Nesta série contamos a história de homens e mulheres vítimas da intoxicação por agrotóxicos na atividade agrícola e o que diz a política, a economia e a ciência
Por Melquíades Júnior – Diário do Nordeste
Para garantir a colheita e aumentar a produtividade, passou-se a usar o agrotóxico, que alguns chamam de defensivo químico ou agroquímico. O veneno usado para matar pragas nas lavouras chega com força ao ser humano e ao meio ambiente quanto maior e mais indiscriminado é o seu uso. Mortes silenciosas passam a ocorrer nos campos agrícolas brasileiros e fora deles. Assim foi com Valderi, Wanderlei, Rosália, Liberato e Antônio. Estes são alguns entre milhares de nomes registrados pelo Sistema Nacional de Informações Toxicológicas (Sinitox) com óbitos por agrotóxico agrícola.
São trabalhadores rurais do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Bahia, que conhecemos após percorrer quase 6 mil quilômetros. Os seus últimos anos de vida são narrados pelas esposas, as “viúvas do veneno”. Entre as vítimas incluímos Rosália, que lavava diariamente as roupas do marido sujas de veneno. Morreu de leucemia. Deixou três filhos e Marizaldo, o viúvo desta série.
Maria da Conceição cuidou dos últimos dez anos de vida de Valderi. Mas os cinco últimos valeram por outros dez. O agricultor foi perdendo partes do corpo. A reportagem conheceu Valderi logo após ele perder os primeiros dedos do pé, em 2005. Fizemos também a sua última foto em vida, em 2008.
Esta série especial não começa agora, mas há sete anos, em Limoeiro do Norte, cidade de José Maria Filho, uma das fontes exclusivas entre os moradores e lideranças na Chapada do Apodi. Sabíamos, dois anos antes, das ameaças de morte que sofria por denunciar a pulverização aérea onde hoje está um dos maiores polos fruticultores do Nordeste. Mesmo assim, ele insistia em não se calar. Quando foi assassinado, a comunidade de Zé Maria não se calou e os cientistas constataram as doenças causadas pelo veneno denunciado. A partir de amanhã, e até domingo, acontece a Semana Zé Maria do Tomé. Serão dias de protestos pela causa ambiental.
O Brasil é, há mais de quatro anos, o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Somente em 2011 circularam cerca de US$ 8,9 bilhões no comércio de veneno, dominado por nove empresas fabricantes que não concorrem entre si, pois, para cada cultura, uma delas produz um ou vários venenos específicos.
Em todo o País, foram confirmadas 171 mortes por agrotóxico agrícola somente em 2010, ano mais recente levantado pelo Sistema Nacional de Informações Toxicológicas. Mas a subnotificação é um dos grandes imbróglios neste setor. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada caso notificado, existem outros 40 que não são.
E de quem é a culpa? Do modelo agrícola, da desinformação do trabalhador, do lobby dos fabricantes de venenos, da venda a qualquer custo? Desde a “revolução verde”, há 50 anos, não se falou tanto em agrotóxicos no Brasil quanto nestas primeiras décadas do século XXI. “Delicado”, “espinhoso”, “polêmico”, “necessário” são alguns adjetivos dados ao assunto, não importa qual opinião se tenha. No meio disso tudo, um fato: mais pessoas estão morrendo, o solo e a água estão com maiores teores de produtos químicos. Tudo de uma forma silenciosa, só definida com o tempo.
Estivemos também em Campinas (SP) reunidos com autoridades do agronegócio e representantes do segmento fabricante de agrotóxicos. Enquanto tudo isso, o mundo corre para garantir a segurança alimentar para 9 bilhões de pessoas até 2050. Há respostas de cunho político, econômico, social ou científico. Todas elas são consideradas nesta série especial inédita de hoje até o próximo dia 20 de abril.
Enviada por Janete Melo para Combate Racismo Ambiental.
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