Conjuntura da Semana. Os povos indígenas não cabem no atual modelo da esquerda no poder na América Latina e no Brasil

IHU On-Line – A análise da Conjuntura da Semana é uma (re) leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.

Sumário

Povos indígenas: Obstáculo ao projeto nacional desenvolvimentista

O caso brasileiro: Tempos difíceis para os povos indígenas
Agronegócio e ruralistas querem varrer do mapa os povos indígenas
O Estado brasileiro é anti-indígena
Povos Munduruku. Um caso emblemático
Povos indígenas contam apenas com suas forças

América Latina. Uma esquerda que vê estorvo nos povos indígenas
Marxismo e liberalismo se aproximam na concepção do modelo da esquerda latino-americana
Tensões no Continente entre povos indígenas e governos

Povos indígenas: Obstáculo ao projeto nacional desenvolvimentista

“Índio não ‘produz’. Índio vive” – Eduardo Viveiros de Castro

Os povos indígenas são um estorvo ao modelo nacional desenvolvimentista da esquerda latino-americana e brasileira no poder. Esses povos não cabem no projeto da atual esquerda. Mais ainda, são vistos como obstáculo e amarra ao livre desenvolvimento das forças produtivas portadoras do crescimento econômico.

Tributários de um marxismo reducionista que veem as forças produtivas – trabalho e capital – como meio para controlar e transformar os recursos naturais com vistas à produção de bens materiais, base do crescimento econômico, a atual esquerda latino-americana enxerga nos povos indígenas um obstáculo ao pleno desenvolvimento do modelo em curso.

Nesse modelo, as terras, águas, matas, ar, biodiversidade e minérios estão subordinados à lógica produtivista, âncora do crescimento econômico e base da “distribuição de renda”. Na medida em que os povos indígenas ocupam os territórios onde se encontram os recursos vitais para o modelo, devem ser removidos.

É nesse contexto que devem ser interpretada as tensões que envolvem os povos indígenas em todo o território latino-americano e, particularmente, no Brasil.

O arsenal de emendas constitucionais, portarias, e regulamentações associadas aos grandes projetos e ao braço armado do ruralismo e do Estado – vide o caso do povo Munduruku – ameaçam não apenas os territórios, mas a própria integridade física dos povos indígenas.

O ‘Estado de exceção’, na concepção agambiana, chegou aos povos indígenas.

O caso brasileiro: Tempos difíceis para os povos indígenas

O modelo econômico brasileiro é altamente dependente da exploração e exportação de matérias-primas, em especial de commodities agrícolas e minerais. Nessa perspectiva e para viabilizar o modelo, o Estado brasileiro investe pesado em obras de infraestrutura na área de transporte e geração de energia – rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos, usinas hidrelétricas, linhas de transmissão, dentre outras.

O modelo necessita do total controle do território e na medida em que está ocupado por indígenas ou outros povos tradicionais – quilombolas, pescadores artesanais, ribeirinhas – os mesmos tornam-se um empecilho e precisam ser removidos. Como destaca análise de conjuntura do Cimi, “é muito evidente que os setores político-econômicos anti-indígenas e antidemocráticos, representantes do agronegócio, das mineradoras, das grandes empreiteiras e o próprio governo brasileiro estão articulados e empenhados para ampliar o acesso, o controle e a exploração dos territórios indígenas, quilombolas, dos pescadores artesanais, dos camponeses, de preservação ambiental, dentre outros”.

Para conseguir seus objetivos, diz o Cimi, os setores anti-indígenas adotaram uma estratégia que tem três objetivos centrais:

1 – Inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas;
2 – Rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados;
3 – Invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos povos indígenas, pelos quilombolas e por outros grupos tradicionais.

Agronegócio e ruralistas querem varrer do mapa os povos indígenas

É nesse contexto que se assiste ao uso de diferentes instrumentos político-administrativos, judiciais e legislativos para derrogar os frágeis direitos indígenas. A artilharia é pesada e visa atingir os objetivos citados anteriormente. Entre as principais iniciativas dos ruralistas para o desmonte dos direitos indígenas e com o explicito objetivo de “abrir a porteira” dos seus territórios destacam-se:

PEC 215: O projeto de emenda constitucional propõe transferir do Poder Executivo para o Congresso Nacional a demarcação e homologação de terras indígenas e quilombolas, além de rever os territórios com processo fundiário e antropológico encerrado e publicado;

PEC 38: Dá ao Senado Federal competência para aprovar processos de demarcação de terras indígenas e determina que a demarcação de terras indígenas ou unidades de conservação ambiental respeite o limite máximo de 30% da superfície de cada estado;

PEC 237: Permite a posse indireta de terras indígenas por produtores rurais. A PEC acrescenta um parágrafo à Constituição para determinar que a pesquisa, o cultivo e a produção agropecuária nas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios poderão ocorrer por concessão da União, tendo em vista o interesse nacional;

Projeto de Lei 1610: Prevê a mineração em terras indígenas, ou seja, a exploração mineral poderá ocorrer em todo e qualquer espaço no interior da terra indígena.

Nas últimas semanas os ruralistas voltaram à carga com sua virulência para paralisar a já quase inexistente demarcação de territórios de ocupação tradicional.

Os povos indígenas como diz Tatiana Bonin se transformaram em “ervas daninhas” que incomodam os “jardins do latifúndio”. O caso do povo Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul é emblemático nessa perspectiva. Faz parte de sua vida cotidiana a queima de barracos, intimidações, destruição de plantações, sequestros e assassinatos seguidos até mesmo da crueldade do desaparecimento de corpos como se viu com o cacique Nísio Gomes.

O Estado brasileiro é anti-indígena

Os povos indígenas, porém, não enfrentam apenas o agronegócio, enfrentam também o governo que tem direcionado seu arsenal de instrumentos jurídicos para derrotar os indígenas quando se trata de defender o seu modelo. Dentre as principais iniciativas do governo destacam-se:

Portaria 303: De iniciativa da Advocacia-Geral da União (AGU), a portaria confirma o entendimento do STF de que os direitos dos índios sobre as terras não se sobrepõem aos interesses da política de defesa nacional, ficando garantida a entrada e instalação de bases, unidades e postos militares no interior das reservas. A expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas e de “riquezas de cunho estratégico para o país” também não dependerão de consentimento das comunidades que vivem nas TIs afetadas, de acordo com as regras;

Decreto nº 7.957/13: Cria a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática significa a criação de instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de comunidades tradicionais, povos indígenas e outros segmentos populacionais que se posicionem contra empreendimentos que impactem seus territórios. Foi o que se viu na Operação Tapajós;

Portaria Interministerial 419/11: Regulamenta a atuação de órgãos e entidades da administração pública com o objetivo de agilizar os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infraestrutura que atingem terras indígenas.

Logo, a postura do governo em relação aos povos indígenas é clara, ou os povos indígenas submetem-se ao modelo ou sentirão a mão pesada do Estado. Como diz Márcio Santilli, “o atual governo é o primeiro a renunciar à responsabilidade histórica e à obrigação constitucional de tutelar os direitos das minorias, cujo destino foi relegado às correlações locais de força e à sanha dos seus inimigos”.

Portanto, a atitude do governo brasileiro não é de descaso, omissão e negligência para com os povos indígenas – o governo tem um lado nesse debate e o seu lado é a defesa do seu projeto. Quem estiver atrapalhando será posto de lado como se viu, para ficar em alguns casos, com os povos Truká (Transposição do S.Franciso), povos indígenas do Xingu (Usina de Belo Monte), Povo Munduruku (Complexo Tapajós), Aldeia Maracanã (Copa do Mundo).

As próximas ameaças que avizinham contra os povos indígenas é a da mineração e exploração de petróleo. Existem 152 terras indígenas na Amazônia potencialmente ameaçadas apenas por projetos de mineração.

Povos Munduruku. Um caso emblemático

O que acontece com os povos Munduruku é elucidativo do que é estratégico para o Estado. Nas últimas semanas o governo autorizou o desembarque de tropas da Força Nacional de Segurança Pública na região de Itaituba (PA) para a execução da Operação Tapajós sem qualquer diálogo com os povos Munduruku que estão na região desde tempos imemoriais, inclusive em reservas demarcadas.

A operação Tapajós “se dá no contexto de criar garantias para a execução do complexo hidrelétrico do Tapajós”, diz o antropólogo Roani Valle em entrevista à IHU On-Line. “Todos com quem converso – diz ele – indígenas, movimentos sociais, intelectuais, acadêmicos, organizações não governamentais etc batem nesta mesma tecla”. O antropólogo comenta que “para o governo, a presença militar se faz necessária para reprimir qualquer possível reação do povoMunduruku contra a implementação do Complexo Hidrelétrico do Tapajós”.

O antropólogo Roani Valle – sugerimos a leitura de sua entrevista – destaca que “quem está decidindo por um conflito, com implicações talvez genocidas que se avizinha toda vez que um fuzil FAL, AR 15 ou HK 33 é apontado para uma flecha, é o governo brasileiro”. Nesse sentido, diz ele, “é possível falarmos num escalonamento para uma guerra de baixa intensidade em instalação ou já instalada. Esta doutrina militar desenvolvida em Washington nos anos 1970 envolve terror, humilhação, coerção, ameaça, supressão de acesso a recursos naturais e dos próprios recursos, controle da acessibilidade e deslocamento físico-espacial, supressão informacional e conflitos armados sub-reptícios, camuflados (como o de operações para coibição de crimes ambientais), pontuais e rápidos com ações localizadas e orientados para obterem o máximo de impacto emocional e simbólico em suas vítimas, é covarde mas extremamente eficiente”, destaca.

A Operação Tapajós é demonstrativa de como o governo trata os povos indígenas. Ao contrário do diálogo acenado pelo mecanismo da Consulta Prévia, o governo utiliza a força. A mesma força utilizada contra os povos indígena da Aldeia Maracanã.

Comenta o antropólogo Roani Valle: “Fato é que estamos vivendo tempos difíceis, sobretudo para os povos indígenas e populações tradicionais, e pode piorar. Mas são escolhas. E escolhas não são inexoráveis por natureza; algumas podem ser irreversíveis, como é o caso das hidroelétricas. Terríveis irreversibilidades escolhidas por poucos e impostas a muitos com o argumento falacioso da inevitabilidade desenvolvimentista necessária”.

Povos indígenas contam apenas com suas forças

Os povos indígenas resistem como historicamente resistiram. Faz poucos dias deram um belo exemplo de sua resistência ocupando o parlamento para bloquear a ofensiva ruralista e a PEC 215.

Na sua luta contra os ruralistas e contra a insensibilidade do governo contam com poucas forças, entre elas, a principal é o Cimi e algumas ONG’s. Os partidos de esquerda não apoiam a luta indígenas, apenas alguns parlamentares isolados, há inclusive partidos de esquerda que são claramente anti-indígenas como o PCdoB. O movimento sindical sequer conhece a luta indígena e raramente se posiciona quanto aos seus conflitos.

A frustração com o governo é grande. Na opinião de Roberto Antonio Liebgott, vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário – Cimi do Rio Grande do Sul, “a ‘esquerda’ que assumiu o poder se tornou volátil, ou seja, diante das contingências do momento e da ânsia por assumir o governo, ajustou muito rapidamente seus propósitos e bandeiras históricas”. As opções do governo acabaram sendo “pelo boi, pela soja, pelo agronegócio, pelas empreiteiras e empresas de energia elétrica (os barrageiros)”, destaca o dirigente do Cimi.

Toda a insatisfação dos povos indígenas ficou latente quando na semana passada não conseguiram audiência com a presidente. Afirmaram os povos indígenas em carta pública: “Perdemos as contas de quantas vezes em que Dilmaesteve com latifundiários, empreiteiras, mineradores, a turma das hidrelétricas. Fez portarias e decretos para beneficiá-los e quase não demarcou e homologou terras tradicionais nossas. Deixou sua base no Congresso Nacional entregar comissões importantes para os ruralistas e seus aliados”.

América Latina. Uma esquerda que vê estorvo nos povos indígenas

A pressão sobre os recursos naturais e as tensões com os povos indígenas não é uma particularidade do Brasil. Em todo o continente latino-americano assiste-se a projetos – de mineração e energia – que pressionam verdadeiros santuários ecológicos, intactos e protegidos.

Com maior ou menor intensidade, em toda a América Latina, movimentos indígenas, camponeses e organizações socioambientais estão se posicionando e se mobilizando contra a execução de megaprojetos – rodovias, hidrelétricas, expansão do agronegócio, mineração, petróleo. No cerne da tensão entre os movimentos sociais e os governos progressistas na América Latina encontra-se a agenda ambiental.

A esquerda latino-americana é cada vez menos “vermelha” e cada vez mais “marrom”. Está ficando cada vez mais claro que os governos progressistas ou da nova esquerda se apoiam na exploração de commodities para alimentar o crescimento econômico. Por esse processo, o continente latino-americano reforça sua histórica condição de provedor de matérias primas para a globalização.

Rompe-se o diálogo com o movimento verde, e a esquerda de vermelha transforma-se em marrom. O vermelho, cor símbolo da luta socialista, subordina-se à lógica do grande capital e, assumindo o modelo extrativista – primário exportador –, provoca grandes impactos ambientais. O marrom é uma referência às crateras a céu aberto provocadas pelos megaprojetos em curso em todo o continente.

Havia a esperança de que a esquerda no poder mudasse o tratamento dado a esses temas e, sobretudo, desse um lugar diferenciado aos povos indígenas, transformando-os em verdadeiros e reais protagonistas de um novo modelo de desenvolvimento, mais respeitável com o meio ambiente e, sobretudo, com os povos que vivem e dependem de seu território. Mas, a questão de fundo não resolvida é que a esquerda no poder no continente continua tributária de um modelo desenvolvimentista baseado na exploração de commodities. É inerente a esse modelo não saber o que fazer com aqueles que se opõem a ele.

Havia a novidade dos países andinos – Equador e Bolívia, sobretudo –, e o reconhecimento nesses países da contribuição indígena para a política, a economia e a cultura. Os acontecimentos nesses dois países são um duro golpe aos que acreditaram que algo novo estava emergindo.

Marxismo e liberalismo se aproximam na concepção do modelo da esquerda latino-americana

Essa esquerda – que se consolida no poder no continente, é verdade – continua presa a uma leitura de um marxismo que se reduz à lógica produtivista, onde o importante é o desenvolvimento das forças produtivas e o crescimento da economia. Aproximam-se do liberalismo, que também quer o desenvolvimento das forças produtivas. Distanciam-se apenas no instrumento de alavancagem do capital: para os primeiros, esse papel cabe ao Estado; para os segundos, ao mercado. Nessa lógica os indígenas não têm vez, porque são considerados um atraso e um freio ao desenvolvimento das forças produtivas. Ela sofre, como chama a atenção Valter Pomar, de um “déficit teórico”, não apenas no que diz respeito ao desenvolvimento e à integração regional, mas também e especificamente em relação ao lugar dos povos indígenas.

O modelo extrativista patrocinado pelos governos de esquerda e, também, pelos de direita na América Latina é definido pelo escritor uruguaio Raúl Zibechi como “apropriação dos bens comuns, direta ou indiretamente, para transformá-los em mercadorias”. O sociólogo venezuelano Edgardo Lander comenta que “a principal fonte das contradições internas e das decepções com relação aos governos progressistas e de esquerda é que parecem, de fato, dar por óbvio que não há nenhum outro caminho possível senão o de um sistema baseado no crescimento econômico”.

Em praticamente todos os países da região, desde o México até o Chile, povos indígenas, comunidades tradicionais e camponesas estão se levantando contra grandes projetos de desenvolvimento e de extração natural que, pegando carona no boom econômico da América Latina e nos altos preços das commodities, estão promovendo uma nova febre do ouro em paisagens tão distintas como o deserto mexicano e a floresta amazônica.

A obsessão pelo crescimento, a aposta em megaprojetos e a flexibilização do aparato normativo que protege o meio ambiente estão no cerne das tensões sociais que se assiste em todo o continente. Tome-se como exemplo o que vem acontecendo no Equador, no Peru e na Bolívia, mas também com grau diferenciado na Argentina, no Chile, na Colômbia e na Venezuela. Marchas, protestos, ocupações e mobilizações fazem parte do cenário da luta social na América Latina nos últimos anos e, na maior parte delas, o arranque das mobilizações são os conflitos ambientais ancorados na mineração. Assiste-se, pois a um ressurgimento dos povos indígenas na América Latina, que se postam como novo movimento social, ancorado numa outra cosmovisão, que se manifesta em outra concepção de desenvolvimento.

Tensões no Continente entre povos indígenas e governos

Revelam-se a pedra no sapato dos governos que insistem em perseguir velhos caminhos, em vez de ousar abrir novas trilhas. A seguir, vamos ilustrar como essas tensões acontecem em vários países da América Latina, com ênfase nos conflitos dos setores da mineração e energia.

Bolívia. Embora o presidente indígena Evo Morales tenha se destacado como um grande crítico do capitalismo e seu vice-presidente tenha destacado que “não haverá nunca mais uma Bolívia sem índios”, muitas das resistências que seu governo vem enfrentando vêm justamente de parcelas sociais que criticam sua administração por seguir uma política econômica ortodoxa, pouco inovadora no tratamento dado às questões que envolvem os recursos naturais e na valorização dos indígenas. Os indígenas bolivianos não hesitam em fazer oposição a um governo liderado por um quéchua quando seus interesses são contrariados. A oposição à proposta governamental de construção de uma estrada atravessando o Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS), teve repercussão mundial e levou o governo a suspender a obra e submeter o projeto a consulta. No final do ano passado, começou o processo de consulta. A maioria das comunidades consultadas aprovou a construção da estrada transamazônica, mas o referendo está sendo questionado pelos opositores por não ter sido universal.

No departamento de Tarija a ameaça aos povos indígenas vem do subsolo. Ali foram descobertas reservas de hidrocarbonetos e há projetos de extração, o que acaba prejudicando as comunidades indígenas que vivem na área. Ao longo do segundo semestre de 2012, foram muitas as mobilizações, bloqueios de estradas ou de campos petroleiros e a participação em pequenas ou grandes marchas, para exigir que os guarani, no caso, sejam consultados sobre os projetos.

Equador. O Equador, assim como a Bolívia, fez uma nova Constituição com vistas a contemplar direitos à natureza. Rafael Correa oscila entre a não exploração do petróleo no Parque Nacional Yasuni (em troca do pagamento dos chamados serviços ambientais), na selva amazônica, região rica em biodiversidade, e a exploração de recursos naturais para o desenvolvimento. No final do ano passado, os planos oficiais de extração de recursos naturais novamente colocaram o presidente do Equador, Rafael Correa, em disputa com líderes indígenas do país. A causa desta vez foi o novo processo de licitação internacional para a exploração do petróleo em larga escala na Amazônia equatoriana que o governo do país acaba de iniciar. Em fevereiro passado, após sua reeleição, Correa voltou a defender a exploração do petróleo.

Correa tem projetos, também, de alavancar a exploração mineradora, em larga escala, atividade pouco desenvolvida até agora no Equador, o que vem despertando preocupações e atritos com as comunidades indígenas implicadas.

Peru

No Peru, a maioria dos conflitos sociais que eclodiu no governo de Ollanta Humala tem origem na mineração, especialmente, do ouro. O centro das atenções se volta para o projeto de mineração Conga, na região de Cajamarca. Até julho do ano passado, os conflitos envolvendo as forças da ordem e o movimento social já tinham produzidos um rastro de mais de 15 mortos. Em janeiro foi a vez da comunidade de San Juan de Cañaris, no norte do país, mostrar seu desacordo com um projeto de mineração a céu aberto do país. Os moradores reclamam a colocação em prática da consulta prévia aos povos indígenas.

O Peru é o segundo maior produtor de prata e cobre e sexto maior produtor de ouro do mundo. Estão previstos investimentos de cerca de 54 bilhões de dólares na área da exploração mineral. Desamparados, os povos indígenas recorrem aos tribunais internacionais para reivindicarem o direito de consulta sobre exploração mineral e petrolífera em seus territórios.

Chile

No Chile, o cenário difere no objeto, mas não na matéria. Na Patagônia, os movimentos sociais, entre eles os Mapuche, se debatem contra a construção de hidrelétricas. Em maio de 2011, o governo de Sebastián Piñera aprovou a construção de cinco hidrelétricas na região, extensivamente habitada. As empresas interessadas são estrangeiras, que querem produzir energia a ser transportada até os grandes consumidores – empresas mineradoras, especialmente as indústrias de cobre –, que ficam a mais de 2.300 km de distância. A região é rica em água e pode estar sofrendo um novo colonialismo.

Indígenas huascoaltinos, na fronteira com a Argentina, se opõem ao Projeto Pascua Lama, iniciado há dez anos, de exploração de ouro. Os índios dizem arcar com prejuízos ambientais causados pelo empreendimento e denunciaram o Estado chileno na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Argentina

Da mesma maneira, também a Argentina, que condivide a Patagônia com o Chile, assenta suas esperanças de protagonismo energético nessa região. Em novembro de 2011, a petrolífera Repsol-YPF anunciou o descobrimento de gás e de petróleo não convencional em terra, em uma área conhecida como Vaca Muerta (“Vaca Morta”), na província patagônica de Neuquén.

Os índios Mapuche das comunidades de Mellao Morales e Huenctru Trawel Leufú, também em Neuquén, tentam, desde 2008, anular um contrato para exploração de cobre dentro de suas reservas. Segundo eles, a extração do metal viola legislações indígena e ambiental. As obras foram paralisadas por decisões judiciais até que eles sejam consultados.

Já a população de Famatina, na província de Rioja, junto à Cordilheira dos Andes, e o povo da vizinha Chilecito, se organizaram, em janeiro de 2012, com vistas a impedir o acesso à área onde a mineradora canadense Osisko Mining pretende extrair ouro e outros minérios, usando milhões de litros de água misturada com cianeto e soda cáustica. Eles temem que o uso de cianeto contaminará as águas da região, e seus efeitos poderão atingir fontes hídricas que atravessam a Argentina, podendo chegar até o rio Paraná.

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