Enquanto parlamentares e governo ‘lavam as mãos’, ruralistas ‘lavam a égua’

Por Renato Santana* – CIMI

O presidente da Câmara Federal, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), ‘lavou as mãos’ quanto ao regime de urgência do PLC 227 e a criação da comissão especial da PEC 215. Durante reunião com lideranças indígenas, no início da tarde desta quarta, 14, as palavras de Alves, cobertas pela neblina de uma linguagem habilidosa, resumiram o seguinte: ele vai tocar a tramitação das matérias ao mesmo tempo em que vai segurá-las. Fará sem fazer; dirá sem dizer.

O presidente prometeu que não colocará em votação o regime de urgência do PLC 227 e tampouco criará a comissão da PEC 215 até o final deste mês. Depois vai depender do que a conjuntura no parlamento irá dizer. Em última instância, do resultado da mobilização indígena gabinetes afora. Alves afirmou ser pressionado pelos deputados ruralistas, mas ressaltou que só pode agir em pleno acordo das lideranças partidárias.

A mensagem codificada está nítida aos indígenas: convençam os líderes partidários e, sobretudo, seduzam a base do governo a apoiá-los. Caso contrário, a palavra de Alves empenhada aos ruralistas valerá mais do que os direitos violados dos índios.

Horas depois, no Palácio do Planalto, foi a vez do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ‘lavar as mãos’ ao dizer que não publicaria portarias declaratórias (demarcação) para terras indígenas na Bahia, porque o governo seria processado pelos fazendeiros. A saída seria criar uma mesa de diálogo no estado, envolvendo todas as partes.

Num mesmo dia, dois gestos de extrema covardia e que demonstram porque a população brasileira prefere mais a trama da novela das oito do que as tramas que envolvem o presente e o futuro do país.

Henrique Alves foi quem costurou a criação de uma Comissão Paritária entre deputados e indígenas, como forma de desocupar o Plenário Ulysses Guimarães dos povos originários que lá protestavam. Os ruralistas não foram a nenhuma das quatro reuniões. Não cumpriram a palavra, não apostaram no diálogo. No entanto, o presidente da Câmara agora joga para a torcida o encaminhamento de projetos que, nas palavras dos juristas Dalmo Dallari e Carlos Frederico marés, são “absolutamente inconstitucionais”.

Por que ele não questiona os parlamentares ruralistas quanto às ausências na Comissão Paritária? Pela comissão deveria passar tudo o que tramitasse na casa envolvendo a questão indígena. O comunicado quanto ao PLC 227 chegou aos indígenas pelas organizações dos povos e indigenistas. A postura embotada de Alves é permissiva aos desmandos da bancada ruralista, que não cumprem acordos e como uma manada de bois obriga os outros a cumprir.

A covardia de Cardozo tem outras proporções, em que pese corra pelos corredores do Ministério da Justiça que a covardia é a práxis do ministro. Cardozo ‘lavou as mãos’ quanto às publicações de portarias declaratórias na Bahia, que é parte da lei e da efetivação administrativa do direito indígena pela terra, por temer possíveis processos judiciais de fazendeiros, absolutamente naturais dentro do procedimento. Cardozo quer o diálogo, pouco se importando no que isso vai dar. Comunidades indígenas e invasores de terras indígenas querem as terras.

Persiste a conciliação de classes, a insistência em querer coadunar interesses historicamente antagônicos, a busca por caminhos que mantêm os indígenas em situação de vulnerabilidade, indefinições e encaminhamentos parciais ou subjetivos.

Para Alves e Cardozo vale o ditado: mais vale um covarde vivo do que um herói morto. Um está há 40 anos no Congresso; o outro está cada vez mais sólido no Ministério da Justiça. E os ruralistas “lavam a égua”.

Retomadas e convocações

Nos últimos dias, cerca de 50 fazendas foram retomadas pelos Tupinambá da Serra do Padeiro, Bahia – enquanto em Brasília 110 indígenas do estado protestam e brigam por direitos. Claro, nada disso poderia ficar sem resposta e os ruralistas sabem bem quem é o alvo para atacar de volta.

Mais uma vez convocaram a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para dar explicações sobre as demarcações de terras indígenas, desta vez na Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia. Suspender as demarcações no Rio Grande do Sul e no Paraná não bastou para agradá-los.

Bancada evangélica

A bancada evangélica oficializou posicionamento favorável aos pleitos indígenas e contra a PEC 215 e o PLC 227. São cerca de 80 deputados, sendo que o principal partido é o PSC, do pastor Marco Feliciano, o deslocado presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal. Resta saber se o anúncio se converterá em votos contra medidas anti-indígenas.

*Editor do Jornal Porantim

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