisados e devidamente aprovados pelo IPHAN. Estes materiais são de domínio público.

3) Sobre o sítio arqueológico com vasilhas cerâmicas (“urnas funerárias”) identificado na área do canteiro de obras da UHE Teles Pires.

Durante as prospecções arqueológicas realizadas no primeiro semestre de 2011 na região do canteiro de obras da UHE Teles Pires foram identificados diversos sítios arqueológicos (vide Linha do Tempo, anexo 1). Considerando o contexto etnohistórico da área, com grupos indígenas atuais ocupando extensivamente a região até há pouco tempo atrás[1] o procedimento foi, desde então, optar pela preservação dos sítios arqueológicos. Este procedimento é adotado pela DOCUMENTO em todas as suas pesquisas realizadas, aderente às linhas programáticas da empresa e aos princípios da Arqueologia Étnica, conforme sintetizado anteriormente.

Nesta perspectiva, as pesquisas nos sítios arqueológicas da UHE Teles Pires foram realizadas obtendo, por um lado, a contextualização científica do patrimônio envolvido e, por outro lado, adotando a estratégia de essencialidade de intervenção (coletas e escavações restritas ao máximo de 10% da área). Em vários casos o projeto de engenharia, quando coincidente aos sítios, teve obras relocadas. Todos os sítios foram delimitados e sinalizados, bem como integrados ao plano de ocupação e gestão das obras, como garantia adicional de preservação.

Dentre o conjunto de sítios identificados destacou-se o sítio Cadeado, que ainda durante a fase de prospecção (primeiro semestre de 2011) revelou a presença de quatro vasilhas cerâmicas semi-inteiras em uma sondagem de 4 m2. Pela natureza de seus vestígios o sítio Cadeado recebeu ações adicionais, analisadas e definidas junto ao CNA/IPHAN em diversas reuniões e vistorias conjuntas de campo. Inclui-se aqui o monitoramento continuado da área, mantido desde julho/2011 e que se estenderá até o final das obras. Esta situação foi, inclusive, mais uma vez constatada pela diretoria do DEPAM e CNA/IPHAN, conjunto com a Superintendência do IPHAN/MT, em maio/2013, durante vistoria técnica na área.

Assim, os sítios arqueológicos do canteiro de obras da UHE Teles Pires (incluindo o sítio Cadeado) encontram-se preservados, sinalizados e integrados ao plano de gestão territorial das obras. Esta situação ocorre desde julho/2011, ou seja, antes da demanda das comunidades indígenas em ser realizado um Programa Etnoarqueológico na área, e como resultado da prática de Arqueologia Étnica praticado pela DOCUMENTO.

4) Sobre as vasilhas cerâmicas do sítio Cadeado (“urnas funerárias”)

As quatro vasilhas cerâmicas coletadas na sondagem de 4m2 aberta no sítio Cadeado, em 2011, encontram-se intactas (ou seja, não foram escavadas como de praxe ocorre em pesquisas arqueológicas), considerando o contexto etnohistórico envolvido e os princípios da Arqueologia Étnica.

Encontram-se no Laboratório de Arqueologia da UHE Teles Pires, devidamente acondicionadas, em ambiente climatizado e com segurança 24 hs. Portanto, estão totalmente preservadas e intactas.

Embora a presença de vasilhas cerâmicas inteiras, em sítios arqueológicos, indique a forte possibilidade de se tratarem de urnas funerárias, o equacionamento desta questão necessita de trabalhos intensivos (escavações arqueológicas amplas no sítio Cadeado), bem como, a escavação do interior das vasilhas para possível identificação de material ósseo e/ou orgânico humano. Todavia, como tanto o sítio Cadeado como as vasilhas cerâmicas foram destinadas à preservação, não há como cientificamente equacionar sua função, no cenário atual.

5) Sobre a hipótese de o sítio Cadeado constituir um cemitério sagrado do povo Munduruku

No vasto levantamento documental realizado pelo Programa, incluindo não apenas referências bibliográficas e cartográficas, mas, também, os arquivos da FUNAI, não foram encontrados referências da presença de um cemitério sagrado do povo Munduruku no terreno onde se localiza o sítio Cadeado, ou suas proximidades.  Todavia, esta documentação é exígua, e não se dispõem de estudos anteriores sistemáticos sobre a ocupação indígena em seu vasto território tradicional, que incluía o norte do Estado do Mato Grosso e sul do Pará. Uma vez que o sítio Cadeado se localiza fora das Terras Indígenas demarcadas pelo governo brasileiro e hoje ocupadas pelos povos indígenas citados (a UHE Teles Pires se localiza a 40 km lineares da TI Kayabi, que corresponde à mais próxima), estas informações constituiriam ponto de partida para a formulação da hipótese.

Por outro lado, este é justamente um dos objetivos do atual “Projeto de Pesquisa Etnoarqueológica (Arqueologia Colaborativa) da UHE Teles Pires”, que se encontra em andamento desde 2011. Já foram realizadas diversas Oficinas Culturais com as comunidades Apiaka e Kayabi, que vêm participando ativamente dos trabalhos. O Programa está aberto à participação também da comunidade Munduruku, respeitando o processo democrático e decisório da comunidade, apesar da mesma ter sido indicada pela FUNAI como não participativa no processo de licenciamento ambiental da UHE Teles Pires (Oficio n. 251/2013/DPDS-FUNAI-MJ). O conhecimento tradicional da etnia certamente é fundamental para o encaminhamento de diversas questões aqui apresentadas.

[1] O Decreto sem número de 24 de abril de 2013 e publicado no DOU em 25/04/2013 homologa a Terra Indígena Kayabi do Teles Pires, um processo que teve início com a portaria de interdição, PP/573 de 25 de junho de 1990. Ainda falta seu registro, última fase a ser cumprida após a homologação. A TI Mundurucu foi homologada e registrada pelo Decreto sem número de 25 de fevereiro de 2004 e publicada no DOU em 26 de fevereiro de 2004, o processo de identificação teve início em 1982, pelas portarias 1374 de 24/08/1982 e 1416E, datada de 18/11/1982. A TI Sai Cinza, já no Estado do Pará e fronteiriça à TI Munduruku foi homologada e registrada em 24 de dezembro de 1991 e seu processo de declaração data de 1987, pela emissão da portaria 94.604 de 14 de julho de 1987. Há outros processos em tramitação adjacentes ou internos (índios isolados no Pontal dos Apiakás) às terras indígenas aqui indicadas e em trâmite na Funai.

Bibliografia citada

Crumley; Carole.
1992    Historical Approaches to the Assessment of Global Climate Change Impacts.  Editor.  Washington: Committee for the National Institutes for the Environment.
2000    From Garden to Globe: Linking Time and Space with Meaning and Memory.  The Way the Wind Blows: Climate, History, and Human Action. Roderick McIntosh, Joseph A. Tainter, and Susan Keech McIntosh, eds., pp. 193-208.  Series in Historical Ecology, William H. Balee and Carole L. Crumley, eds.  New York: Columbia University Press.

Decauze; Dena
2000 Environmental Archaeology. Cambridge University Press.

Ricouer; Paul
2006 Memory, History, Forgetting. University of Chicago Press.

David; Nichlas & Kramer; Carol.
1998 Ethnoarchaology in Action. Cambridge University Press.

Dillehay; Tom D.
2007         Monuments, Empires, and Resistance: The Araucanian Polity and Ritual Narratives (Cambridge Studies in Archaeology). Cambridge University Press.

Robrahn-González, E.M. & M. C. Migliacio
2008  Preservação do Patrimônio Arqueológico em Terras Indígenas. In: Revista de Arqueologia Pública n. 3 :17-19, UNICAMP, SP”

Anexo 1 - Linha do Tempo

 Anexo 2

ANEXO 3 – NOTA DE ESCLARECIMENTO

PROGRAMA DE DIAGNÓSTICO ANTROPOLÓGICO E DE PATRIMÔNIO CULTURAL DA PCH PARANTINGA II

Setembro/ 2006

 Este texto objetiva apresentar o “Programa de Diagnóstico Antropológico e de Patrimônio Cultural da PCH Paranatinga II”, elaborado pela empresa DOCUMENTO Antropologia e Arqueologia SC Ltda. sob a coordenação geral da Dra. Erika Marion Robrahn-González, e que vem sendo desenvolvido desde abril/2005. O texto traz, ainda, informações de esclarecimento aos tópicos abordados pelo Dr. Carlos Fausto em nota publicada no site do Instituto Sócio-Ambiental (ISA) em 06/09/06, uma vez que nela existem vários equívocos e acusações inconsistentes que necessitam ser esclarecidos, visando situar a discussão do tema a partir de parâmetros tecnicamente mais precisos e adequados.

Contextualização legal

A PCH Paranatinga II se localiza no alto vale do rio Culuene, que integra a bacia do rio Xingu, no estado do Mato Grosso. Seu licenciamento ambiental está sendo desenvolvido junto à FEMA/MT desde 2002, e as obras tiveram início em 2004, sob a responsabilidade da empresa Paranatinga Energia S/A. Integrado ao processo de licenciamento foram realizados estudos de diagnóstico arqueológico, inseridos no Programa Básico Ambiental (PBA) da PCH. Encontra-se em andamento o “Projeto de Salvamento Arqueológico da PCH Paranatinga II”, voltado ao patrimônio arqueológico presente em sua área diretamente afetada (ECOOS – Portarias IPHAN n. 15, de 21.01.05, e n. 171, de 05.09.05). Todavia, não fizeram parte do licenciamento estudos voltados ao componente indígena, nem tampouco análises referentes ao patrimônio cultural regional envolvido.

Em outubro/2004 um grupo de indígenas do PIX (Parque Indígena do Xingu) se deslocou até o local da PCH expressando sua não concordância com a obra. Dentre os argumentos apresentados pela comunidade havia a indicação de que o local onde o eixo da PCH estava sendo construído corresponderia à corredeira do rio Culuene, ao lado da qual ocorrera o primeiro ritual do Kwarup, cerimônia funerária associada ao mito de criação dos povos indígenas alto-xinguanos.

Em decorrência disso as obras da PCH Paranatinga II foram paralisadas. Uma vez que o processo de licenciamento ambiental da obra não havia contemplado, conforme apontado acima, o componente indígena e/ou aspectos relativos ao patrimônio cultural regional que fornecessem subsídios para balizar a questão levantada, foram produzidos dois Laudos sobre o assunto:

  • O “Laudo etno-histórico e de avaliação jurídica e antropológica”, de autoria de Miguel Baía Brito, Samuel Vieira Cruz e Tereza de Jesus Cruz Rodrigues para a empresa Paranatinga Energia S/A (novembro/2004).
  • E o “Laudo antropológico para o Ministério Público Federal / MT: A ocupação indígena do alto curso dos formadores do rio Xingu e cartografia sagrada alto-xinguana”, de autoria do Dr. Carlos Fausto (dezembro/ 2004);

Laudo versus contra-laudo as obras da PCH foram retomadas, desdobrando um processo jurídico de averiguação. Dentro deste contexto demos início, em abril/2005, ao “Programa de Diagnóstico Antropológico e de Patrimônio Cultural da PCH Paranatinga II”, que teve como objetivo primeiro atender aos itens apontados pelo Ministério Público Federal/ Procuradoria da República do Mato Grosso em ofícios encaminhados ao IPHAN (Ofício 187, de 26.11.04) e à Sub-Procuradoria Geral da República (Ofício 221, de 26.11.04), incluindo a Informação Técnica exarada pela 4a. Câmara de Revisão / Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, em 03.02.05.

O Programa passou a ser, então, organizado junto aos órgãos federais competentes, a saber, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), com os quais foram realizadas reuniões prévias visando detalhar os aspectos a serem abrangidos, bem como incorporar as demandas apresentadas.

O “Programa de Diagnóstico Antropológico e de Patrimônio Cultural da PCH Paranatinga II” foi devidamente aprovado pelo IPHAN através da Portaria de Pesquisa n. 127, publicada no Diário Oficial da União em 04/05/05; e igualmente pela FUNAI, que emitiu o Termo de Referência intitulado “Estudo dos Impactos Socioambientais da PCH Paranatinga II para as Terras Indígenas Parabubure e Ubawawe e Parque Indígena do Xingu”.

Este Programa, conforme o próprio nome indica, abrange a etapa de diagnóstico, correspondendo à primeira fase de estudo dentre as estabelecidas pela Resolução CONAMA/86 para licenciamento ambiental e que, portanto, não visa esgotar o assunto pela própria natureza do estudo. Todavia, a complexidade e sensibilidade apresentadas pelo assunto, bem como a necessidade de obter um corpo de dados que permitisse atender a necessária construção de um cenário analítico da questão a partir de perspectivas conceitualmente mais amplas, exigiam a elaboração de um projeto transdisciplinar.

Portanto, o Programa aqui apresentado não constitui um laudo ou um contra-laudo, mas sim um projeto específico de pesquisa científica desenvolvido de acordo com a legislação vigente e em atendimento às demandas apresentadas pelo Ministério Público Federal, pela 4a. Câmara de Revisão / Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, pelo IPHAN, pela FUNAI, bem como (e especialmente) em deferência às solicitações apresentadas pela comunidade indígena alto-xinguana.

Laudos anteriores ao Programa

O questionamento dos grupos indígenas alto-xinguanos sobre a natureza simbólica da área de implantação da PCH Paranatinga II havia sido previamente analisado por dois estudos específicos, a saber: pelo “Laudo etno-histórico e de avaliação jurídica e antropológica”, de autoria de Miguel Baía Brito, Samuel Vieira Cruz e Tereza de Jesus Cruz Rodrigues; e pelo “Laudo antropológico para o Ministério Público Federal / MT: A ocupação indígena do alto curso dos formadores do rio Xingu e cartografia sagrada alto-xinguana”, de autoria do Dr. Carlos Fausto.

O laudo de Brito, Cruz e Rodrigues se baseia na versão Kamayurá sobre o local onde teria ocorrido o primeiro Kwarup, fornecida por Orlando e Cláudio Villas-Boas (1970: 55-57) e pelos estudos pioneiros de Agostinho (1974:161-166). Nesta versão o primeiro Kwarup teria ocorrido no Morená, localizado dentro dos limites do Parque Indígena do Xingu (e, portanto, a cerca de 100 km lineares do eixo da PCH Paranatinga II, ou ainda, a mais de 200 km descendo o curso meândrico do rio Culuene e, depois, o próprio leito do Xingu). Segundo este laudo não haveria, assim, motivo para discussão.

Já o laudo de Fausto discorre sobre a etnologia dos povos indígenas alto-xinguanos, acrescida de informações históricas e arqueológicas, bem como discute a hipótese dos rios formadores do Xingu compreenderem seus antigos territórios de ocupação. No que se refere especificamente ao Culuene, indica que “toda a área é virtualmente desconhecida do ponto de vista arqueológico”, bem como, que “não há informações históricas detalhadas do final do século XIX e início do século XX sobre o rio Culuene….” (Fausto 2004:27), embora referências gerais feitas por exploradores alemães e dados de história oral indígena apontem para a ocupação da área (op. cit: 28-35). O autor analisa também o que denomina de “cartografia sagrada xinguana”, compreendendo pontos paisagísticos de significado histórico e cosmológico. Fausto indica a existência de três pontos de maior relevância da cartografia sagrada que teriam ficado fora dos limites do PIX quando de sua criação, em 1961: Kamukwaká, Ahausukugu e Sagihenhu. Kamukwaká tem localização conhecida (encontra-se no rio Batovi); quanto ao Ahausukugu, “… não temos estudos para determinar sua localização” (op.cit: 49). No que se refere ao Sagihenhu, objeto específico do laudo, apoia-se na memória cartográfica do chefe Kurikaré Kalapalo, embora ressalte que “ela seria certamente muito mais precisa caso fosse feita in loco, i.e., subindo o Culuene com informantes de posse de um GPS” (op. cit: 50). A partir desta memória oral indica que o Sagihenhu estaria no local aonde vem sendo construída a barragem e recomenda, por fim, a realização de um “levantamento rigoroso de todas as áreas históricas e todas as áreas sagradas excluídas do perímetro do Parque Indígena do Xingu, em particular no que toca ao seu limite meridional, objeto deste relatório” (op. cit.: 62).

Estes dois laudos, porquanto apresentam conclusões divergentes sobre a localização do Sagihenhu, apontam lacunas científicas que fragilizam a sustentação de seus argumentos, uma vez que não se basearam em (e nem desenvolveram) pesquisas voltadas ao equacionamento empírico do problema em questão, ou seja, trabalhos de campo objetivando documentar o contexto arqueológico da área.

Dentro deste enfoque (e como é, inclusive, apontado em diferentes momentos no laudo de Fausto), a Arqueologia constitui uma ciência que contribui na análise de problemas sociais e, em especial, na intermediação entre os interesses indígenas, as políticas públicas e a legislação, considerando a capacidade da disciplina em fornecer tangibilidade ao passado através do estudo da cultura material, entendida em seu sentido mais amplo e abrangendo não apenas vestígios físicos do comportamento humano, mas também seus assentamentos e territórios de ocupação, inclusive aqueles elementos que revelam sua percepção desse espaço e seus ambientes.

Dentro desta perspectiva há que se incluírem na pesquisa ferramentas conceituais que permitam incorporar o conhecimento indígena (tradições orais) tanto na prática arqueológica quanto na construção do conhecimento sobre o passado, em concordância aos códigos de ética apresentados por instituições como o World Archaeological Congress, a Australian Archaeological Association e o ICOMOS.

No caso das reivindicações dos povos indígenas alto-xinguanos sobre o local de ocorrência do primeiro Kwarup, as análises anteriormente desenvolvidas careciam da realização de pesquisas em quatro aspectos, os quais foram conceitualmente discutidos, empiricamente tratados e cientificamente analisados ao longo do “Programa de Diagnóstico Antropológico e de Patrimônio Cultural da PCH Paranatinga II”, a saber:

1)      A análise das diferentes versões na localização do Sagihenhu apresentadas tanto entre os grupos indígenas alto-xinguanos que compartilham o mito do Kwarup, como entre os membros de cada uma de suas comunidades, visando considerar não somente a versão de determinado grupo e/ou indivíduo selecionado por critérios desconhecidos, mas sim perspectivas apresentadas por representantes dos diferentes povos que se conformam numa rede complexa de relações multi-étnicas que caracteriza o Xingu.

2)      A realização de um levantamento arqueológico regional no vale do rio Culuene, buscando analisar a hipótese desta área efetivamente integrar o extenso território tradicional dos povos alto-xinguanos em período anterior à sua redução dentro dos limites do PIX;

3)      A realização de pesquisas de campo buscando reconhecer os marcos paisagísticos e/ou os elementos associados de cultura material na cartografia sagrada alto-xinguana (e, em particular, a localização do Sagihenhu);

4)      A análise do contexto arqueológico presente na área de construção do eixo da PCH Paranatinga II, uma vez que ali foram (e continuam a ser) realizadas pesquisas arqueológicas por um programa científico próprio (ECOSS 2005), ao contrário do sugerido por Fausto, de que “a área da barragem já se encontra completamente desfigurada e destruída” (site do ISA, 06/09/06). Aliás, cabe notar que esta área permanecia inalterada até a realização de nossos trabalhos de campo (maio a novembro/2005), tendo sido, portanto, possível a qualquer pesquisador realizar análises de paisagem, uma vez que as obras estavam sendo desenvolvidas na margem direita, sem afetar o curso do rio ou os sítios arqueológicos associados.

Estes quatro aspectos de pesquisa científica foram previamente discutidos junto ao IPHAN que, por sua vez, solicitou a incorporação de um quinto item,  igualmente integrado ao Programa, a saber:

5) Estudo dos quatro locais mencionados por Fausto como pertencentes à cartografia sagrada dos povos alto-xinguanos (Morená, Kamukwaká, Ahausukugu e Sagihenhu), notadamente nos aspectos de caracterização física das paisagens culturais envolvidas e  vestígios materiais associados, visando embasar ações futuras de preservação e permitir o tratamento abrangente do patrimônio cultural envolvido.

Esses cinco aspectos nortearam a organização e o desenvolvimento do “Programa de Diagnóstico Antropológico e de Patrimônio Cultural da PCH Paranatinga II”, conforme apresentado a seguir.

Organização do Programa

Desenvolver um Programa Antropológico e de Patrimônio Cultural no vale do rio Culuene, ainda que na fase de estudos de diagnóstico, exigiu a adoção de pressupostos teórico-metodológicos que permitissem abordar a complexidade que o tema apresenta tanto no tempo (história indígena em contexto pré-colonial e histórico) como no espaço (abrangendo 14 etnias indígenas reunidas no PIX, bem como a etnia Xavante das TIs Parabubure e Ubawawe, somando uma distância de mais de 500 km ao longo dos eixos dos rios Culuene e Xingu, a serem investigados – vide Figura 1).

A abordagem das questões científicas envolvidas pressupunha a organização de um Programa abrangendo estudos voltados a diversas especialidades acadêmicas (Arqueologia, Etnohistória, História, Geografia, Geologia, Antropologia) que, embora concebidas dentro de um Programa único e integrado, apresentassem procedimentos operacionais específicos, notadamente no que se refere à coleta de dados.

Assim, o Programa foi concebido dentro de um corpo conceitual/teórico único, para depois se abrir em investigações inerentes aos procedimentos e métodos de cada área de investigação sendo, finalmente, retomado dentro de uma análise consolidada de dados, exaustivamente analisada, avaliada e confrontada em reuniões. A integridade da conceituação científica foi, adicionalmente, garantida pela participação de membros da equipe transitando entre os procedimentos das diferentes áreas envolvidas (arqueólogos participando das etapas de campo em Antropologia e vice-versa, entre outros).

Conferido este panorama geral do projeto, vale dizer que nossos fundamentos teóricos não se baseiam na Antropologia da Paisagem como indica Fausto (artigo de 6/9/2006), mas sim no que vem sendo denominado hoje nas Ciências Sociais como Antropologia dos Mundos Contemporâneos (Augé 1998; García Canclini 2000; Ortiz 2004).

Nessa abordagem tratamos de um objeto de estudo cada vez mais complexo, ora pelos processos de imbricação entre as distintas ciências sociais (as quais permitem romper as fronteiras analíticas da especificação disciplinar), ora pela influência política direta que os estudos em ciências sociais vêm adquirindo em nossas sociedades.

Contrariamente aos tempos em que a Etnologia poderia ser exercida com a visita de um antropólogo a uma distante aldeia ou paragem em busca do exótico ou do bom selvagem e, dali, em um exercício de alteridade e reflexão acerca do cotidiano e das manifestações de tal grupo, dar início à construção de hipóteses ou teorias sobre o comportamento humano, hoje as fronteiras entre aldeias e grupos isolados são cada vez menores e as populações que viviam e vivem em um sistema tradicional são obrigadas a tomarem postura política e ideológica frente às constantes transformações intrínsecas à atual dinâmica da economia capitalista.

Trata-se, mais além do que uma perspectiva de Antropologia da Paisagem possa oferecer, de um arcabouço teórico fundamentado na complexidade do objeto de estudo, aqui, as atuais comunidades indígenas alto-xinguanas e a reapropriação simbólica e territorial de seus sítios sagrados. Tal objeto de estudo deve ser analisado sob a perspectiva integrada de processos transformativos nas redes de relações locais, regionais e mundiais. De fato, essa postura teórica está contra a crescente fragmentação da ciência e aponta para uma visão integradora e ampla do objeto de estudo.

Anexo 3

 Consideramos que a Antropologia, assim como a Arqueologia e outras Ciências Sociais, embora tragam em seu escopo teórico uma necessidade de renovação sob uma perspectiva transdisciplinar que permita analisar e perceber a realidade, poucos entre nós, Cientistas Sociais, tem contribuído para assumir posturas transdisciplinares que perpassem a prática de nossas disciplinas. Problemas teóricos relevantes ocorrem quando aplicamos visões descontextualizantes, localizantes e essencializantes sobre os fenômenos de estudo, enfoques que foram desenvolvidos numa longa história de pesquisas que vão dos modelos de particularismo histórico boasiano até os atuais enfoques pós-estruturalistas e pós-modernistas em Antropologia. Sobre a aplicação desses modelos, Boccara diz:

“…quiçá seja importante insistir na ideia de que a “pureza original” apenas exista na imaginação de quem assim a concebeu, como  por exemplo, nas utopias de certos nostálgicos do exotismo … [e que] o cientista social não deveria se deixar obstruir pelas concepções “neutralizantes” ou “arcaizantes” da sociedade e da cultura” (Boccara 1999b: 32).

Consequentemente, já que grande parte dessas concepções foi e é consignada pelas etnografias sul-americanas para a construção do panorama geral das relações inter-étnicas a partir de registros sucintos e objetos de estudo isolados, temos uma tarefa adicional e que não cabe apenas à Antropologia: de corrigir e completar os quadros e visões gerais de análises etnográficas mais complexas a partir de trabalhos integradores, tanto teórica como metodologicamente. Tal abrangência comprometerá os pesquisadores a adquirir ferramentas inéditas, capazes de abordar a mobilidade e as transformações das sociedades e das culturas a partir de relações inter-étnicas e inter-sociais.

As reflexões de Sahlins acerca da Estrutura da Conjuntura (síntese entre a estrutura e o acontecimento) permitem indagar sobre os processos sociais de uma forma mais elaborada e complexa com os procedentes desafios metodológicos e técnicos que esta empreitada requer (Sahlins 1987: 14-16). Com objetos de estudo dinâmicos podem-se planejar pesquisas integradoras e visões teóricas mais complexas. Essa perspectiva guia nossa abordagem não inter-, nem multi-, mas transdisciplinar.

Um ponto de sinergia teórico deve ser refletido no campo metodológico e prático. Os grupos humanos que manejam a ambiguidade estrutural na construção de suas identidades, suas economias e seus processos de transformação política em prol de suas expectativas de sobrevivência física e cultural refletem nos espaços materiais e nas práticas culturais dando sentido a um território, manifestação básica na construção e manutenção de qualquer identidade.

Para tanto, acreditamos que a Arqueologia e suas derivantes etno-, os estudos de Ecologia e suas devidas variações etno- e, obviamente, a Etnologia e as demais Ciências Sociais devam desafiar suas próprias limitações à hora de abordar seus objetos de estudo e contribuir no enfrentamento de desafios frente às realidades que se apresentam.

Finalmente, a abordagem transdisciplinar fornece a abertura conceitual necessária à incorporação do conhecimento indígena (tradições orais) dentro da teoria arqueológica, tanto na prática como na construção do conhecimento sobre o passado, nos moldes apresentados pelo enfoque multiculturalista e do perpectivismo indígena discutidos mais recentemente pela etnologia brasileira (Viveiros de Castro 2002, entre outros).

A viabilização prática deste corpo conceitual exigiu, certamente, a participação de profissionais ligados a diferentes áreas de conhecimento, num total de 28 envolvidos, sendo 5 arqueólogos, 4 antropólogos, 3 geógrafos, 3 historiadores, 3 ictiofaunólogos, 1 indigenista, 1 sociólogo, 1 comunicólogo, 1 ecólogo, 1 engenheiro florestal, 2 consultores em desenvolvimento de estudos ambientais e controle de atividades de impacto e 3 editores gráficos. Todos voltados para um Programa de Diagnóstico Antropológico e de Patrimônio Cultural, totalizando 8.500 horas de trabalho entre estudos bibliográficos, etapas de campo (realizadas durante 7 meses ininterruptos, de maio a novembro/05), sistematização de dados e análises científicas integradas[2].

O currículo desta equipe foi devidamente avaliado e aprovado pelo IPHAN e FUNAI e, no caso das equipes que adentraram em áreas indígenas (4 profissionais no PIX e outros 3 profissionais nas TIs Parabubure e Ubawawe), também receberam expressa concordância de suas comunidades. Os trabalhos dentro das áreas indígenas foram acompanhados por representantes da FUNAI, garantindo a lisura das condutas adotadas. Foi realizada ainda vistoria arqueológica da área pelo IPHAN, objetivando instrumentar a análise dos relatórios encaminhados e garantir um acompanhamento dos órgãos federais envolvidos em todas as etapas do processo.

Por fim, considerando tratar-se de um Programa que, em sua origem, busca o atendimento a itens apontados pelo Ministério Público Federal, todas as etapas de pesquisa e atividades desenvolvidas foram amparadas por trilhas de auditoria, onde se destaca cerca de 85 horas relacionadas a 43  entrevistas formais gravadas e transcritas, centenas de entrevistas informais, 6.500 imagens fotográficas organizadas em banco de dados, além de ata da reunião geral realizada junto às etnias indígenas do PIX no fechamento dos trabalhos de campo, momento em que todas as atividades, abordagens e resultados foram repassados com as lideranças presentes [3].

Desenvolvimento

Demonstradas as lacunas científicas que os laudos prévios apresentaram para a localização do Sagihenhu, o texto abaixo traz uma síntese das pesquisas desenvolvidas pelo “Programa de Diagnóstico Antropológico e de Patrimônio Cultural da PCH Paranatinga II” e seus resultados, abordados  em cinco itens:

1)  Estudos antropológicos do mito;

2)  Arqueologia regional e prospecções no rio Culuene;

3)  Pesquisas arqueológicas da cartografia xamânica alto-xinguana;

4)  Arqueologia no eixo da PCH Paranatinga II;

5) Os sítios arqueológicos detectados e suas implicações nos estudos no vale do Culuene.

Devemos ressaltar que esses itens dão conta exclusivamente das questões relativas à pesquisa arqueológica desenvolvida, apesar do Programa apresentar um alcance muito mais amplo no que se refere aos estudos antropológicos e de patrimônio histórico/cultural.

  • Estudos antropológicos do mito

Estudos sobre o mito do Kwarup indicam a existência de diferentes versões apresentadas pelas etnias indígenas xinguanas (Heckenberger e Franchetto 2001, Agostinho 1974, Fausto 2004, entre outros), o que se aplica à própria localização geográfica do Sagihenhu: enquanto na versão Kamayurá ele estaria na região do Morená (dentro dos limites do PIX), na versão Kalapalo estaria no alto curso do rio Culuene. Por conta disso o presente Programa visou realizar um estudo que considerasse, de forma abrangente e não hierárquica, as versões do Kwarup (e, em especial do Sagihenhu) apresentadas pelas 9 etnias que compartilham o mito.

Foram ao todo realizadas entrevistas com 12 pessoas, dentre as 9 etnias visitadas, sendo que a própria comunidade indígena indicava quem dentre eles detinha o conhecimento e a autoridade de faze-lo (a maioria das vezes eram pajés, e raramente caciques).

A presente pesquisa não visou esgotar os estudos sobre o mito do Kuarup, mas sim mapear as variações que apresentaram entre as etnias, no que se refere à descrição paisagística do Sagihenhu e sua localização geográfica dentro da cartografia xamânica [4].

A sistematização destes dados forneceu subsídios à pesquisa arqueológica de campo, indicando elementos de relevância apontados pela comunidade indígena para tangibilização de seu espeço simbólico.

Vale ressaltar que todas as etnias indígenas foram unânimes em indicar os Kalapalo como povo detentor da história sagrada do Kwarup, pois seriam os “donos” do rio Culuene (ou seja, ocuparam-no historicamente). Efetivamente, ao final dos trabalhos dentro do PIX foi realizada reunião de encerramento onde se sugeriu a formação de uma comitiva de representantes que pudessem ir ao alto Culuene e proceder ao reconhecimento dos travessões ali existentes (e, se possível, identificar o próprio local do Sagihenhu). As etnias definiram representantes Kalapalo, acompanhados por índios Waurá.

A comitiva confirmou o local do Sagihenhu em um travessão do rio Culuene que se encontra a 7 km lineares a jusante da PCH Paranatinga II. Em respeito à aplicação dos estudos desenvolvidos de forma transdisciplinar entre Arqueologia e Antropologia, assim como à postura política e ideológica das comunidades alto-xinguanas, atendemos seu pedido de terem o direito de reconhecer os lugares sagrados e de contribuírem na sua definitiva proteção pela União e para a continuidade de seu uso pelos povos alto-xinguanos.

  • Arqueologia regional e prospecção no Rio Culuene

Embora tenha sido detalhada no relatório a explanação acerca da prospecção no rio Culuene (que ocupa 13 páginas do relatório final, ilustradas por mapas e pranchas, ver Robrahn-González et alii 2006: 178-193), esclarecemos que existem várias definições de prospecção na literatura arqueológica. Sinteticamente, para os fins deste texto, definimos prospecção como a busca sistemática, em uma área delimitada, de vestígios e estruturas de natureza arqueológica (envolvendo materiais característicos como fragmentos cerâmicos e vestígios líticos, mas também manchas de terra preta, valas defensivas, estradas ou quaisquer outras estruturas de origem antrópica), sempre contextualizados em relação à sua inserção ambiental e sem perder de vista as perspectivas possíveis de contextualização simbólica e social. Portanto, prospecções arqueológicas adequadamente realizadas envolvem um exercício de observação e registro muito mais amplo do que “buscar cacos de cerâmica no chão”, conforme afirma Fausto. Aliás, expressões como esta conotam um desprezo pela prática arqueológica imprópria a um antropólogo com o seu currículo. Talvez, afinal, Fausto tenha razão quando afirma não ter “a capacidade técnica necessária para tecer um juízo acurado” sobre o tema (site do ISA 06/09/06).

Definida a prospecção, retomemos a forma pela qual ela foi realizada no vale do rio Culuene, onde os objetos de estudo compreendiam dois aspectos específicos:

a)       a reconstituição paisagística e arqueológica da cartografia sagrada dos povos xinguanos, em especial aquela relacionada ao trajeto apresentado pelo leito do rio Culuene. Neste momento foi realizada a localização de prováveis pontos ao longo do rio que contivessem elementos diagnósticos do Taungi Ogogu, associado ao Sagihenhu (inferidos de Carvalho 1951: 16; Coelho de Souza 2000 e Fausto 2004, além de muitos relatos indígenas coletados pela antropóloga da equipe).

b)       o desenvolvimento de prospecções voltadas ao reconhecimento mais amplo da natureza e diversidade de vestígios arqueológicos que o vale do Culuene possui, especialmente em suas porções interioranas (uma vez que o leito do rio Culuene e suas margens já se encontravam contemplados pelos levantamentos acima expostos).

No primeiro caso, o eixo de onde partiram as prospecções foi o rio Culuene e, por isso, mais uma questão fundamental se apresentava: além de sítios arqueológicos presentes nas margens do rio (constituindo prováveis locais que pudessem corresponder à aldeia onde foi realizada a primeira festa do Kwarup), buscou-se detectar os travessões (ou corredeiras) presentes em seu leito, seguindo desde a barra do Culuene até o seu alto curso. Foram também realizadas prospecções nos principais afluentes do Culuene, onde igualmente procedeu-se ao registro de travessões. A navegação de todo o rio (realizado durante a estação seca) foi fundamental para mapear o total de travessões (em número de 6) e corredeiras existentes e expostos, permitindo a caracterização precisa de cada um deles e a elaboração da hipótese de trabalho para a localização do Sagihenhu, considerando os elementos da paisagem cultural relatada no mito do Kwarup. Estas prospecções se estenderam ainda até as ilhas do Morená, já dentro do PIX e na bacia do Xingu, visando recompor o trajeto mítico integral realizado pelo deus Mavutsinin até alcançar o Sagihenhu.

Já no que se refere ao segundo objeto de estudo, a saber, as prospecções voltadas ao reconhecimento mais amplo da natureza e diversidade de vestígios arqueológicos que o vale do Culuene possui, foi utilizado o método amostral seletivo estratificado, definindo previamente sobre cartografia setores potenciais para a presença de sítios e, a partir deles, estabelecendo linhas de caminhamento perpendiculares ao rio com 1000 a 5000m de extensão, em direção aos terrenos mais elevados dos interflúvios, fora da planície de inundação. Na maioria das linhas prospectadas as equipes alcançaram as cristas de divisores de águas entre os rios Culuene e Couto de Magalhães (pela margem direita) e entre os rios Culuene e Pacuneiro, afluente do Culisevo (pela margem esquerda).

Este procedimento permitiu, por um lado, verificar a presença de sítios arqueológicos nos diversos compartimentos topográfico/ambientais presentes no vale do Culuene, bem como investigar a indicação fornecida pela comunidade indígena alto-xinguana (citada em Fausto 2004, inclusive) sobre a localização do Ahusukugu no interflúvio Culuene-Curisevo, correspondendo a um dos quatro sítios da cartografia sagrada, e que permaneceu não localizado geograficamente.

Finalmente, cabe salientar que foram realizadas prospecções regionais ainda mais amplas, expandindo as fronteiras do vale do rio Culuene e estendendo-se pelas bacias do Batovi e interflúvio entre o Sete de Setembro e o Culuene,  partindo de um terceiro objeto de estudo: a identificação de sítios arqueológicos em abrigo rochoso que apresentassem arte rupestre, capazes de fornecer um primeiro quadro de referência regional para o estudo dos grafismos existentes na gruta do Kamukwaká. Esta prospecção foi direcionada para o levantamento de afloramentos rochosos existentes na ampla região dos formadores do Xingu, tendo resultado no cadastro de 2 sítios.

Assim, a prospecção foi elaborada de acordo com problemas específicos de investigação: 1) O padrão regional arqueológico no vale do rio Culuene; 2) A detecção dos travessões ao longo do rio Culuene; 3) A inter-relação entre as unidades elementares da paisagem definidas pelos travessões a sítios arqueológicos associados; 4) A elaboração de um quadro regional de referência de arte rupestre.

Como resultados foram cadastrados 10 sítios arqueológicos, inserindo a região do Culuene no debate arqueológico regional e macro-regional.

  • Pesquisas arqueológicas da cartografia xamânica alto-xinguana

A apropriação dos vestígios arqueológicos pelas comunidades alto-xinguanas demonstra, num primeiro momento, uma relação identitária e territorial significativa que deve ser estudada de forma ampla pela Arqueologia em abordagem transdisciplinar com a Antropologia e a Linguística. Anteriormente aos nossos estudos não havia ainda qualquer pesquisa arqueológica que fundamentasse, de facto, a relação direta que vestígios arqueológicos, denominações da paisagem e paisagens mantinham com os relatos míticos dos povos alto-xinguanos para o rio Culuene[5].

Devemos relembrar que Fausto produziu um laudo antropológico para o MPF em 2004 no qual salientou a precisão da cartografia xamânica alto-xinguana com base em dados etno-históricos e de acordo com um único informante, Kurikaré Kalapalo. Dessa forma, até aquele momento nenhum estudo empírico voltado à problemática do Sagihenhu havia confirmado a materialidade da relação entre denominação da paisagem, paisagem e vestígios arqueológicos. A seguir, duas passagens onde Fausto indica a provável correspondência material da precisão cartográfica alto-xinguana, que confirmamos durante as pesquisas:

“Não se deve tomar essa cartografia indígena como representando uma ficção, por ela estar completa de histórias legendárias e mitos cujos personagens são seres sobre-humanos. Nossa experiência de pesquisa tem nos mostrado que as narrativas e cartografias míticas condensam em forma legendária, séries de eventos históricos reais” (Fausto 2004: 43).

E esclarece sua fonte:

“A toponímia que apresentamos a seguir foi coletada recorrendo-se apenas à memória cartográfica do chefe Kurikaré Kalapalo; ela seria certamente muito mais precisa caso fosse feita in loco, i.e, subindo o Culuene com informantes de posse de um GPS. Infelizmente, esse trabalho ainda não foi realizado. De todo modo, é surpreendente o conhecimento da área ao sul da latitude 13, indicando a existência de um mapa mental extremamente detalhado da região. Esse fato vem ao encontro do que já notara von den Steinen em 1884 sobre a precisão do conhecimento cartográfico dos povos xinguanos. Cada lugar tem um nome, cada nome está associado a um evento histórico ou mítico, ou a uma característica ambiental destacada. A sequência de nomes designa, pois, ao mesmo tempo narrativas e trajetos. Esses mapas mentais são produto, pois, de uma cultura extremamente elaborada, que não separa conhecimentos empíricos sofisticados de seus significados socioculturais” (Fausto 2004: 50-51, grifo nosso).

Embora o autor não qualifique seu informante de forma precisa (ou seja, seu papel na comunidade onde vive e o reconhecimento que tem desta mesma  comunidade no que se refere à propriedade/autoridade em narrar o mito do Sagihenhu), assim como não tenha um conjunto amostral suficiente que demonstre as variações de um mito, indica a precisão que os alto-xinguanos têm, em geral, na cartografia do rio Culuene e a co-relação que os relatos sagrados apresentam com fatos históricos e sua localização no espaço (baseado apenas nos estudos desenvolvidos por Heckenberger entre os Kuikurö, já no alto Xingu).

Vale dizer que os mitos se representam no mesmo espaço e dimensão que os alto-xinguanos conhecem empiricamente, de forma que há uma representação material indicada pela língua, constituindo, portanto, uma referência arqueológica do mito. Não apenas marcos paisagísticos conformam uma inflexão concreta entre o histórico e o mítico, mas também as antigas aldeias o confirmam, todas com nomes em Kalapalo. Essa relação entre mito e arqueologia, ou seja, da materialidade de representação dos cenários dos mitos, é amplamente discutida na literatura arqueológica e está envolvida no desenvolvimento teórico de nossa disciplina desde a sua origem[6].

Ao realizarmos estudos arqueológicos no Culuene, mapeando antigas aldeias e confirmando a precisão da cartografia alto-xinguana através da prospecção realizada com auxílio de georreferenciamento, demonstramos materialmente essa precisão, antes apenas inferidas [7]. A localização do Taugi-Ogogu e do Sagihenhu encontra-se neste contexto, que relaciona a cartografia xamânica e a cartografia strictu sensu representadas numa mesma dimensão material, onde a língua Kalapalo se materializa na conformação da paisagem cultural. Levou-se ainda em consideração aspectos linguísticos sobre a paisagem, embora numa abordagem pontual, mas que entendemos fundamental para a presente pesquisa. Como exemplo, citamos a localização do Taugi Ogogu:

“Para cumprir o primeiro objetivo [identificar o Taugi-ogogu] seria necessária uma prospecção intensiva entre o baixo ao alto curso do rio Culuene, mapeando e averiguando sistematicamente os afloramentos na calha presentes nesse rio e afluentes maiores, que permitissem diagnosticar elementos paisagísticos relevantes na conformação do mito. Nesse caso: a presença de caldeirões ou marmitas e travessões, onde peixes ficariam presos para que servissem de comida aos convidados para o kwarup da mãe do Sol; a presença de uma cachoeira ou Ogo. Através do diagnóstico de lugares potenciais na calha do Culuene com esses elementos que reconstroem o Taugi-ogogu (conjunto de travessões detectados), indicou-se aqueles em que o mito pode ser representado, ou seja, aqueles travessões com elementos mais próximos à descrição do cenário/moldura do Sagihenhu” (…)

“Ogo, palavra kalapalo fundamental nesse relatório. Pode significar jirau, situado acima do forno central da paim, com uma altura de 1,6m, assim como salto, travessões e ruídos de água associados à passagem da água em rochas com depressões circulares como ocorre no Sagihenhu.” (Robrahn-González et alii, 2006: 160-161 e nota  de rodapé n.93).

Dessa forma, deixamos claro o uso precioso de informações linguísticas na representação da paisagem e a configuração material correspondente em marcos ambientais e sítios arqueológicos. A língua se materializa e dá espaço à história já revestida de seus mitos conformadores, que mantêm vivas as relações simbólicas e a identificação do território alto-xinguano.

Concomitantemente, a ampliação do número de informantes (ao menos um por etnia alto-xinguano e, no caso Kalapalo, mais de um) revela a preocupação do presente Programa em dimensionar a variação do mito e apresentá-la como elemento fundamental na compreensão da cartografia sagrada alto-xinguana em seu sistema multi-étnico, que apresenta diversidades e relações complexas passíveis de serem estudadas numa perspectiva histórica e arqueológica de detalhe.

  • Arqueologia no eixo da barragem da PCH Paranatinga II

Estudos arqueológicos têm sido desenvolvidos na área diretamente afetada pelo empreendimento desde 2004, compreendendo todos os terrenos abrangidos pelas obras da barragem, mais a área do futuro reservatório. Estão sob a responsabilidade de outro pesquisador e deverão ser entregues ao IPHAN de acordo com a portaria correspondente. Contudo, não nos eximimos de tecer alguns comentários significativos em relação a uma arqueologia no eixo da Paranatinga II.

Em primeiro lugar, relatórios de andamento indicaram a presença de grandes aldeias ceramistas na margem direita do rio Culuene, na altura do eixo da PCH, assim como de um provável acampamento caçador-coletor onde foi encontrada uma ponta de lança em arenito silicificado. Ao contrário do indicado no artigo de Fausto (site do ISA 06/09/06), o travessão associado ao eixo da Paranatinga II não foi destruído, estando ainda muito bem preservado, embora a água não corra em seu leito. Da mesma forma, os dois sítios arqueológicos cerâmicos encontrados estão preservados e protegidos, e milhares de fragmentos, entre líticos e cerâmicos, se encontram em análise. Vasos inteiros foram recuperados e datações radiocarbônicas serão apresentadas à comunidade científica pela arqueóloga responsável.

Embora a problemática maior para a qual se  volta o nosso Programa seja o Sagihenhu e sua representação material e simbólica para as comunidades alto-xinguanas, vale notar que as investigações arqueológicas desenvolvidas ocorreram, ao contrário do que afirma Fausto (site do ISA 06/09/06), igualmente a montante do eixo da Paranatinga II e contemplam arqueologicamente os tradicionais territórios Xavante, incluindo a presença de sítios arqueológicos (entre eles o sítio Córrego do Arnor- 22L 0259977/8463372), áreas de ocorrência arqueológica e travessões prospectados no Culuene e afluentes (Travessão sem nome-22L 255942/8465464; Travessão Cachoeira do Sucuruí-22L 253201/8459048; Travessão Salto dos Mineiros- 22L 245598/8447938).

A presença de sítios com arte rupestre em tradicional território Xavante, no interflúvio alto Culuene-alto Sete de Setembro, é mais uma prova de que a Arqueologia foi estendida para os territórios além do Sagihenhu, estabelecendo em nível detalhado uma das grandes questões arqueológicas voltadas ao estudo das regiões norte e centro-oeste brasileiras: o delineamento de fronteiras territoriais/ culturais. Trata-se dos sítios Abrigo Córrego Rafael e, lindante com a TI Parabubure, sítio abrigo Serra do Urubu (ver Robrahn-González et alii 2006: mapa à página 208 e descrição às páginas 228-236). A importância desses sítios, incluindo sua possível inserção no histórico regional de ocupação Xavante, pode ser apreendida nas primeiras discussões acerca da Arqueologia regional que construímos para o Culuene (Robrahn-González et alii 2006: 237-244).

  • Os sítios arqueológicos detectados e suas implicações nos estudos no vale do Culuene

Além de ser uma região de fronteira geológica, hidrográfica, vegetacional e de outras ordens naturais entre o Planalto Central e a Amazônia, constitui também o vale do rio Culuene uma fronteira entre grupos humanos na pré-história, como nos indicam os sítios arqueológicos detectados ao longo do rio. Todavia, ao contrário do que foi apontado por Fausto (site do ISA 06/9/06), nossos dados estão longe de corroborar seus ligeiros apontamentos arqueológicos.

O Programa desenvolvido indica uma grande complexidade territorial ao longo do rio Culuene, refletida na diversificação dos assentamentos (morfologia, compartimento topo-ambiental de implantação e densidade de vestígios) e nos conjuntos tecnológicos associados (com variações morfológicas, tecnológicas e estilísticas). Em uma breve síntese, pode-se destacar[8]:

1)   Presença de sítios cuja indústria cerâmica pode ser associada à tradição Uru, típica do Planalto Central brasileiro (Wüst 1993; Robrahn-González 1996). Esses sítios apresentam grandes dimensões e morfologia circular. Contêm uma indústria cerâmica formada por recipientes com base plana, bordas infletidas inclinadas externamente, queima oxidante incompleta e antiplástico cariapé A e B. Sítios com implantação distintas: um mais retirado (Córrego do Arnor), e outro mais próximo da calha do Culuene (Paraíso). Este ultimo encontra-se próximo ao Kugugi, área onde até há pouco tempo atrás os índios Kalapalo e Naruwut coletavam pedras para perfuração de caramujos na produção de colares. O sítio Córrego do Rio Grande 2 pode também pertencer a esse horizonte.

2)      Sítios cerâmicos relacionados, provavelmente, à denominada Fase Ipavu inicial (Heckenberger, 2001), como o sítio Cachoeira do Adelino e sítio Córrego do Rio Grande 1. Sua indústria cerâmica é representada por vasilhas com formas muito similares àquelas existentes entre o conjunto de artefatos cerâmicos Waurá: bijuzeiros (reshe’e), kamalupës, makulas e suportes cônicos de bijuzeiros (trempes). Trazem engobo vermelho na face externa, bordas infletidas externamente (algumas com decoração incisa geométrica) e bases planas. A queima é de redutora incompleta (com presença de núcleo escuro) a redutora completa. Os fragmentos analisados em campo apresentaram antiplástico cariapé. As aldeias têm dimensões entre 300x300m até 600x400m, podendo ser maiores. Apresentam egepe, terra preta, segundo a classificação de Kalapalos, Kuikurös e Nahukwás, o que ocorre em setores coincidentes com a área de depósito de material arqueológico mais periférico ao sítio, lembrando um padrão muito comum em aldeias circulares observadas no alto-Xingú.[9] Apresentam semelhanças aos sítios do Complexo Oriental do alto Xingu, descritos por Heckenberger (2001).

3)      Sítio cerâmico não-filiado, caso do sítio Córrego do Joaquim, o mais setentrional detectado durante as prospecções no Culuene. Apresenta características distintas dos demais no que se refere à tecno-morfologia cerâmica e implantação. Está a menos de 200m do rio. Conta com uma indústria cerâmica representada por vasilhas sem decoração, com bordas suavemente inclinadas externamente, reforçadas externas, de queima oxidante completa, negras e algumas cinza escuras, e antiplástico cariapé.

4)      Sítio cerâmico não-filiado, caso do sítio Fazenda Paulista, que se apresenta nesse quadro inicial como notável exceção. Entre os sítios detectados é aquele situado mais distante da calha do rio Culuene (3000m), na interface entre uma antiga planície de inundação e a ocorrência de terras vermelhas resultantes da decomposição de uma chapada residual a leste, já em área de cerrado e campos sujos. Vestígios cerâmicos estão situados a 90 cm de profundidade. São fragmentos pouco espessos pertencentes a recipientes de superfície semi-polida e cor bruno-avermelhada clara, de queima redutora incompleta (núcleo escuro) e antiplático cariapé B.

5)  Sítios com arte rupestre em abrigo (3 sítios, dentre eles o abrigo do Kamukwaká). Seus grafismos indicam grande diversidade técnica e temática tendo-se, também, uma variabilidade quanto aos materiais arqueológicos associados. Entre os sítios de arte rupestre registrados, Abrigo Serra do Urubu e Abrigo Córrego Rafael são os mais próximos e têm uma implantação semelhante na paisagem: estão distantes 34 km entre si e ocupam média encosta de vertente, têm ampla visão, boa iluminação, fácil acesso, proximidade a córregos e estão cercados por matas de cerrados. Já o abrigo do Kamukwaká está a 175 km de distância noroeste, ocupando a baixa encosta da margem esquerda do rio Batovi. Todas estas variações sugerem que os grafismos tenham sido realizados por diferentes grupos humanos que se estabeleceram na área, não demonstrando um cenário homogêneo.

Vale ressaltar que os sítios arqueológicos acima citados são todos pertencentes a horizontes ceramistas de ocupação indígena, embora se tenha cadastrado na área também vestígios ligados a ocupações provavelmente mais antigas, em contexto de grupos caçadores-coletores, que ampliam a diversidade arqueológica que o vale do Culuene apresenta.

Finalmente, dados coligidos através de informações orais junto aos grupos alto-xinguanos e Ikpeng apontam para uma ocupação e circulação histórica intensa de Awetï[10] e Mehinako no médio e alto Curisevo, Waurá, Bakairi e Ikpeng no médio e alto Batovi, assim como de Kalapalo e Naruvute entre o alto e médio curso do Culuene.[11]

O conjunto de informações obtido a partir do presente Programa indica, portanto, que a arqueologia do Culuene apresenta particularidades que divergem, em grau e natureza, dos conjuntos artefatuais apontados pela bibliografia. Esta situação já era esperada, considerando a diversidade de ocupações indígenas ocorrida na região central brasileira como um todo, tanto em período pré-colonial quanto histórico.

Tais dados contribuem, assim, para análises mais amplas, macro-regionais, que visem não apenas relacionar os sítios identificados a uma dinâmica interna de ocupação do vale do Xingu, mas também externa, considerando o conjunto de fenômenos de interação cultural e fronteiras territoriais que devem ter ocorrido nas regiões limítrofes entre os domínios geomorfoclimáticos da Amazônia e do Planalto Central (Ab’Saber 2003).

Todavia, é importante ressaltar que em nenhum momento o presente Programa indicou, conforme aponta Fausto (site do ISA, 06/09/06), que “a área a montante, desde a fronteira sul do Parque Indígena do Xingu até a barragem é território tradicional xinguano”, ou que “Sagihenhu e Kamukwaká constituem os pontos limites desse território, e seu caráter sagrado está associado a essa função. Eles marcam a fronteira entre o complexo xinguano e os povos Jê do Brasil Central”. Os levantamentos realizados pelo presente Programa, embora tenham fornecido um primeiro cenário arqueológico para o vale do Culuene, onde os problemas de diversidade cultural e fronteira já podem ser percebidos, não esgota o assunto, que necessita de levantamentos detalhados que fogem ao escopo deste estudo de diagnóstico.

 Considerações finais

O presente Programa resultou na obtenção de um primeiro cenário arqueológico para a bacia do rio Culuene e, dentro dele, a identificação e caracterização da paisagem cultural do Sagihenhu. Constituindo uma primeira abordagem à questão e na região, o compromisso do presente trabalho ocorre com a documentação dos vestígios arqueológicos presentes na área, cadastrados a partir de métodos de prospecção sistemática. Foi esse compromisso que nos levou a indicar a presença de sítios arqueológicos no médio e alto Culuene que remetem aos complexos de ocupação indígena alto-xinguana, expandindo assim, empiricamente, a delimitação de seus territórios de ocupação. Mas foi esse mesmo compromisso que indicou a localização do Sagihenhu em um ponto diverso dos dois anteriormente apresentados pelos laudos antropológicos que haviam sido realizados.

Conforme mencionado anteriormente esta localização do Sagihenhu se deu, em um primeiro momento, através do resultado das pesquisas arqueológicas e da tangibilização da cartografia sagrada com uma cartografia georeferenciada (ou seja, o que havia sido indicado por Fausto em seu laudo anterior). Em um segundo momento esta localização foi corroborada por lideranças indígenas que retornaram aos travessões do Culuene, visando identificar suas paisagens míticas, formalizando seu reconhecimento e, imediatamente, solicitando medidas de proteção ao local e garantias de acesso.

Os resultados do Programa de Diagnóstico Antropológico e de Patrimônio Cultural da PCH Paranatinga II foram apresentados em duas reuniões abertas realizadas, respectivamente, em maio, em Cuiabá (contando com a participação do Ministério Público Federal, FUNAI/Cuiabá, IPHAN e 4a. Câmara/ Meio Ambiente) e, em junho, em Brasília (contando novamente com a participação dos órgãos acima mencionados, mais a presença de todo o corpo técnico da FUNAI/CGPIMA, da 6a. Câmara / Minorias e de representantes indígenas xinguanos).

A localização do Sagihenhu aqui apontada, portanto, está longe de constituir “artifício retórico e não científico”, como aponta Fausto (site do ISA, 06/09/06). Encontramo-nos prontos a discutir em qualquer instância sobre o assunto, desde que nossos interlocutores tragam à mesa dados científicos tão ou mais detalhados do que os aqui sintetizados. Do contrário, permaneceremos indefinidamente em uma discussão tautólogica que, se em nada contribui para o avanço da ciência, menos ainda traz para aqueles que deveriam efetivamente ser o foco de nossas atenções: as comunidades indígenas envolvidas.

Nossa postura não é a da fragmentação da ciência (Antropologia versus Arqueologia?), tampouco o aumento da distância entre “ciência de contrato” e “ciência acadêmica”. Lidamos, inevitavelmente, com os conflitos políticos intrínsecos à prática contemporânea das Ciências Sociais. Neste sentido, a DOCUMENTO busca a prática de uma pesquisa aberta, por meio de discussões amplas que gerem o aprimoramento de condutas e resultados.

Vendo-me na contingência de apresentar esta reflexão na arena escolhida por Fausto em seu pronunciamento original, aproveito a oportunidade para colocar-me à disposição para o diálogo com todos aqueles que visam estabelecer discussões científicas em favor do patrimônio cultural brasileiro e das comunidades indígenas envolvidas.

Por outro lado, o Programa indica que sejam desenvolvidas propostas mitigadoras/ compensatórias que visem contribuir para o encaminhamento de questões relacionadas aos grupos indígenas xinguanos, e que se encontram abandonadas desde a criação do PIX, na década de 1960. Dentre elas se destaca a proteção dos locais associados à cartografia sagrada alto-xinguana que se encontram fora dos limites do Parque, e a criação de um Comité de Bacia para o rio Culuene que vise não apenas acompanhar o desenvolvimento dos programas sócio-ambientais sob responsabilidade da empresa Paranatinga Energia S/A, mas que também atue no processo de articulação inter-institucional objetivando promover ações de controle no desenvolvimento regional (incluindo uso do solo, queimadas, uso de agrotóxicos, combate à pesca predatória, entre outros) e que causam impactos diretos e indiretos ao ambiente compartilhado com as comunidades indígenas do PIX e das TIs Parabubure e Ubawawe.

O simples fato de que o relatório final do Programa de Diagnóstico Antropológico e de Patrimônio Cultural da PCH Paranatinga II traz os conteúdos aqui sintetizados, assim como as propostas de inserção social acima apontadas, indica o forte compromisso da DOCUMENTO com uma prática arqueológica (“de contrato”, inclusive) firmemente embasada em pesquisas cientificamente consistentes e eticamente sérias. Reafirmo que a DOCUMENTO não elaborou um laudo para os estudos da PCH Paranatinga II. Aliás, em seus 18 anos de empresa nunca elaborou laudos, uma vez que considera tratar-se de ferramentas que não têm por finalidade a construção de conhecimento científico. Infelizmente existem, e não só na Arqueologia (também na própria Antropologia e demais áreas envolvidas em processos de licenciamento ambiental) laudos com abrangência e profundidade questionáveis. Por essa razão corroboramos enfaticamente o apelo de Fausto por uma discussão ampla e abrangente do tema, de modo a elevar a qualidade da pesquisa contratual do Brasil. A exemplo de outros países que desenvolveram códigos de ética especificamente voltados a este assunto (como a Austrália, por exemplo), também no Brasil tem-se necessidade urgente de iniciar a discussão, na qual certamente faço questão de ter participação pessoal.

Erika Marion Robrahn-González

Livre docente, com Doutorado e Pós Doutorado em Arqueologia pela Universidade de São Paulo.
Mestre em Antropologia Social – USP.
Sócia-diretora do Grupo DOCUMENTO

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[1] O Decreto sem número de 24 de abril de 2013 e publicado no DOU em 25/04/2013 homologa a Terra Indígena Kayabi do Teles Pires, um processo que teve início com a portaria de interdição, PP/573 de 25 de junho de 1990. Ainda falta seu registro, última fase a ser cumprida após a homologação. A TI Mundurucu foi homologada e registrada pelo Decreto sem número de 25 de fevereiro de 2004 e publicada no DOU em 26 de fevereiro de 2004, o processo de identificação teve início em 1982, pelas portarias 1374 de 24/08/1982 e 1416E, datada de 18/11/1982. A TI Sai Cinza, já no Estado do Pará e fronteiriça à TI Munduruku foi homologada e registrada em 24 de dezembro de 1991 e seu processo de declaração data de 1987, pela emissão da portaria 94.604 de 14 de julho de 1987. Há outros processos em tramitação adjacentes ou internos (índios isolados no Pontal dos Apiakás) às terras indígenas aqui indicadas e em trâmite na Funai.

[2] No que se refere a esta prática transdisciplinar o Dr. Carlos Fausto foi capaz de reconhecer somente como resultado a apresentação de um “imenso e verboso laudo” e o uso de uma “enorme bibliografia”.  Por outro lado, a magnitude das atividades desenvolvidas, representada pelo tamanho e qualificação de seus profissionais, pela duração dos trabalhos de campo e pelo número de horas de atividade realizadas por um programa enquadrado ainda na etapa de Diagnóstico, estão longe de constituir ações realizadas “a toque de caixa”, como Fausto prefere rotular  (artigo ISA 06/09/06).

[3] Também neste caso o Dr. Carlos Fausto preferiu considerar a necessidade de registro técnico de peritagem, comum a práticas que envolvem interveniência do Ministério Público, como “as fotos, os mapas, o jargão, fazem parte de um aparato técnico que serve para esconder a fragilidade científica dos trabalhos”….. (Site do ISA 06/09/06).

[4] Para esta variação indicamos uma leitura cuidadosa do Relatório Final do Programa de Patrimônio Cultural da PCH Paranatinga II, 2006, páginas 80 a 151.

[5] Adotamos a normatização do RADAMBRASIL (1980) para o Culuene, de sua nascente até à confluência com o Sete de Setembro, nascendo aí o rio Xingu.

[6] Estudos recentes na América do Sul com comunidades indígenas Mapuche têm corroborado com precisão a manutenção de paisagens herdadas que recebem e renovam continuamente sua função simbólica e de conformação dos mitos (Dillehay, no prelo). Comparações sobre a apropriação de vestígios arqueológicos na construção da identidade entre Kalapalo e Yanomami foram ainda abordadas por Méndes & Pereira Makuxi (2006).

[7] Essa precisão é apontada no relatório e seu detalhamento é mensurado. Ver Robrahn-González et alii, 2006: 164

[8] Os resultados em detalhe encontram-se no Relatório Final do Programa de Patrimônio Cultural da PCH Paranatinga II, 2006, páginas 237-248.

[9] Salienta-se aqui, em especial, as aldeias Waurá e Kalapalo, onde anéis de dispersão desses vestígios puderam ser medidos e bem-documentados.

[10] Os grupos Awetî dizem em seus relatos serem provenientes de Paruá, local no médio Curisevo onde viveram seus bisavôs e denominado como sagrado por esse grupo. Ao contrário de outros grupos alto-xinguanos, os Awetî afirmam ter produzido cerâmica diferente dos Waurá.

[11] No médio e baixo curso do rio Sete de Setembro predominariam Narûvûte que seriam, também, “donos” do rio Couto Magalhães. No médio curso do Sete de Setembro haveria os Yaruman, que foram massacrados tanto por expedições Suyá em direção ao território Karajá na bacia do Araguaia, como, mais recentemente, por uma perseguição implacável dos Kalapalo que exterminou essa etnia. Existe um sobrevivente Yaruman numa aldeia Suyá, segundo informação de Ropkará Suyá, da Atix, Canarana, MT.

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