Maré: violência policial leva a mortes e à revolta

Entrada da casa de um morador da Maré,com rastro de sangue. Foto: Elisângela Leite
Entrada da casa de um morador da Maré,
com rastro de sangue. Foto: Elisângela Leite

Camila Nobrega e Rogério Daflon – Do Canal Ibase

Relatos de moradores do Complexo da Maré e de integrantes de ONGs do lugar repudiam a ação policial de ontem e de hoje na Favela Nova Holanda. Ao todo, até o momento houve 13 mortos, um deles um sargento do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Há duas versões complementares sobre o conflito. Para o presidente do Observatório de Favelas, Jorge Barbosa, o que houve foi assassinato de jovens da comunidade por policiais. Já Lourenço César, diretor do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré, acrescenta que policiais colocados nas entradas e saídas da favela – desde o início da Copa das Confederações – foram os autores dos primeiros disparos ainda na Avenida Brasil, em frente à comunidade.

–  Eles começaram a atirar, a fim de dispersar a manifestação de segunda-feira na Avenida Brasil, em frente à comunidade. Foi quando o Bope chegou e resolveu entrar na Nova Holanda. Não tinha ninguém armado na manifestação. De repente, o Bope resolveu entrar na favela, atirando. Houve troca de tiros – disse Lourenço.

Nessa troca de tiros, acrescentou ele, um sargento do Bope morreu:

– O Bope então passou a agir com fúria, com raiva. E a polícia não pode agir assim.

Jorge Barbosa afirmou ainda que jovens foram mortos a faca, durante a noite.

– Foram execuções sumárias. Os policiais entraram na favela, deram um tiro no transformador, atiraram a esmo, invadiram casas. Há vários rastros de sangue na Nova Holanda. Foi uma reação totalmente desproporcional, o que conforma o estado de exceção na favela. Atiraram para matar e mataram com faca.

Lourenço conta que na manifestação havia atos de vandalismo. Mas, para ele, seguindo a lógica das ações policiais nas manifestações realizadas no asfalto, ela poderia ter sido dispersada com balas de borracha.

– Mas a lógica da atuação policial é sempre diferente na favela – denuncia.

Neste momento, cerca de 200 moradores estão na entrada da Nova Holanda, preparando uma passeata pelo fim da operação e chamando atenção da sociedade do Rio de Janeiro para a truculência social que acontece com frequência nas favelas. Segundo o diretor do Observatório das Favelas, Jailson de Souza e Silva, três caveirões estão parados no local.

– Um sargento morreu e a polícia começou atos de vingança na favela. Eles dizem que são pessoas envolvidas com o tráfico, mas, como sempre, não há comprovação. Na favela, a polícia mata sem necessidade de comprovar que se trata de criminosos. Faz algum sentido justificar várias mortes por conta de uma morte?  – disse Jailson.

Pesquisadores apontam que episódio mostra comportamento da polícia em relação à população

Moradores da Maré fazem passeata em protesto contra a ação policial/Foto: Observatório de Favelas
Moradores da Maré fazem passeata em protesto contra a
ação policial/Foto: Observatório de Favelas

Durante a entrevista, por telefone, era possível ouvir os gritos de crianças, segundo ele moradoras da favela, pedindo “abaixo a violência”.

Segundo a professora do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social da Coppe/ UFRJ Rita Afonso, que também é membro do Observatório das Favelas, é preciso entender que esse episódio nesta terça-feira (25/06) na Maré faz parte de um contexto muito mais amplo, um comportamento violento da polícia em relação à população da cidade. Rita conta que, em suas redes sociais, jovens que são seus alunos na Escola Popular de Comunicação Crítica estão tentando conscientizar outros jovens, compartilhando a seguinte frase: “nas favelas, as balas nunca foram de borracha”.

– A questão principal é a violação de direitos na favela. Essa é uma batalha antiga. Esse é um ponto ao qual ninguém respondeu ainda. A Dilma não respondeu, o Cabral também não. Eu estava na manifestação dos Cem Mil e vi a barbárie que a polícia causou na Lapa, na Glória. É assim que a polícia sabe se comportar no Rio de Janeiro. É um recado claro, uma forma de estrangular a emoção das pessoas que estão nas ruas. Isso é muito grave, não podemos admitir que a polícia se comporte assim.

A professora Lia Mattos Rocha, da Pós-Graduação em Ciências Sociais da Uerj, diz que a cidade continua a sofrer com uma absurda divisão entre cidadãos e não cidadãos, com a favela sendo tratada com um estado de exceção.

– Isso ocorreu na Eco-92 e nos Jogos Pan-Americanos em 2007, quando a favela foi alvo de selvageria policial. Não é a primeira vez que, em grandes eventos, o Rio tem tratado as comunidades dessa forma.

Para ela, ao menos nas redes sociais tem surgido uma solidariedade com a Maré.

– Muita gente fez posts se solidarizando com a Maré, e isso é um grande novidade. Nas passeatas de rua, muita gente que não mora em favela foi alvo de violência policial. Talvez isso tenha aumentado a consciência das pessoas do que ocorre na favela.

Organizações da sociedade civil acabaram de publicar manifesto de repúdio à violência policial na Maré (abaixo), classificando o ato como uma chacina.

***

Nota Pública contra a violência policial: após protestos polícia realiza chacina na Maré

As favelas da Maré foram ocupadas por diferentes unidades da Polícia Militar do Estado do Rio (PMERJ), incluindo o Batalhão de Operações Especiais (Bope), com seu equipamento de guerra – caveirão, helicóptero e fuzis – ontem, dia 24 de junho. Tal ocupação militar aconteceu após manifestação realizada em Bonsucesso pela redução do valor da passagem de ônibus, como as inúmeras que vêm sendo realizadas por todo o país desde o dia 6 de junho. As ações da polícia levaram à morte de 13 moradores na noite de segunda-feira. Um sargento do Bope também morreu na operação e a violência policial se intensificou, com mais nove pessoas assassinadas, numa clara demonstração de revide por parte do Estado.

Diversas manifestações estão ocorrendo em todo o país e intensamente na cidade do Rio de Janeiro. Nas últimas semanas a truculência policial se tornou regra e vivemos momentos de bairros sitiados e uma multidão massacrada na cidade. No ato do último dia 20, com cerca de 1 milhão de pessoas nas ruas, o poder público mobilizou a Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ), contando com o Choque, Ações com Cães (BAC), Cavalaria, além da Força Nacional. A ação foi de intensa violência contra a população, causando um clima de terror em diversos bairros da cidade.

Não admitimos que expressões legítimas da indignação popular sejam transformadas em argumento para incursões violentas e ocupações militares, seja sobre a massa que se manifesta pelas ruas da cidade, seja nos territórios de favelas e periferias!

Tal ocupação das favelas da Maré evidencia o lado mais perverso deste novo argumento utilizado pelos órgãos governamentais para darem continuidade às suas práticas históricas de gestão das favelas, de suas populações e da resistência popular. Sob a justificativa de repressão a um arrastão, a polícia mais uma vez usou força desmedida contra os moradores da Maré, uma prática rotineira para quem vive na favela. É importante observar que, quando o argumento de combate a um arrastão foi usado contra manifestantes na Barra da Tijuca, não houve a utilização de homens do Bope, nem assassinatos, mostrando claramente que há um tratamento diferenciado na favela e no “asfalto”.

Repudiamos a criminalização de todas as manifestações. Repudiamos a criminalização dos moradores de favelas e de seu território. Repudiamos a segregação histórica das populações de favela – negras/os e pobres – na cidade do Rio de Janeiro.

Não admitimos que execuções sumárias sejam noticiadas como resultado de confrontos armados entre policiais e traficantes. Não se trata de excessos, nem de uso desmedido da força enquanto exceção: as práticas policiais nesses territórios violam os direitos mais fundamentais e a violação do direito à vida também está incluída nessa forma de oprimir.

O governo federal também contribui com o que ocorre nas favelas cariocas, não apenas pela omissão na criação de políticas públicas, mas também por manter as tropas da Força Nacional de Segurança dentro da cidade, reproduzindo o mesmo modelo aplicado pelo governo estadual.

As/Os moradoras/es de favelas e toda a população têm o direito de se manifestar publicamente – mas pra isso precisam estar vivas/os. E o direito à vida continua sendo violado sistematicamente nos territórios de favelas e periferias do Rio de Janeiro e de outras cidades do país.

Exigimos a imediata desocupação das favelas da Maré pelas forças policiais que estão matando suas/seus moradoras/es com a justificativa das manifestações. Exigimos que seja garantido o direito à livre manifestação, à organização política e à ocupação dos espaços públicos. Exigimos a desmilitarização das polícias.

Assinam a nota:

Arteiras
Alimentação do Borel
CAMTRA
Central de Movimentos Populares (CMP)
Centro de Promoção da Saúde (CEDAPS)
Cidadania e Imagem-UERJ
Círculo Palmarino
Coletivo Antimanicomial Antiproibicionista Cultura Verde
Coletivo de Estudos  sobre Violência e sociabilidade – CEVIS-UERJ
Coletivo das Lutas
Coletivo Tem Morador
Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas
Conselho Regional de Psicologia (CRP/RJ)
Conselho Regional de Serviço Social (CRESS/RJ)
DCE-UFRJ
Deputado Federal Chico Alencar (PSOL/RJ)
FASE
Fórum de Juventudes RJ
Fórum Social de Manguinhos
Frente de Resistência Popular da Zona Oeste
Grupo Conexão G
Grupo Eco Santa Marta
Grupo ÉFETA Complexo Alemão
Instituto Brasileiro De Análises Sociais E Econômicas (IBASE)
Instituto de Formação Humana e Educação Popular (IFHEP)
Instituto de Defensores dos Direitos Humanos (IDDH)
ISER
Justiça Global
Luta Pela Paz
Mandato do Deputado Estadual Marcelo Freixo (PSOL/RJ)
Mandato do Deputado Federal Chico Alencar (PSOL/RJ)
Mandato do Vereador Renato Cinco (PSOL/RJ)
Mandato do Vereador Henrique Vieira (PSOL/Niterói)
Levante Popular da Juventude
Mariana Criola
Movimento pela Legalização da Maconha
Movimento DCE Vivo (UFF)
NPC
Núcleo de Direitos Humanos da PUC
Núcleo Socialista de Campo Grande
Ocupa Alemão
Ocupa Borel
PACS
PCB
Pré-Vestibular Comunitário de Nova Brasília Complexo Alemão
Raízes em Movimento do Complexo do Alemão
Rede FALE RJ
Rede de Instituições do Borel
Redes e Movimentos da Maré
UJC
Universidade Nômade
Vírus Planetário

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.