Ruínas de fazenda em Itabirito, no sítio arqueológico de Aredes, podem ser tombadas

Lugar onde estão os restos dos prédios da fazenda e outras edificações ainda não é aberto para visitação
Lugar onde estão os restos dos prédios da fazenda e outras edificações ainda não é aberto para visitação

Com mais de três séculos, conjunto faz parte de estação ecológica e foi protegido contra mineração

Gustavo Werneck, Estado de Minas

No passado, uma grande fazenda de criação de gado, produção de alimentos para Vila Rica e com lavras de ouro. Hoje, ruínas que juntam as marcas do século 18 à preservação ambiental e se transformam numa joia do Quadrilátero Ferrífero. O sítio arqueológico de Aredes, em Itabirito, a 60 quilômetros de Belo Horizonte, é uma página da história de Minas quase arrancada pela atividade clandestina de uma mineradora, já expulsa da região, mas que, felizmente, deixou três conjuntos da antiga propriedade agora integrante da estação ecológica gerenciada pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF).

Para garantir maior proteção aos muros, paredes e construções de pedra sobreviventes, a Secretaria do Patrimônio Cultural e Turismo de Itabirito vai abrir o processo de tombamento do lugar, o qual foi avaliado de forma positiva pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural (Compatri). Até mês que vem, o dossiê estará pronto, informa o secretário de Cultura, Ubiraney Figueiredo. O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) também tem interesse em fazer o tombamento.

Quem passa pela Rodovia BR-040, no sentido Rio de Janeiro, nem imagina que a menos de dois quilômetros da estrada há um tesouro com mais de três séculos. “É certamente um dos primeiros núcleos populacionais de Minas”, diz o coordenador das Promotorias de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC), Marcos Paulo de Souza Miranda, de posse de uma certidão de batismo realizado na capela, em 1723, há 290 anos. Diz o documento: “Aos cinco de setembro do presente ano, batizei e pus os santos óleos no Oratório do Aredes desta Freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem da Itabira ao inocente Alexandre, filho legítimo de Francisco Ferraz Cardoso e de sua mulher Páscoa Nogueira, foram padrinhos Gonçalo Afonso dos Reis e Manoel Francisco e por verdade fiz este termo que assinei. Vigário Antônio de Souto Soares”.

O conjunto de ruínas – residência da fazenda, capela ou oratório dedicado a São Sebastião, comércio, senzala e outras edificações – está rodeado de empresas mineradoras, mas, desde que foi criada a Estação Ecológica de Aredes, por decreto estadual, há três anos, ele ganhou cerca, ficou livre do mato e recebe cuidado permanente. Segundo Marcos Paulo, o caso acompanhado há cinco anos pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) demandou ação na Justiça e assinatura de quatro termos de ajustamento de conduta (TAC) com empresas. “Além da importância histórica, Aredes é local de recarga de água, abastece a comunidade de São Gonçalo do Bação, em Itabirito, e está na faixa de transição entre mata atlântica e cerrado”, informa.

Janela de pedra

Nada, no entanto, se compara a conhecer Aredes, entrar nas ruínas, observar o marco da janela que sobrou na fachada e se tornou ícone da unidade de conservação (na base, há duas pedras, uma em frente à outra, denominadas namoradeiras), o contorno do curral, os caminhos e vestígios da ocupação humana. Atento a todos os detalhes na unidade de conservação, o gerente da estação ecológica, engenheiro florestal Luís Fernando dos Santos Clímaco, adianta que, até o fim do ano, vai começar a elaboração do plano de manejo da estação, dona de 1.157 hectares. “Por ser estação ecológica, Aredes tem restrições à visitação pública, limitando-se à pesquisa científica. Com o plano de manejo, que, na prática, é um plano diretor da área, será possível, no futuro, a entrada de estudantes e outros interessados”, diz Luís Fernando. Estão em andamento quatro dissertações de mestrado sobre a biodiversidade local, a cargo de alunos das universidades federais de Ouro Preto (Ufop) e de Minas Gerais (UFMG).

Para garantir a participação da comunidade nos destinos de Aredes, outra novidade: acaba de ser formado o conselho consultivo, composto de 32 pessoas, entre titulares e suplentes. “Esse lugar, que faz divisa com a Área de Preservação Ambiental Sul (APA Sul) e Monumento Natural da Serra da Moeda, é muito rico em flora e fauna. Há um tipo de cáctus sobre a canga de minério, só encontrado aqui e em Carajás, no Pará”, diz o engenheiro florestal. Ao lado da monitora ambiental Beatriz Cristina de Souza, ele coleta sementes, descobre bromélias e registra tudo. “Com o plano de manejo, teremos aqui uma equipe com botânicos, ecologistas e outros profissionais para estudar esse patrimônio cultural e ambiental”, afirma.

Fim das marcas

A mineração clandestina deixou marcas profundas em Aredes – algumas superiores a 10 metros. Para reparar os erros de mais de 30 anos, o termo de ajustamento de conduta firmado com uma empresa exigiu a presença de equipes de arqueólogos para acompanhar os serviços, como o preenchimento das cavas. “É a primeira vez, em Minas, que está sendo feita a reconversão do território no entorno de um sítio arqueológico”, diz a especialista Alenice Baeta, da empresa Artefactto Consultoria. Ao lado do também arqueólogo Henrique Piló, ela ministrou cursos de educação patrimonial para os motoristas dos tratores que trabalham na área e acompanha as demais ações que possam afetar o patrimônio. “A paisagem será recomposta com o preenchimento das cavas e cobertura vegetal”, explica.  A equipe da Artefactto, atuante no sítio desde janeiro, é composta ainda pelos arquitetos Maria Cristina Cairo e Pedro Paiva, atualmente envolvidos em projetos de interpretação e sinalização.

O trabalho conduzido ali vai resultar em livro com fotos do estúdio Orange. Alenice não se cansa de destacar a importância de Aredes, que, pelas dimensões, pode ter sido uma vila no século 18, tendo como núcleo principal a fazenda e um entreposto comercial. “As empresas que atuaram certamente destruíram outras ruínas”, acredita a arqueóloga, adiantando que não há previsão de escavações na região. Basta andar um pouco para sentir “os dramas” da atividade ilegal e ver os estragos deixados. A construção que abrigava as vendas foi coberta com telhas de amianto e, para não voarem pelos ares com os vendavais, foram colocadas várias pedras sobre elas. Dentro, mais desmandos. As paredes de pedras foram cobertas de cimento e construídos banheiros. De herança, ficaram camas, ferramentas e objetos. Segundo Luís Fernando, qualquer intervenção será sempre acompanhada dos arqueólogos. No terreno, também ficaram sete pilhas de manganês, totalizado cerca de 10 mil toneladas.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.