Por José Ribamar Bessa Freire, em Taqui Pra Ti
Borboleta amarela / no céu azul / infinita beleza.
Não fazer mal / a ninguém / infinita beleza.
(Poesia Guarani)
O Brasil assiste, de cócoras, a volta dos bandeirantes, que estão atacando pra valer, com metodologia igualmente truculenta, mas mais sofisticada. No período colonial, quando os índios eram maioria, eles organizavam as bandeiras, expedições armadas que invadiam aldeias e queimavam malocas para aprisionar os seus ocupantes e vendê-los como escravos. Agora, em pleno séc. XXI, quando os índios são minoria, os agrobandeirantes lançam ofensiva muito bem organizada com o objetivo de varrer definitivamente os índios do mapa do Brasil para se apropriarem de suas terras.
O último exemplo dessa violência foi a morte do terena Oziel Gabriel, em Sidrolândia (MS) na semana passada. Nos últimos quarenta anos – segundo Tonico Benites, índio guarani Kaiowá que é mestre em antropologia pelo Museu Nacional – só no Mato Grosso do Sul, mais de 200 líderes indígenas “foram torturados e assassinados de modo cruel pelos pistoleiros contratados pelos donos das fazendas”.
– “Vai morrer mais gente” – ameaçou em entrevista à Folha de São Paulo(6/6/2013) o presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrisul) e da Frente Nacional da Pecuária (Fenapec), Francisco Maia, uma espécie de Borba Gato dos tempos modernos. Segundo ele, os agrobandeirantes estão armados:
– “Vai ter mais sangue. Isso que aconteceu, de morrer um índio, pode ser pouco diante do que se anuncia. Estamos falando de um massacre iminente. Temos produtores que se recusam a sair de suas propriedades e estão armados”.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em nota oficial, confirmou a ameaça, avisando que “caso a situação não seja revertida, poderão ocorrer novos e dramáticos confrontos de consequências imprevisíveis”.
Para que isso não ocorra, a CNA exige a elaboração de uma nova política indigenista, a suspensão imediata dos processos de demarcação de terras indígenas – o que contraria a Constituição em vigor no Brasil – a transferência para o Congresso Nacional da competência de dizer o que é e o que não é terra indígena e a revalidação da portaria da AGU que restringe os direitos constitucionais dos índios.
AGROBANDEIRANTE
A prática adotada por essa nova leva de agrobandeirantes é similar a que foi testemunhada no período colonial por Jerônimo Rodrigues, que presenciou o assassinato de índios velhos, enfermos e crianças e chamou os bandeirantes de bandidos:
“Nenhuma pessoa, que não tenha visto com os seus próprios olhos tais horrores abomináveis, pode imaginar coisa igual. A vida inteira desses bandidos consiste em ir e vir do sertão, indo e trazendo cativos com muita crueldade, mortes, saqueios e depois vendendo-os como se fossem porcos do mato”.
– “É necessário desarmar os espíritos” – afirmou o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Pelo visto, se for verdade o anúncio de Francisco Maia Borba Gato e da CNA, não são apenas os espíritos que devem ser desarmados. A Força Nacional de Segurança, que ocupou a área, deve desarmar as agromilícias formadas por pistoleiros contratados pelos fazendeiros.
A nova ofensiva dos agrobandeirantes anunciada pelo coordenador da bancada ruralista na Câmara, deputado Luiz Carlos Heinze (PP/RS – vixe, vixe!) prevê uma manifestação que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) organizou para fechar as rodovias federais na próxima sexta-feira, dia 14, no horário das 9h às 14 h.
Escudando-se na imunidade parlamentar, a FPA distribuiu banners, camisetas, adesivos para carros, post para facebook, outdoors, anúncios de jornais e revistas, com a recomendação para dizer que esse material foi produzido pela Frente Parlamentar de Agropecuária “para evitar eventuais ações judiciais futuras”, segundo matéria assinada por Evandro Éboli de O Globo (7/6/2013).
Um panfleto da FPA que já começou a ser distribuído nas rodovias identifica o foco da tensão no campo: “a origem das arbitrariedades é a Funai, que na ânsia de ampliar ao máxima as reservas indígena, promove a violência por intermédio de invasões de propriedades rurais”. Ou seja, na lógica da CNA, só chove porque as pessoas saem às ruas com guardas-chuvas e não o contrário.
UÍSQUE DO PARAGUAI
No Estado de Mato Grosso do Sul, segundo Tonico Bentes, vivem 90 mil índios, pertencentes a oito etnias, cujas terras foram invadidas por fazendeiros. Os índios, deportados de suas aldeias, ficaram confinados em acampamentos de beira de estrada. Agora, reivindicam as terras ocupadas pelos agrobandeirantes, que responsabilizam a Funai – o órgão encarregado de identificar e demarcar as terras indígenas. É dentro desse contexto que deve ser analisada esta nova ofensiva dos agrobandeirantes, que contam com o apoio incondicional da grande mídia.
Neste sábado, o Globo berra em manchete: “EMBRAPA ACUSA FUNAI DE DEMARCAR TERRA SEM ÍNDIO”. Demarcar terra sem índio? Alguém está mentindo: ou o funcionário da Funai ou o da Embrapa ou O Globo. Se a “notícia” for verdadeira, é preciso que o jornal aponte os nomes dos funcionários responsáveis para que sejam punidos e processados por crime de falsidade ideológica. Se for mentira, quem deve ser punido é o funcionário da EMBRAPA, autor anônimo do relatório de onde o jornalão da família Marinho jura ter retirado tal “informação”.
E se eu for lá, tirar fotos e mostrar que a terra está ocupada por índios? O Globo, na mesma edição, no sub-título, se apressa em prevenir que são “indígenas que vieram do Paraguai”.Esse é um argumento mais velho do que “a preta do leite”, tão antigo que é de estranhar que na carta dirigida a D. Manuel, Pero Vaz de Caminha não o tenha informado que os índios da Bahia eram paraguaios.
A revista VEJA em 2007 veio com o mesmo papo. Eles pensam que índio é como uísque: se veio do Paraguai, é falso. Desconhecem as pesquisas etnográficas e etnohistóricas, que envolvem um cuidadoso levantamento genealógico, sistemas de parentesco, organização social, cosmologia, conhecimento da língua e registros escritos e orais. Se lessem tais estudos, saberiam que o povo guarani habita esses territórios muito antes da criação das fronteiras nacionais e que ainda hoje é comum encontrar nas aldeias guarani do Brasil, Argentina, Uruguai ou Paraguai indivíduos e famílias que moraram ou nasceram em diferentes países.
Os donos do poder, para defender seus interesses particulares, sempre exploram o sentimento nacional que está no coração de cada brasileiro e transformam isso em xenofobia. Quando são incomodados, inventam sempre um inimigo estrangeiro: os anarco-sindicalistas eram espanhóis ou italianos, os comunistas eram russos ou cubanos, agora os índios são paraguaios. Não precisa da Embrapa para fazer tal afirmação. É tão inconsistente e ridículo como se os índios, vendo os cabelos louros, os olhos azuis e os sobrenomes dos fazendeiros, os “acusassem” de “alemães”.